quinta-feira, 1 de setembro de 2016

O PRETÉRITO DAS HORAS DE JORGE PESSOTO

        
             Na medida em que eu avançei na leitura do livro, senti-me um arqueólogo, pois saí do século vinte e um e entrei por um túnel do tempo no fim do século dezenove e início do século vinte, onde percorri as ruas de uma pequena cidade perdida do Vale do Paraíba (poderia ser São José dos Campos antes da industrialização), senti o seu ritmo de vida, entrei nas suas casas onde encontrei o interior intacto, da mesma forma que fora deixado pelos habitantes, que, aparentemente, a teriam abandonado. Então, vi o baú e o abri, também fiz o mesmo com as gavetas. Encontrei os pequenos objetos e os pensamentos sobre a vida que fora ali vivida.


       Os aspectos preponderantes do livro são a saudade, o tédio, a passagem do tempo, o passado. Neste sentido, a leitura do livro é bastante interessante mas demanda tempo e reflexão, primeiro porque os poemas são longos, de versos longos, dando um ritmo lento ao livro, segundo, porque é preciso pensar em cada cena que se vai projetando do livro para a cabeça. Este tempo mais lento de leitura remete ao mesmo momento temporal em que encontrei esta vila, em que a vida tinha este ritmo mais lento. Desta forma, os poemas são reflexo do tema proposto no livro e isso fez dele uma obra bastante coesa.


        Fiquei intrigado. Haverá outros livros em que o tempo será trazido para o presente e o ritmo dos poemas também será mais acelerado? Não sei nem se é a intenção do poeta fazer um outro livro neste sentido mas fica a ideia de um livro de São José dos Campos industrializada, onde o ritmo dos seus habitantes é acelerado e, praticamente, nem tem mais tempo para sentir o tédio das catorze horas, tão insistentemente vivo no livro.



       No entanto, como não fiz a leitura toda de uma só vez, pois tenho o costume de ler alguns poemas num dia, depois outros no outro dia e assim por diante, muitas vezes tive a sensação de já ter lido o poema e, algumas vezes, pareceu-me que li o mesmo poema com as palavras em ordem trocada. Ou seja, senti algumas vezes que havia um excesso de repetição no tema e nas palavras utilizadas, Cortar alguns poemas do livro teria trazido benefício para o leitor.



         Algumas palavras que se repetiram e foram mais marcantes foram "saudade", "cidadela" e "tédio". Em um poema, li a palavra "cidadela" duas vezes, não que isso seja ruim ou bom, apenas percebi que esta figura, esta metáfora é importante para o poeta, fiquei pensando e fica a pergunta: Qual é a questão da cidadela? Por quê cidadela? Porque, para mim, cidadela tem outro significado, conforme o dicionário:  fortaleza situada em lugar estratégico, que domina e protege uma cidade. Isso me confundiu porque penso que o poeta queria dizer cidade pequena ou talvez uma cidade perdida, mas na minha cabeça cidadela tem sentido militar. No livro, pode até ter o sentido de um local de resistência ao mundo caótico que vivemos atualmente.


       O Vale do Paraíba é um tema importante para o autor. Há o questionamento do que foi o Vale, do que é hoje e, dentro deste tema, o autor reflete se teria este vale uma alma própria vinda de seu passado e se isto nos quer dizer alguma coisa. Teria uma forma de ver e viver o mundo típica e característica do Vale do Paraíba, única, distinta de todas as outras formas de ver e viver o mundo? Um jeito perdido no tempo em algum momento? Para ilustrar, trouxe este trecho do poema A Espera.

Trecho do poema: A Espera



         Outra questão que trago é da distância que os poemas tem da vida atual da sociedade. Foi proposital, creio, escrever o livro desta forma, como contraponto ao ritmo da sociedade que mau tem tempo para o tédio ou para o ócio. Mas só o poeta pode esclarecer melhor as suas intenções ao propor o livro.

          



Trecho final de Exílio (Banhado)
Sobre a questão do tempo passado e do tempo presente, do progresso que chega para alterar a forma de viver, temos este belíssimo trecho do poema Exílio (Banhado): 
Este poema é também um bom exemplo do ritmo da poesia de Jorge Pessoto, é possível sentir a lentidão do tempo até o momento em que o progresso chega e industrializa a cidade, transforma aquele mundo anterior, traduzindo bem o sentimento do poeta em relação a esta questão da perda de um jeito de viver único. E, quando percebemos, tudo foi perdido, e o passado é um estorvo no mundo atual feito somente de presente.