sexta-feira, 4 de novembro de 2011

AUSÊNCIAS DE MAH LUPORINI

      Em 2011, Mah Luporini lançou o seu segundo livro "Ausências" em que ela nos mostra quarenta poemas pequenos, cada um possuindo de um a quatro versos. Cada poema é uma pequena definição de um momento, de uma ideia, de uma atitude, de uma sensação ou de um sentimento. Então, ela dá um pequeno título e escreve alguns poucos versos relacionados ao título dado. Desta forma, ela vai descrevendo, através de sua poesia intimista, o mundo em que ela se encontra e aí é a sua grande qualidade e, ao mesmo tempo, o grande defeito.

      Às vezes penso que ler um livro de poesia é um pouco o trabalho de um médico legista que acaba de encontrar o objeto com o qual trabalha e que vai tentar descobrir as causas daquele objeto ter chegado ali. Começo a ler e vou decifrando palavras e significados, muitas vezes, passa-me pela cabeça que a poesia não é para ser decifrada, entendida ou explicada. A poesia apenas é, apenas existe, existe mais para o poeta do que para o leitor de poesia, mas as palavras, o grande tema de Mah Luporini, pois o tempo todo dedica-se a duas coisas, a si mesma e à sua relação com as palavras, que vem desde a infância pois não podemos deixar de lado a presença dos pais poetas.
      Dos quarenta poemas, vinte deles encontram-se na primeira pessoa do singular no tempo presente. Então, ela usa palavras como "escrevo, dissolvo, perco-me, encontro-me, sou, procuro, liberto-me, quero, caminho, contemplo, navego, habito, ceifo, estou, brinco, sobrevivo, bebo, toco" que, a meu ver, mostra o quanto a poeta é voltada para si mesma tentando encontrar o seu mundo ou se encontrar no seu mundo. E aproximadamente a metade dos poemas também falam sobre palavras, versos, escrever, poesia, muitas vezes, misturam-se os dois temas básicos: quem sou e porque escrevo.
      Então, esta poesia super intimista, voltada somente a si e às suas vontades e desejos, expõe-se mas não interage com o mundo. Falta-lhe enxergar o mundo à sua volta, interagir, enfrentar, sair do seu casulo e sofrer por tentar em vez de sofrer por ficar presa ao seu mundo.
      De certa forma, este entranhamento em si mesmo é uma marca da modernidade. Viver sem ver a realidade, ou ver a realidade e preferir viver o seu mundo próprio. As duas coisas se completam e são frequentes atualmente, não enxergar além do seu mundo.
      Dentro da poesia de Mah Luporini encontro, entre os seus pequenos poemas, coisas muito boas como:
  
          Ausência
     Bebo o vinho da noite
     Esqueço quem sou
     Perco-me em
     Ausências.

      Gostei desta figura de "beber o vinho da noite", embriagar-se daquele momento silêncioso e se esquecer de tudo, perder-se em ausências, perder-se na falta de tudo, onde tudo e todos são ausentes. Então aí temos os temas muito explorados pela poeta como o silêncio (13 em 40 poemas remetem ao silêncio, à necessidade de não ter som ou de se calar), a si mesma e suas próprias ações (bebo, esqueço, perco, ) e às ausências na vida, das coisas, das pessoas, dos amores que tanto afligem o coração da poeta. Completando tudo em outros poemas como:

       Insônia
     Rendas silenciosas
     Tecem a noite, outono de púrpuras,
     Sob águas cristalinas.

      Completa a ideia das coisas que estão acontecendo enquanto as pessoas estão dormindo, e também um outono, algo aguardando a primavera escondida nas águas cristalinas, talvez algo que irá surgir deste silêncio, desta noite, uma paixão (púrpura)?. E depois, da noite e do silêncio, depois desta espera pela primavera, encontramos:

        Identidade?
     Clara manhã
     Tímido azul...
     Sou alguém que não conheço

     Então, apesar de eu ter visto o excesso de uma poesia intimista, de voltar-se para si mesmo, de acreditar que é necessário à poeta sair do casulo e expor-se para encontrar as oportunidades do mundo, penso, também que o livro tem a qualidade da coerência, da proposta de mostrar este eu poético, de apresentar este eu em silêncio, em horas noturnas, de distanciar este eu do mundo real e buscar a essência desta vida. Infelizmente, o ser humano, além de ser poético é ser social e, enquanto sobra a autora o "eu poético", falta-lhe, por enquanto, o ser social, a sua relação com o mundo real.

