sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

AQUI ESTÃO OS TIGRES

          Pablo Gonzalez lançou um livro intrigante e interessante chamado "Aqui estão os tigres".
          Trata da história de um desenhista que está com dois problemas urgentes, o primeiro junto às autoridades após um acidente de trânsito e o segundo é o término do romance com a sua ex-namorada. Todo o livro gira em torno destes problemas que parecem insolúveis para Valentino. Pensando mais a fundo, o problema maior do personagem não é resolver o assunto do acidente ou com a namorada, mas resolver a si mesmo quando é chamado à realidade (que se recusa a enfrentar) e ao convívio social, pois vive num mundo de fantasia e escapismo, com medo de entrar no mundo real, pois este lhe traz dor, medo e insegurança, sendo incapaz de assumir o seu amor por Celine.
          Vejo mais o livro dentro do embate entre o sonho e a fantasia e a realidade, de certa forma, um embate presente no mundo moderno em que as pessoas parecem mais e mais voltadas a fugir da realidade através de diversos meios, como as das drogas ou o computador, pois este apresenta uma realidade virtual mais interessante pois ausenta o indivíduo da dor.
          Pablo Gonzalez, escreve de forma incomum pois ele não utiliza os recursos clássicos dos romances, fugindo do esquema: "descrição do ambiente e do protagonista, fato que altera a história, resolução do problema", pois procura muito mais a análise psicanalítica do personagem, construindo um indivíduo ambíguo e inconstante, reflexo do mundo atual. No livro, ele deixa o problema sem solução, temos que depreender o ambiente e não conseguimos fazer uma idéia exata do protagonista. Confesso que é uma escrita que causa um desconforto inicial mas, nem por isso, deixa de ser interessante e renovadora.
          No primeiro momento ao usar a fala de um "fantasma" usa um artifício interessante para apresentar o personagem, tanto porque quem apresenta a questão não existe (é um fantasma), quanto porque uma questão importante é o medo que o protagonista tem de viver, e, por isso, busca um mundo de sonho que existe apenas nos seus desenhos (poderia ser no seu computador ou nas drogas, como já disse). Somado a isso, o fato de usar uma fala sem pontuação transforma este capítulo em uma experiência do leitor para dar o ritmo que ele desejar. Gostei deste recurso.
          Assim, Pablo vai lançando as questões para que nós as resolvamos, temos medo de viver neste mundo? Fugimos dele? Desejamos escapar através de alguma maneira que não precisemos sentir dor?
          Gostei do estilo da narrativa, é bem envolvente, bem escrito, os parágrafos são bem trabalhados, a construção das histórias que permeiam o livro são bem feitas, tanto que não consegui sossegar antes de terminar o livro todo. Gostei das várias situações. No decorrer da leitura, confesso que me perdi com elas e não conseguia mais distinguir o que era realidade e ficção na vida do Valentino, então, comecei a ler de outra maneira, sem me preocupar com a realidade proposta, a partir daí, a história começou a tratar do caminho da loucura em que o Valentino seguia e foi fluindo ainda mais  fácil quando comecei a entrar no jogo de situações, nas probabilidades impossíveis sem pensar qual era o sentido.
          Um momento do livro que me agradou demais e me fez sentir a qualidade do autor foi a fantasia do Valentino que troca de corpo com Celine e o livro começa a ser descrito pela visão de mundo da Celine, foi fantástico este momento e me deixou com a certeza de que temos um grande autor ao nosso lado. Só lendo o livro para compreender.
         De certa forma, a multiplicidade do pensamento do Valentino tem a ver com a multiplicidade de escolhas do mundo atual e este pareceu o maior conflito do personagem, diante de tantas escolhas e possibilidades para a própria história que o mundo atual oferece, qual caminho o personagem deveria tomar? Ao pensar em tantas escolhas, Valentino se perdia e se conduzia à loucura. Mesmo porque, ninguém no mundo quer fazer as escolhas erradas ou que lhe causem dor, mas precisamos fazer estas escolhas.
         Assim, Pablo Gonzalez tenta mergulhar na alma do personagem, decifrar esta quantidade de escolhas que ele tem para fazer, analogamente, podemos dizer que a vida do Valentino é como o mundo, cheio de escolhas, cheio de rumos, cheio de desejos, mas a questão é como escolhemos o caminho que vamos seguir? Qual é a escolha certa? Qual é a atitude correta?
          Recomendo o livro com a certeza de que Pablo Gonzalez faz parte de um seleto rol de excelentes autores do nosso Vale.