sábado, 29 de outubro de 2011

O CIENTISTA E A POETA

                Mírian Menezes de Oliveira lançou recentemente o livro "O  Cientista e a Poeta", cujo exemplar impresso trouxe novidades no formato e manteve formas poéticas conhecidas. Explico: o livro foi impresso de forma a ser lido na horizontal das páginas e não na vertical igual a todo livro. Além disso, foi escrito em letra cursiva e vem recheado de desenhos curiosos.
          Segundo a autora o livro nasceu após um estudo sobre transdiciplinaridade que a entusiasmou. Ela já possuía uma alma de poeta e ao mesmo tempo de cientista, daí o título. Voltando ao assunto, após estes estudos, ela colocou-se a escrever porque os assuntos vinham e precisavam transferir-se ao papel.
          Sendo esta a primeira experiência poética, acredito que a Mirian antecipou-se demais ao tempo do poeta, pois a poesia exige um cuidado diferente. Transcrever os sentimentos é somente a primeira parte do trabalho poético, isto ela fez bem. Há tantas outras coisas envolvidas num trabalho de poesia além da simples transcrição dos sentimentos, sensações e observações sobre o mundo.
          O livro vale por esta explosão de sentimentos e pela necessidade de expressão que todos temos. Infelizmente, ainda está longe de um trabalho poético verdadeiro, que deve levar em conta algo mais.
          Assim temos poemas longos, com frases compridas, discutindo temas, expondo as ideias da autora como logo no início do livro com "Teorema Poético-Científico" em que lemos:
"a partir de agora, o cientista e a poeta
 (poetisa é muito açucarado) se
 fundirão no caldeirão da existência".
        Vemos que a forma colocada para os versos é uma afirmação, faltando-lhe os elementos poéticos como as figuras de linguagem, metáforas, dissimulações, ausências, dubiedade de significados. Outro exemplo está em "Poema da Relatividade" em que ela escreve:
A grama vista da janela
Quando bate o vento,
 não é grama...
 É mar!
         Ou seja, ela já conta tudo, tira o sabor da imaginação, dos diversos rumos e significados que uma palavra atinge. Faz uma poesia com poucas figuras de linguagem, poucas variações e sem uma dor. Uma poesia bastante contemplativa. Apesar disso, consegue ao longo livro, iniciar-se numa crítica social percebendo a redução do homem a objetos e coisas produzida pelo sistema econômico-social vigente.
        Acredito que ela deve aprimorar-se ao longo dos anos ao pensar o trabalho poético com muito mais variáveis. O trabalho poético na sua essência é a expressão do sentimento do ser humano em relação ao meio em que ele vive, sendo assim, a poesia deve considerar os sentimentos mais vitais em primeiro lugar, depois, o meio da vivência do poeta, em seguida, as contradições, figuras de linguagem, crítica, e sem esquecer que é necessário ver, ler, analisar o trabalho que os pares poéticos fazem para poder compreender o momento artistíco atual.
        Sendo assim, apesar de eu não gostar de repetições para marcar definições num poema, fico com o seguinte poema, como um dos mais significativos:

                           HOMEM-RÓTULO OU LOGO-HOMEM

                           Homem-rótulo
                           Homem-síntese
                           Homem-marca
                           Logo-homem

                           Homem predestinado
                           Homem etiquetado
                           Homem resumido
                           Logo-homem
                           com tarja preta
                           ou vermelha.

        O mais interessante é pensar que este poema ficaria muito mais forte se fosse menor, numa livre adaptação e sem querer modificar o estilo poético, a autora poderia cortar o poema, aproveitar apenas a essência das palavras e escrever:

        Logo-homem
        Homem-rótulo
        Com tarja preta
        Ou vermelha.

        Pois assim já diria tudo o que ela queria, a transformação das pessoas em coisas com muitos rótulos, marcas, logotipos, ao mesmo tempo que não percebem o perigo deste vício, em que faz alusão às tarjas pretas e vermelhas das embalagens de remédios que podem viciar. Em poucas palavras vem muita coisa à mente, deixando o leitor interpretar à sua maneira, dentro da sua experiência.
         Espero mais de Mírian Menezes e acredito que ela tem este potencial. Aguardaremos.
 

sábado, 22 de outubro de 2011

PREFÁCIO DE POEMAS DO SUBSOLO

       Em 20 de Outubro de 2011, José Moraes lançou sem livro mais recente "POEMAS DO SUBSOLO", prefaciado por Fernando Scarpel. Segue o prefácio do livro.