sábado, 29 de outubro de 2011

O CIENTISTA E A POETA

                Mírian Menezes de Oliveira lançou recentemente o livro "O  Cientista e a Poeta", cujo exemplar impresso trouxe novidades no formato e manteve formas poéticas conhecidas. Explico: o livro foi impresso de forma a ser lido na horizontal das páginas e não na vertical igual a todo livro. Além disso, foi escrito em letra cursiva e vem recheado de desenhos curiosos.
          Segundo a autora o livro nasceu após um estudo sobre transdiciplinaridade que a entusiasmou. Ela já possuía uma alma de poeta e ao mesmo tempo de cientista, daí o título. Voltando ao assunto, após estes estudos, ela colocou-se a escrever porque os assuntos vinham e precisavam transferir-se ao papel.
          Sendo esta a primeira experiência poética, acredito que a Mirian antecipou-se demais ao tempo do poeta, pois a poesia exige um cuidado diferente. Transcrever os sentimentos é somente a primeira parte do trabalho poético, isto ela fez bem. Há tantas outras coisas envolvidas num trabalho de poesia além da simples transcrição dos sentimentos, sensações e observações sobre o mundo.
          O livro vale por esta explosão de sentimentos e pela necessidade de expressão que todos temos. Infelizmente, ainda está longe de um trabalho poético verdadeiro, que deve levar em conta algo mais.
          Assim temos poemas longos, com frases compridas, discutindo temas, expondo as ideias da autora como logo no início do livro com "Teorema Poético-Científico" em que lemos:
"a partir de agora, o cientista e a poeta
 (poetisa é muito açucarado) se
 fundirão no caldeirão da existência".
        Vemos que a forma colocada para os versos é uma afirmação, faltando-lhe os elementos poéticos como as figuras de linguagem, metáforas, dissimulações, ausências, dubiedade de significados. Outro exemplo está em "Poema da Relatividade" em que ela escreve:
A grama vista da janela
Quando bate o vento,
 não é grama...
 É mar!
         Ou seja, ela já conta tudo, tira o sabor da imaginação, dos diversos rumos e significados que uma palavra atinge. Faz uma poesia com poucas figuras de linguagem, poucas variações e sem uma dor. Uma poesia bastante contemplativa. Apesar disso, consegue ao longo livro, iniciar-se numa crítica social percebendo a redução do homem a objetos e coisas produzida pelo sistema econômico-social vigente.
        Acredito que ela deve aprimorar-se ao longo dos anos ao pensar o trabalho poético com muito mais variáveis. O trabalho poético na sua essência é a expressão do sentimento do ser humano em relação ao meio em que ele vive, sendo assim, a poesia deve considerar os sentimentos mais vitais em primeiro lugar, depois, o meio da vivência do poeta, em seguida, as contradições, figuras de linguagem, crítica, e sem esquecer que é necessário ver, ler, analisar o trabalho que os pares poéticos fazem para poder compreender o momento artistíco atual.
        Sendo assim, apesar de eu não gostar de repetições para marcar definições num poema, fico com o seguinte poema, como um dos mais significativos:

                           HOMEM-RÓTULO OU LOGO-HOMEM

                           Homem-rótulo
                           Homem-síntese
                           Homem-marca
                           Logo-homem

                           Homem predestinado
                           Homem etiquetado
                           Homem resumido
                           Logo-homem
                           com tarja preta
                           ou vermelha.

        O mais interessante é pensar que este poema ficaria muito mais forte se fosse menor, numa livre adaptação e sem querer modificar o estilo poético, a autora poderia cortar o poema, aproveitar apenas a essência das palavras e escrever:

        Logo-homem
        Homem-rótulo
        Com tarja preta
        Ou vermelha.

