terça-feira, 23 de março de 2010

Rogério Rodrigues e a voz do subúrbio

            Rogério Rodrigues é um escritor joseense que lançou em março de 2010 o livro "Contos e Descrenças" em que narra alguns episódios de sua vida em forma de ficção e também se arrisca na poesia. Se levássemos em conta a sequência narrativa de suas histórias, talvez não déssemos o devido valor ao seu talento, pois ele comete erros diversos em língua portuguesa e, muitas vezes, torna difícil a concatenação das frases, precisei em alguns casos de uma releitura apurada para compreender o sentido de algumas expressões por ele utilizadas.

          No entanto, apesar de ser uma dificuldade do escritor, mostrando bem sua origem humilde de família trabalhadora, moradora da periferia de São José dos Campos, dez irmãos, pai assalariado. Sua forma de escrever pode levar alguns a desqualificá-lo, talvez dizer que ele não tem o "glamour" de escrever difícil. O que não deixa de ser verdade, ele não tem uma escrita de palavras difíceis, até porque compreendo que ele não teve a quantidade e qualidade necessária de estudo, considerando que é formado na escola pública.
             Rogério não tem vergonha de sua origem humilde e, analisando o seu texto, comecei a compreender que isto, de certa forma, traz a palavra para perto do linguajar utilizado pelo público urbano da periferia, as estruturas do texto são as mesmas da estrutura de pensamento do povo. Por exemplo, quando escreve (pag 11 em "Os Grandes Vilões"):
         "Minha ideia, apesar de estar somente na mente, era pagar um açaí bem geladinho para nós. Mas algo logo veio a mudar meus planos".
          Um outro escritor diria algo mais simplificado como "Minha ideia era pagar um açaí bem geladinho para nós". Não usaria a expressão "apesar de estar somente na mente" pois, deduz que uma ideia está somente na mente. Mas esta é uma forma corriqueira em Rogério Rodrigues, logo em seguida do mesmo texto, ele usa outra frase:
           "Meu irmão a fim de não acabar com o bom humor que estava entre nós, tirou o cavalinho da chuva... Eu já inocente de que aquele gasto viria de meu bolso...".
            Ou (página 7, em "O fantástico mundo de Jaspion"):
           "Com a rotina de folga" em vez de "Com a folga na rotina", "levantei-me às 10 horas sobre o silêncio" em vez de "em silêncio", "a poucos passos  pegando-me uma caneca".
            (Página 57, em "Eternamente Ilza")
            "O dia continuava a prosseguir. As horas se passavam. Dali a algumas horas, meu expediente viria a se encerrar. Com as horas se passando...", aqui, achei interessante a repetição da mesma frase, pareceu-me que o autor queria mostrar a demora do tempo em passar, mesmo utilizando "continuava a prosseguir", que é redundante.
            Todas estas expressões são usadas frequentemente pelo povo na rua, que reforçam, redundam, esquecem, não compreendem o sentido correto das palavras, isto, Rogério traz para o livro.
            A escrita deste autor com estas expressões mostra outra forma de usar as palavras em linguagem coloquial, transcritas para a linguagem escrita tal qual são utilizadas naquela forma, mostrando a diferença de estrutura de pensamento entre a linguagem coloquial suburbana para a culta.
           Mesmo assim, não devo considerar a escrita coloquial do texto de Rogério como algo incorreto pois é a forma verbal usada pelo povo em seu cotidiano. Mas ressalto que é necessário que o escritor consiga compreender a necessidade de domar este seu jeito coloquial para que os textos sejam mais concisos.
            Em relação aos textos, apesar de utilizar o termo Contos no título, vemos que é uma miscelânea, há crônicas do cotidiano, contos, poemas que mais se aproximam da prosa. De todos, o melhor e mais verdadeiro conto é "A Mal Amada", além de ser divertido, conta com um bom final. Aliás, o humor é uma característica interessante no autor, que ele utiliza em outras histórias.
            Na poesia, Rogério ainda é iniciante, estágio mais de desabafo do que de poética. Poesia necessita de figuras de linguagem ricas e instigantes, e, considerando que, para isso, é necessário muita leitura, observação e estudo, vemos que ainda falta isso nele.
            Tudo isso não tira as qualidades que encontrei neste escritor que são o dinamismo dos textos, o corte das frases que lembra, muitas vezes, a trechos de poesia em prosa, o ritmo de leitura muito bom que ele consegue impor e a inserção da linguagem coloquial na literatura.
            Além de tudo isso, tenho de destacar a garra deste autor em fazer a literatura. Rogério, em seu jeito simples, está fazendo bem o que muitos autores não conseguem fazer: está dando voz ao subúrbio, à sua gente simples e trabalhadora, que tem suas fantasias, seus desejos, seus problemas como toda gente tem. E um caminho para ele é inserir esta voz do subúrbio em um texto mais literário.
             Outros autores, de origem mais abastada, escrevem de forma culta muito bem, ao falar das pessoas do povo, idealizam e transformam o texto para o mais próximo possível do que seria esta voz, mas Rogério vive esta voz, percebe-se a diferença na estrutura do pensamento e do texto. E creio que este é o caminho que ele deve ter em mente: não esquecer a sua gente, o seu povo, escrever sobre isso, fazer esta literatura mas... e aí está o grande problema: ainda falta base para Rogério. Ele precisa continuar escrevendo, mas precisa, também, ler mais, estudar mais, compreender melhor as figuras de linguagem, compreender o uso correto dos verbos, entender o funcionamento da língua escrita que é muito diferente da lingua falada. Sua origem lhe dá a vantagem se aproximar do povo e a desvantagem de se afastar da literatura. Para transformar seus textos em verdadeira literatura, ele precisa aprender porque escreve deste jeito, porque é importante dar voz à sua raíz mas colocar a base na literatura que foi feita anteriormente. É necessário aprender o passado para poder quebrar os paradigmas. Ele pode sim escrever na forma coloquial, suburbana, mas precisa saber escrever também na forma culta, para evitar que erros muito grosseiros aconteçam. Falta ainda esta qualidade nele.
             Preciso lembrar que, por um curto período de tempo, há muitos anos atrás, eu lecionei em escola estadual e senti na pele o que o governo do estado tem feito com a educação, desvalorizando a figura do professor e desestimulando os alunos ano após ano, por isso, pinçar, destes milhões de alunos, alguém que tem a coragem de escrever e contar o que sente à sua maneira é algo que me deixa emocionado, ele tem a coragem de enfrentar a sua dificuldade de compreensão do seu texto, coloca seu trabalho à mostra, deixa o seu telhado de vidro exposto para levar as pedradas e isto me leva a refletir o porque o escritor escreve e a resposta é sempre a mesma: o verdadeiro escritor não escreve para ser rico, famoso ou admirado, escreve porque necessita dar voz ao seu coração. É isso que Rogério faz.