             POEMAS DO SUBSOLO dá continuidade ao excelente trabalho que o poeta Moraes desenvolve desde FRAGMENTOS URBANOS, seguido de POEMAS RAREFEITOS, mas, para compreendermos e entendermos a complexidade deste trabalho temos de colocar em mente a dimensão do ser humano diante de uma cidade devoradora de costumes, tradições, sentimentos, meio ambiente. Precisamos considerar a relação da cidade de São José dos Campos com o homem José Moraes Barbosa que enxerga como o excesso do concreto sobre o ser humano, o concreto que esmaga e destrói mais do que constrói coisas belas (lembrando até Caetano Veloso). Esta é a poesia por trás dos poemas de Moraes. Ele vê a cidade se transformando e esmagando seus habitantes, destruindo a alma humana; como exemplo temos

O CONCRETO É RETO
CURVO ÁRIDO ERETO
INQUIETO AQUIETA

Vemos que, além de falar da característica física e visual do Concreto (Reto, árido, ereto), também lhe dá dimensão de falta de sentimento (árido) e indiferença (ereto), apesar disso, mostra que não para (inquieto), mas, quando diz inquieto, ao mesmo tempo, quer dizer que ele representa a sociedade que insiste em erguê-lo, em continuar transformando a cidade em concreto e, quando diz aquieta, não quer dizer que ele para, mas que ele sufoca o ser humano dentro dele, aquieta o ser humano, aquieta o homem que, ao habitá-lo obriga-se a aceitá-lo.

Em "Interstício", outro excelente poema deste livro, enxergamos outra relação importantíssima do trabalho deste poeta que é a visualização do seu poema, a poesia do concreto visualizada num poema concreto, vem-me à mente a imagem do bairro joseense Jardim Aquarius quando estamos observando-o do alto da Vila Betânia, mais exatamente quando o visualizamos vindo de carro pelo Anel Viário, sentido centro-bairro e vemos aquele amontoado de prédios, com suas janelas surgindo como se fossem uma cadeia de montanhas, mas é acúmulo de concreto, lindamente traduzido neste poema, tanto na sua forma visual quanto na sua forma textual.

Esta relação entranhada do homem com a cidade, do homem com  o mundo é a poesia concreta de Moraes, que denuncia as prostitutas de rua, os menores abandonados, os relacionamentos efêmeros criados no mundo moderno e suas novas tecnologias que, a pretexto de libertar, prendem ainda mais o ser humano dentro de um ambiente virtual e irreal.

Mas este aspecto não é o único que devemos destacar na poesia de José Moraes, há de se notar a sua relação com a palavra como modificadora de pensamento, a palavra em seus aspectos visuais, na letra original deste poeta podemos perceber mais claramente o aspecto visual. Fora que as quebras que ele propõe também fazem parte de sua poesia, uma parte da palavra em uma linha, outra na linha de baixo, obriga-nos a ler o poema de maneiras diferentes, como uma frase única, como frases diversas, com cada palavra separadamente com seu significado que, juntas, tem outro. O que me remete a uma pequena diferença deste livro para os anteriores, neste ele volta a utilizar mais verbos em sua poesia, a dar mais ação, o que me traz o seguinte aspecto desta, se assim podemos dizer, trilogia poética que se forma entre "Fragmentos Urbanos", "Poemas Rarefeitos" e "Poemas do Subsolo".

Em "Fragmentos Urbanos" vemos o poeta tentando compreender a cidade onde existe, juntando suas faces e personagens, em "Poemas Rarefeitos", o poeta, abusando de não usar verbos, parece apenas refletir sobre o ambiente, parece em estado de transe, sem saída, sem ação, apesar de que a verdade é o estado de reflexão sobre o mundo. Agora, em "Poemas do Subsolo", traz tudo isso à tona, mais verbos, mais ação, extrai deste subsolo urbano a sua contestação e expõe aos habitantes da urbe e insiste em fazer poesia, em construir o seu mundo em cima deste mundo de concreto.