        Pois assim já diria tudo o que ela queria, a transformação das pessoas em coisas com muitos rótulos, marcas, logotipos, ao mesmo tempo que não percebem o perigo deste vício, em que faz alusão às tarjas pretas e vermelhas das embalagens de remédios que podem viciar. Em poucas palavras vem muita coisa à mente, deixando o leitor interpretar à sua maneira, dentro da sua experiência.
         Espero mais de Mírian Menezes e acredito que ela tem este potencial. Aguardaremos.
 

sábado, 22 de outubro de 2011

PREFÁCIO DE POEMAS DO SUBSOLO

       Em 20 de Outubro de 2011, José Moraes lançou sem livro mais recente "POEMAS DO SUBSOLO", prefaciado por Fernando Scarpel. Segue o prefácio do livro.

             POEMAS DO SUBSOLO dá continuidade ao excelente trabalho que o poeta Moraes desenvolve desde FRAGMENTOS URBANOS, seguido de POEMAS RAREFEITOS, mas, para compreendermos e entendermos a complexidade deste trabalho temos de colocar em mente a dimensão do ser humano diante de uma cidade devoradora de costumes, tradições, sentimentos, meio ambiente. Precisamos considerar a relação da cidade de São José dos Campos com o homem José Moraes Barbosa que enxerga como o excesso do concreto sobre o ser humano, o concreto que esmaga e destrói mais do que constrói coisas belas (lembrando até Caetano Veloso). Esta é a poesia por trás dos poemas de Moraes. Ele vê a cidade se transformando e esmagando seus habitantes, destruindo a alma humana; como exemplo temos

O CONCRETO É RETO
CURVO ÁRIDO ERETO
INQUIETO AQUIETA

Vemos que, além de falar da característica física e visual do Concreto (Reto, árido, ereto), também lhe dá dimensão de falta de sentimento (árido) e indiferença (ereto), apesar disso, mostra que não para (inquieto), mas, quando diz inquieto, ao mesmo tempo, quer dizer que ele representa a sociedade que insiste em erguê-lo, em continuar transformando a cidade em concreto e, quando diz aquieta, não quer dizer que ele para, mas que ele sufoca o ser humano dentro dele, aquieta o ser humano, aquieta o homem que, ao habitá-lo obriga-se a aceitá-lo.

Em "Interstício", outro excelente poema deste livro, enxergamos outra relação importantíssima do trabalho deste poeta que é a visualização do seu poema, a poesia do concreto visualizada num poema concreto, vem-me à mente a imagem do bairro joseense Jardim Aquarius quando estamos observando-o do alto da Vila Betânia, mais exatamente quando o visualizamos vindo de carro pelo Anel Viário, sentido centro-bairro e vemos aquele amontoado de prédios, com suas janelas surgindo como se fossem uma cadeia de montanhas, mas é acúmulo de concreto, lindamente traduzido neste poema, tanto na sua forma visual quanto na sua forma textual.

Esta relação entranhada do homem com a cidade, do homem com  o mundo é a poesia concreta de Moraes, que denuncia as prostitutas de rua, os menores abandonados, os relacionamentos efêmeros criados no mundo moderno e suas novas tecnologias que, a pretexto de libertar, prendem ainda mais o ser humano dentro de um ambiente virtual e irreal.

Mas este aspecto não é o único que devemos destacar na poesia de José Moraes, há de se notar a sua relação com a palavra como modificadora de pensamento, a palavra em seus aspectos visuais, na letra original deste poeta podemos perceber mais claramente o aspecto visual. Fora que as quebras que ele propõe também fazem parte de sua poesia, uma parte da palavra em uma linha, outra na linha de baixo, obriga-nos a ler o poema de maneiras diferentes, como uma frase única, como frases diversas, com cada palavra separadamente com seu significado que, juntas, tem outro. O que me remete a uma pequena diferença deste livro para os anteriores, neste ele volta a utilizar mais verbos em sua poesia, a dar mais ação, o que me traz o seguinte aspecto desta, se assim podemos dizer, trilogia poética que se forma entre "Fragmentos Urbanos", "Poemas Rarefeitos" e "Poemas do Subsolo".

