terça-feira, 12 de agosto de 2014

VIRAVIDA DE ROSÂNGELA RIBEIRO

         Ler um livro de poemas é decifrar um novo universo contido dentro do poeta que o escreveu e o tornou público. É algo complexo que exige leituras e releituras, mas acho que já disse isso em algum momento. Muitas vezes eu não consigo chegar no âmago do universo proposto.
          Rosângela Ribeiro me deixou com a sensação de que há muito mais dentro de sua alma poética do que o que está contido em Viravida, profunda conhecedora das palavras e seus significados, ela traz muitos vocábulos que não encontramos no dia-a-dia e precisamos recorrer ao dicionário algumas vezes.
         Ela usa seu conhecimento para brincar ao mesmo tempo em que mergulha, seus poemas são curtos, mínimos, seus versos não tem métrica e nem utiliza rimas, ou estas são muito raras. A força de sua poesia está no significado de cada palavra, muitas vezes, é como se cada poema possuísse uma palavra única que o definisse e o resto girasse em torno dela.
          Falarei de alguns poemas para exemplificar o que compreendi.
          Começa o livro com o interessante "Indivíduo" do qual destaco que se veja a página do livro porque o trabalho gráfico faz parte dele ao mostrar o rosto da poetisa dividido em muitas partes. Obviamente, ela não fala de si mesma mas de todas as mulheres, em que usa o recurso do prefixo "in" separado da palavra original, como a afirmar que a mulher pode ser a qualidade proposta ou pode não ser, dependerá do momento. Perdoamos e damos a licença poética para os "enes" antes de "pês". Para mim, a magia do poema está no uso das palavras "interstício" e "insétil", palavras que, diferente de todas as outras do poema, não podem ser escritas com o prefixo "in" separado porque elas não tem este prefixo. Interstício, que é o intervalo entre dois momentos onde a mulher pode ser ou não ser, e insétil que significa indivisível e resume tudo. Indivisível tem o prefixo "in" mas ela quis insétil para mostrar que a mulher, dependendo do momento, pode ser muitas mas ela nunca poderá ser dividida, ela é única, cada uma é única em todas as suas possibilidades.
          Outro poema interessante é "Mulheragem", com o uso da palavra "florífago", que significa "aquele que se alimenta de flores", no poema, a mulher faz parte da mãe-terra e por isso alimenta o sonhador, o homem, que é o que se alimenta destas flores-mulheres.
          A poetisa utiliza bastante o conflito de opostos para fazer a sua poesia, vemos o jogo de "noite-dia" em "Meato", retornando ao primeiro poema, do "ser" e "não ser", e, ao longo do livro, encontramos outros exemplos como "silêncio-canção"; "esconder-revelar"; "Tino e Desatino", "vida-morte", e outro poema interessante que é "Inviso", onde ela inova e vem com "inviso-invite-inflija-insurja" e vou deixar para vocês o lerem e encontrar nele mais do que dicotomias, e que me leva a crer que não é apenas a questão de conflito, não é só preocupação com o ser e não ser mas, principalmente, com a natureza das coisas, das pessoas e da vida.
          Também achei muito bom o poema "Palavra" em que as palavras escritas na vertical e de cima para baixo, parecem escorrer pelo papel. Neste poema, o uso da palavra "palavra" escrita logo abaixo e com ligeira angulação, acaba, graficamente, dando suporte para o poema. É um poema para ser lido e visto, a palavra dando suporte a tudo.
          É isso, Rosângela Ribeiro fez um bom livro, combinado e amparado pelo belo trabalho gráfico e estético de João Manccini, e deixo para vocês um poema que não compreendi totalmente:

Âncora

Mar icônico
Náufrago homem
Eido rotativo

         Ele parece dizer muito mais do que estas seis palavras significam, tem o conflito da poetisa "Mar-Eido". Tenho minhas teorias mas gostaria que os leitores me auxiliassem nesta interpretação e lessem o livro para compreender tudo isso e entrar neste mundo.