domingo, 25 de março de 2012

O QUARTO VAZIO

    Quando  Pablo Gonzalez lançou o seu primeiro romance: "O Quarto Vazio", em 2007, eu ainda não o conhecia. Vim conhecê-lo no ano de 2010 e já no seu segundo livro "Aqui estão os Tigres" que comentei aqui neste blog. Agora, ao ler o primeiro livro, sinto necessidade de voltar a este autor, tanto porque sei que está próximo do seu terceiro livro, quanto porque a sua qualidade literária merece mais destaque.
     Neste livro, ele demonstra o seu talento literário diferenciado, ao qual devemos dar muita atenção. Consegue construir um história interessante, que não tem uma ação fantástica e nem se parece com um filme de aventura, ao contrário, busca mais a reflexão nos pequenos atos de cada personagem e, principalmente, do protagonista, Álvaro, que é demitido da empresa por ser preguiçoso demais e passa a viver um tempo de fundo de garantia e seguro desemprego. É sobre este tempo ocioso que o protagonista tem que o autor construiu a sua história.
     Primeiro, devo destacar os momentos de Álvaro na empresa, seu discurso contra o trabalho, a sua fuga para um lugar que ele chamou de Limbo, onde havia vários empregados perdidos, depois sua demissão, a existência do leão de chácara que caça os funcionários vadios ou que causam problemas na empresa.
     Fica interessante como uma crítica ao sistema capitalista. Longe de ser contrário ao sistema, pois Pablo não se preocupa em apresentar uma alternativa, ele critica mais a transformação do homem em simples realizador de tarefas, ainda que intelectuais, mas que geram lucro e bem estar para alguém que não é o funcionário. Quando define um "limbo" para onde os funcionários são jogados, parece dizer que as pessoas de um modo geral são jogados neste limbo pelo sistema, passam a viver um momento de desimportância à empresa, apesar de continuarem a gerar o lucro com o trabalho, ao dizer que um leão de chácara o leva de volta ao seu local de trabalho, também coloca a opressão sentida pelo trabalhador e a atitude de Álvaro, a preguiça, acaba por ser um ato de revolta contra a empresa e contra o sistema capitalista.
     Mas o livro não é somente sobre isso. Vale mais sobre a atitude da pessoa em relação ao mundo, em relação às outras pessoas, ao sistema, a si mesmo. Não deixa de ser uma espécie de iniciação a uma discussão importante que Pablo Gonzalez faz da sociedade: qual é o papel de alguém no mundo de hoje?
     Álvaro, ao não resolver sua situação com a sua amada, seja por não saber como fazê-lo, seja por não sentir-se seguro, ou por deixar que as pessoas façam suas ações cotidianas sem impedi-las ou criticá-las, ao deixar que as coisas simplesmente aconteçam e por não interferir no mundo, acaba sendo um reflexo da impotência do indivíduo em relação ao sistema, e até de uma sociedade que muitas vezes deixa que as coisas aconteçam para depois fazer algo.
     Ao final do livro, percebi que ele representa as engrenagens de um sistema em cada personagem, representam formas de dominação ou de sujeição, como exemplo, posso tomar o caso de Otílio e Evelina, ela, com a sua beleza domina Otílio, que tem uma força enorme, ao contar o episódio de Otílio carregando a geladeira e dizer ao final: "Mas, oh, o peso que esse homem carrega", ele acaba por dizer não o peso da geladeira, mas o peso interno de ser apaixonado por uma mulher que não corresponde a paixão dele, o peso de uma vida que só tem sentido por alguém que não lhe dá valor.
     Outra curiosidade é utilizar muitos nomes clássicos: "Ártemis, Argos, Diana, o que representa mais do que a situação em que as personagens são apresentadas.
     Acabei por compreender que há uma ligação entre este primeiro livro e o segundo pois, enquanto neste, Pablo discute esta sociedade com uma variedade maior de personagens, mostrando-nos como funciona este sistema, em seu segundo livro, traz à tona esta discussão através de um único personagem que sofre todas as consequências deste sistema, que também tem suas dificuldades de sentir-se importante dentro deste mundo.
     Com isso, Pablo cria sua visão de mundo muito particular mas que tem profundidade e conhecimento, coloca-nos uma questão importante: qual é o papel do indivíduo neste sistema em que vivemos? O indivíduo é apenas trabalhador, gerador de lucro? É apenas consumidor, novamente,  gerador de lucro? Só tem utilidade enquanto parte de um sistema em que há dominação? Qual é a utilidade de um indivíduo ou não devemos falar em utilidade quanto falamos de pessoas?
     Questionamentos importantes no trabalho de Pablo Gonzalez, e é este o trabalho que o escritor tem de realizar: criar o seu mundo e questionar o mundo de todos com isso, ele está realizando muito bem isso e aguardo ansioso seu próximo livro.