Em "Fragmentos Urbanos" vemos o poeta tentando compreender a cidade onde existe, juntando suas faces e personagens, em "Poemas Rarefeitos", o poeta, abusando de não usar verbos, parece apenas refletir sobre o ambiente, parece em estado de transe, sem saída, sem ação, apesar de que a verdade é o estado de reflexão sobre o mundo. Agora, em "Poemas do Subsolo", traz tudo isso à tona, mais verbos, mais ação, extrai deste subsolo urbano a sua contestação e expõe aos habitantes da urbe e insiste em fazer poesia, em construir o seu mundo em cima deste mundo de concreto.

domingo, 31 de julho de 2011

SELF - PROFESSOR WILSON

      O professor Wilson Roberto, membro da Academia Joseense de Letras, lançou o livro "Self" por ocasião do Festival da Mantiqueira deste ano. É um livro de poesia clássico, não quero dizer pertencente ao classicismo mas clássico no sentido do que o pensamento médio entende de um poeta e poesia: para a grande maioria das pessoas, o poeta é aquele indivíduo usa muito o lirismo, o eu lírico, e que escreve difícil, usa versos muitas vezes rebuscados (como o Wilson mesmo diz em que "uso sinéreses, diéreses, hiatos e elisões numa forma que pode ser criticada por alguns metrificadores mais arraigados à tradição, nos quais, por vezes, procurei impor a cadência que desejei e, por outras, fui conservador..."). Neste livro, Wilson foi conservador o tempo todo pois não ousou no formato e nos temas, ateve-se a um formato ora moderno, ora romântico, ora clássico, em suas sinéreses (transformação de um hiato em ditongo), diéreses (o contrário, o ditongo vira hiato), suas elisões (elidir é suprimir, retirar letras de uma palavra).
      Ele foi romântico em excesso ao longo do livro ao tratar da Morte, tema preferido dos românticos do século dezenove, começa no primeiro poema e vem ao longo de todo o livro, a primeira estrofe do primeiro poema é um resumo do livro, ao ler:
      "Inconteste fim de minha carne que,
       de inevitável, te tornaste esperada.
       Cessar aterrorizante das sensações,
       serás por mim esquecida
       no momento de teu toque."
       é rebuscado, romântico e clássico, muitas vezes até parnasiano, só não é 100% tudo isso porque os seus versos têm métricas variadas e assim vai ao longo do livro. Não posso negar, dentro deste raciocínio, que o livro é muito bem escrito mas achei que houve, em alguns momentos, uma ou outra deslizada, por exemplo em um verso de "Sonetos de Bagdá" em que escreve no segundo soneto:
      "se batalho do modo certo ou do errado;
      se tornei-me herói, mártir ou simples tarado."
      ainda que a expressão tenha sentido no poema, é estranho lê-la, ou no terceiro soneto, uma interessante e rebuscada figura de dar inveja:
      "mas os ígneos plúmbeos pirilampos ateus"
     compreendo que ele se referia às balas de um revólver no poema, é bonito, mas é rebuscado demais.
     Então, ao longo do livro, vamos lendo uma constante luta interior entre a Vida e a Morte, a Ciência e a Religião, a Dor e a Saudade, onde não consegui entender se ele é contra ou a favor da fé, se quer a morte ou se quer a vida, se está feliz ou triste, sempre nesta falta de definição, como se fosse um luta interna.
      Outro tema que me chamou a atenção é a palavra "puta", bastante utilizada pelo poeta ao longo do livro, não sei se era necessário tanto uso do palavrão, e notei que poucas vezes ele falou das mulheres de outra maneira nos seus poemas, procurei algum que enaltecesse a mulher de outra forma e não encontrei, falha do poeta nestes tempos politicamente corretos ou vontade de ir contra estes tempos? Não sei. A entender ainda este aspecto.
      Talvez com o fim de mostrar seu conhecimento literário, inegavelmente vasto e diverso, Wilson colocou muitos poemas no livro como as livres adaptações do poema "O Corvo" de Edgar Alan Poe e outro poema de Luis de Góngora y Archote de 1602, além de uma curiosa "Canção do Martírio" parodiando a Canção do Exílio, como a querer mostrar todas as suas qualidades poéticas, deste jeito o livro, como um todo, deixou a desejar por não ter um foco. O foco foi a quantidade e não a seleção, no geral, evitou a experimentação, escrevendo versos com pouca inovação na forma e no uso da palavra, mesmo em alguns momentos em que ousou um pouco mais, não conseguiu atingir um poema que debatesse com vigor o mundo atual, a relação do homem com o consumismo, com a violência, ou que leve a uma reflexão maior do mundo urbano em que vivemos.
            Apesar da quantidade de poemas, faltaram emoções mais fortes, debate, discussão, tomar partido de algo com profundeza. Ficou mais no debate sobre a morte e a religião. O que não deixa de ser um reflexo, neste ponto, da sociedade moderna em que a religião ganha cada vez mais força, não que Wilson tome partido da religião, mas coloca este debate quando se confronta com a Morte, afinal, é do confronto com a morte tão inexplicável quanto certa que a religião tenta dar sentido à vida humana.
         Os poemas com linguajar caipira podem ser considerados valeparaibanos, mas acho que seria caricaturizar o caipira valeparaibano. Apesar de que em "Soneto Caipira" (o uso do soneto, forma clássica) ele lembra da tristeza do caipira com as mazelas do progresso industrial, carrega uma das características do Arcadismo, em que o homem devia fugir da urbanidade e se voltar ao agrário e pastoril. Acredito que o Vale do Paraíba é uma região complexa e que a figura do "caipira", quase extinta, não representa o atual momento da região, muito urbanizada, industrial e violenta.
      Em "Civitano de La Mondo", Wilson resolve fazer a demonstração de que o cidadão de São José dos Campos é um cidadão do mundo, ficou interessante mas sinto ausência de algo mais forte no poema.
      Ficou a sensação de que li uma aula de história da poesia, em que passeei por diversas escolas literárias, mas o poeta ficou devendo o experimentalismo e a inovação no fazer poético.
      Houve esta experimentação nos Nanocontos mas, ainda neste campo (talvez minhas observações estejam influenciadas pelo que li da poesia), o poeta precisaria ler os autores de vanguarda nesta área, aliás, poderia ler seu xará, Wilson Gorj, autor que já comentei neste blog, que faz o microconto com maestria.
      Resumindo, o uso de formas mais clássicas, do lirismo, da preocupação com vida e morte, transformaram o livro em poético mas não ousado ou experimental, não foi um livro inovador do fazer poético. faltou esta ousadia.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

NO RELÓGIO DA COLINA

     No Relógio da Colina é um livro bem escrito, uma história articulada sem dar grandes sustos no leitor, em que o autor ainda reserva uma grande surpresa no último capítulo com a intenção de fechar a história com chave de ouro. Para mim, soou como um romance turístico, ou um policial incompleto.
     Tem todos os ingredientes perfeitos para um romance adolescente, há o bom moço, ou príncipe encantado, aquele cara capaz de resolver problemas fantásticos, sobe rapidamente na vida.
     Há a mocinha linda, branca, cabelos pretos e olhos claros, maravilhosa que, no momento em que o mocinho a conhece ele sabe que é a paixão da vida dele, é amor à primeira vista. É recíproco para ela.
     Aí passamos para o romance turístico, o autor descreve os dois passando bons momentos juntos em Graz e Viena.

    Depois, vem a parte mais misteriosa, em pouco tempo, questão de horas, o mocinho descobre toda a trama, passa de uma desconfiança para a certeza e a explicação do mistério num clique, como se tudo fosse muito fácil de se conseguir, bastam alguns telefonemas, umas consultas pela internet e pronto, o mistério foi resolvido. E ele é capaz de acusar com todas as provas um dos mais importantes diretores da empresa multinacional.
     Fora isso, algumas partes soam muito inverossíveis como o momento em que o amigo advogado consegue a foto necessária para provar a sabotagem em um carro. O mocinho liga às 18:30 de sexta-feira para o Brasil, com quatro horas a menos, então, às 14:30 no Brasil, para o advogado descobrir onde está o carro acidentado e se ele foi sabotado. E o advogado, que não tem nada para fazer, lógico, não trabalha, estava lá só para isso, em São Paulo, sexta-feira à tarde, não tem trânsito e nem gente mal humorada, aí ele descobre o processo, o fórum, o laudo, o carro e consegue tirar fotos da sabotagem até sábado, seis horas da manhã. É demais. Outra parte é o momento em que a mocinha consegue, com alguns telefonemas, os relatórios de despesas de dois anos da multinacional toda em apenas algumas horas, consegue analisar e descobrir o culpado de pagamentos fantasmas! É uma dupla dinâmica, se os dois trabalhassem para a polícia federal, acabavam com os crimes no Brasil em seis meses.
      Os personagens principais são tão certinhos e tudo acontece tão bem que eu fico pensando como é que tem gente com ideia de fazer maldade neste mundo, porque vai se dar mal. O mocinho não tem nenhum conflito de consciência, apenas a certeza de que ele deve fazer tudo daquele jeito, que é o jeito certo, claro.
      Apesar destes detalhes, o livro funciona muito bem como uma aventura adolescente, um romance rápido para se ler sem entrar em temas duros e cruéis, há um vilão escondido o tempo todo que se revela só no final, em que o mocinho não precisa explicar nada para a polícia, tudo está ali fácil e entendido.
       Então o livro fica só como aventura mesmo. Não é uma literatura profunda e nem reflexiva sobre o mundo industrial e capitalista. É só aventura. Acredito até que esta foi a proposta mesmo do autor, escrever um livro de aventura, apenas isso.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

A Minhoca ou o Chocolate? Que o galo decida.

     Como eu já afirmei aqui antes, eu sou apenas um leitor interessado em poesia, querendo compreender e registrar de alguma maneira este momento poético porque passa nosso Vale do Paraíba e demorou um pouco para eu entender o livro "Minhoca de Chocolate" do músico e poeta Léo Mandi. Foi uma leitura difícil porque seu estilo causou-me estranheza, a começar do título: "Minhoca de Chocolate". Confesso que as expressões utilizadas pelo autor são incomuns, muitas vezes beirando visões oníricas, lembrando-me de poetas que fizeram uso substâncias químicas para obter resultados novos e diferentes na poesia, acredito que não é este o caso deste autor, mas sua escrita foi incômoda. Não é fácil entender poemas como:

    "Berro Mergulho"

O vê de luz nas mãos
As borboletas laranjas astrais
As pedras
Magnéticas do poder do chão
A dupla de urubus nas rádios das matas
O berro mergulho na água de húmus
Somos seres Sol Vagens


     Aos poucos, fui compreendendo que Léo Mandi não escreve somente e exatamente um poema, porque poesia exige significados diferentes, várias interpretações para a mesma palavra dentro do poema e o uso de
 figuras de linguagem. A linguagem de Léo Mandi é feita como se fosse uma prosa, uma crônica que, apesar de estar elaborada na página em forma de versos, nem sempre deve ser lido como poesia. Muitas vezes é uma crônica poética, uma prosa poética, como, por exemplo:

      "Churrasco de Carrasco"

O isqueiro
substituiu o palito de fósforo
é um empresário fora de forma
na minha mão
Precisa ter a cabeça
rodada para trás
para cuspir o fogo
O calo do meu dedo
roça com força
a cabeça do empresário
o empresário havia
contratado um homem forte
que era uma árvore brutal
e produzia peças raras
Até que o homem contratado
se tornou um palito de fósforo
E, o empresário o queimou
Eu peguei o empresário
emprestado
para comprar alcool
e acender meu carvão

     Para mim, o poema acima é uma prosa, uma crônica, que ficaria melhor se fosse escrita como tal, e ficaria:

      "O isqueiro substituiu o palito de fósforo, é um empresário fora de forma na minha mão. Precisa ter a cabeça rodada para trás para cuspir o fogo. O calo do meu dedo roça com força a cabeça do empresário.
      O empresário havia contratado um homem forte que era uma árvore brutal e produzia peças raras. Até que o homem contratado se tornou um palito de fósforo e o empresário o queimou. Eu peguei o empresário emprestado para comprar alcool e acender meu carvão".

    Aí vemos outra característica que é a de simplesmente relacionar um objeto com uma história, neste caso foi o isqueiro, mas ele fez o mesmo com folha de papel, árvore, porta, dobradiça e outros.

     Podemos ver também muita referência a elementos da natureza e ao sexo em seus poemas, levando-nos a um ambiente mais primitivo, contrapondo-se ao ambiente urbano, conflitando com a metrópole. No geral, não pude entendê-lo como um livro de poesia, é um livro poético, mas não é de poesia em sua totalidade. Isso não quer dizer que não haja poesia, em alguns momentos, temos bons poemas:

"Não arraste"

Não quero seu resto
Atropelando meu rastro
De cometa
Você não é a única coisa
Que me resta.

ou o

Pai
Pai
Pai
Pai
Pai
Sagem

     Em que parece que ele está batendo (Pá, pá, pá) na cabeça do pai para ver se o pai tira a cara de paisagem que faz para o filho, um poema interessante e bom que se aproxima da poesia concreta que o poeta Moraes faz, sem verbos mas com ação visível.
ou ainda:

Poros Pulsa

Sou o pulso
Que perfura
Não o poço
Perfurado

     Este poema acima é a intenção do poeta de perfurar com a palavra e com o fazer artístico as noções pré concebidas que temos de poesia e poema, pois ele escreve mesmo de forma diferente, mas, apesar da estranheza que algumas frases me causaram, como por exemplo, nos poemas

      "Escrever"
      "Escrever com a pata/ do cão/ com o pelo do rabo/ Escrever sem saber o/ que é tinta/ Escrever sem pensar/ Igual a pele grudada / na pinta"

ou

      "Mijo Santo"
      "A água que cai da torneira/ e enche minha caneca/ Clara de alumínio/ é um mijo santo/ Vou passar o café/ daqui a pouco/ o mijo santo/ vai virar/ mijo preto/ com a minha/ fé",

o que me ficou mais marcado é a falta de preocupação com os versos, pois ele colocou todos os tipos e tamanhos de versos que quis, a falta de unidade do livro que tem uma temática diversa, a preocupação de causar estanheza, parecendo-me que foi mesmo proposital usar esta linguagem ("mijo santo", "mijo preto","a vagina é um barco", "pelo do rabo", "miolo de pau ardendo, torradeiras de bunda de inseto", "berro mergulho"). Tudo isso é um jeito que não estou acostumado a ler.
     No entanto, acredito que a manifestação deste livro é bastante interessante do ponto de vista do diferente. O formato dos versos, a falta de coesão e a temática fazem parte de uma visão da sociedade muito particular do autor, a mim é estranho mas, ao mesmo tempo, é fascinante tentar enxergar o que ele quer dizer, parece um quebra-cabeça, pode ser que ele queira mesmo dizer coisas que eu ainda não absorvi, pode ser que ele não queira dizer coisa com coisa, e que tudo seja proposital, ou não.
     Talvez Léo Mandi devesse ter, além desta preocupação de escrever diferente, também de trabalhar cada poema, retirando os excessos e as repetições de palavras de dentro do mesmo poema, como no exemplo acima, "Churrasco de Carrasco" em que usa a palavra "empresário" repetidas vezes. Isto aconteceu em outros poemas e poderia ser um objeto de mais dedicação do autor evitar esta repetição.
     O fato maior é que este livro incomoda, causa estranheza e nos tira das  palavras fáceis do nosso dia, causou-me desconforto.
      Mas este desconforto, esta estranheza, eu sei que é muito importante dentro do fazer poético da cidade pois esta voz dissonante pode gerar outras formas de música, até que venhamos a compreender melhor as mensagens que o autor externaliza e deseja passar.
      Eu ainda fui encontrar uma ligação dos galos do Léo Mandi com o galo de João Cabral de Melo Neto no poema "Tecendo a manhã" em que diz que "Um galo sozinho não tece a manhã: ele precisará sempre de outros galos", seja o garnizé, o carijó ou o índio, espero que o galo Mandi continue cantando para que os outros teçam a manhã.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

AQUI ESTÃO OS TIGRES

          Pablo Gonzalez lançou um livro intrigante e interessante chamado "Aqui estão os tigres".
          Trata da história de um desenhista que está com dois problemas urgentes, o primeiro junto às autoridades após um acidente de trânsito e o segundo é o término do romance com a sua ex-namorada. Todo o livro gira em torno destes problemas que parecem insolúveis para Valentino. Pensando mais a fundo, o problema maior do personagem não é resolver o assunto do acidente ou com a namorada, mas resolver a si mesmo quando é chamado à realidade (que se recusa a enfrentar) e ao convívio social, pois vive num mundo de fantasia e escapismo, com medo de entrar no mundo real, pois este lhe traz dor, medo e insegurança, sendo incapaz de assumir o seu amor por Celine.
          Vejo mais o livro dentro do embate entre o sonho e a fantasia e a realidade, de certa forma, um embate presente no mundo moderno em que as pessoas parecem mais e mais voltadas a fugir da realidade através de diversos meios, como as das drogas ou o computador, pois este apresenta uma realidade virtual mais interessante pois ausenta o indivíduo da dor.
          Pablo Gonzalez, escreve de forma incomum pois ele não utiliza os recursos clássicos dos romances, fugindo do esquema: "descrição do ambiente e do protagonista, fato que altera a história, resolução do problema", pois procura muito mais a análise psicanalítica do personagem, construindo um indivíduo ambíguo e inconstante, reflexo do mundo atual. No livro, ele deixa o problema sem solução, temos que depreender o ambiente e não conseguimos fazer uma idéia exata do protagonista. Confesso que é uma escrita que causa um desconforto inicial mas, nem por isso, deixa de ser interessante e renovadora.
          No primeiro momento ao usar a fala de um "fantasma" usa um artifício interessante para apresentar o personagem, tanto porque quem apresenta a questão não existe (é um fantasma), quanto porque uma questão importante é o medo que o protagonista tem de viver, e, por isso, busca um mundo de sonho que existe apenas nos seus desenhos (poderia ser no seu computador ou nas drogas, como já disse). Somado a isso, o fato de usar uma fala sem pontuação transforma este capítulo em uma experiência do leitor para dar o ritmo que ele desejar. Gostei deste recurso.
          Assim, Pablo vai lançando as questões para que nós as resolvamos, temos medo de viver neste mundo? Fugimos dele? Desejamos escapar através de alguma maneira que não precisemos sentir dor?
          Gostei do estilo da narrativa, é bem envolvente, bem escrito, os parágrafos são bem trabalhados, a construção das histórias que permeiam o livro são bem feitas, tanto que não consegui sossegar antes de terminar o livro todo. Gostei das várias situações. No decorrer da leitura, confesso que me perdi com elas e não conseguia mais distinguir o que era realidade e ficção na vida do Valentino, então, comecei a ler de outra maneira, sem me preocupar com a realidade proposta, a partir daí, a história começou a tratar do caminho da loucura em que o Valentino seguia e foi fluindo ainda mais  fácil quando comecei a entrar no jogo de situações, nas probabilidades impossíveis sem pensar qual era o sentido.
          Um momento do livro que me agradou demais e me fez sentir a qualidade do autor foi a fantasia do Valentino que troca de corpo com Celine e o livro começa a ser descrito pela visão de mundo da Celine, foi fantástico este momento e me deixou com a certeza de que temos um grande autor ao nosso lado. Só lendo o livro para compreender.
         De certa forma, a multiplicidade do pensamento do Valentino tem a ver com a multiplicidade de escolhas do mundo atual e este pareceu o maior conflito do personagem, diante de tantas escolhas e possibilidades para a própria história que o mundo atual oferece, qual caminho o personagem deveria tomar? Ao pensar em tantas escolhas, Valentino se perdia e se conduzia à loucura. Mesmo porque, ninguém no mundo quer fazer as escolhas erradas ou que lhe causem dor, mas precisamos fazer estas escolhas.
         Assim, Pablo Gonzalez tenta mergulhar na alma do personagem, decifrar esta quantidade de escolhas que ele tem para fazer, analogamente, podemos dizer que a vida do Valentino é como o mundo, cheio de escolhas, cheio de rumos, cheio de desejos, mas a questão é como escolhemos o caminho que vamos seguir? Qual é a escolha certa? Qual é a atitude correta?
          Recomendo o livro com a certeza de que Pablo Gonzalez faz parte de um seleto rol de excelentes autores do nosso Vale.