domingo, 17 de setembro de 2017

Festivais de LIteratura

     Neste exato momento está acontecendo a FLIM - Festa Lítero-musical do Parque Vicentina Aranha e muitas reflexões surgem do evento.
     A primeira reflexão é que os autores de São José dos Campos que quiseram ter suas obras expostas na Flim tiveram de participar de um sorteio porque não havia espaço para todos. Os sorteados ainda teriam de pagar R$ 60,00 para ter suas obras expostas e ter o direito de vendê-las durante a Flim.
     A segunda questão é a participação de músicos consagrados como Antônio Nóbrega e Chico César.
    Para mim, estes eventos deveriam superar a questão da inserção da literatura no mercado de livros, são coisas tão distintas e estes eventos insistem em tratar a literatura como venda de livros segundo a ótica predominante do capitalismo em que tudo tem de ser mercadoria.
     A literatura não é mercadoria, não consegue ser mercadoria porque é uma manifestação que exige uma complexidade maior de compreensão do consumidor. E enquanto os autores forem tratados desta forma, como pessoas que devem inserir-se no mercado (e este "mercado" é uma instituição nebulosa), os autores terão sempre a dificuldade de saber como se faz isso e  podem sujeitar-se a primeira questão que coloquei: a de pagar para ter o seu produto exibido. O erro será sempre pensar que o seu trabalho autoral é um produto. Livro não é produto, livro é autoria, é pensamento, é reflexão. Quanto o livro se torna produto, passa a ser apenas um objeto a ser adquirido e deixa de ser autoria, pensamento e reflexão. Tornando-se objeto, ele é consumido no momento em que é comprado e não no momento em que é lido.
     Penso que estes organizadores deveriam pensar em convidar, pode até ser por edital, pois talvez não haja espaço para tanta gente, os autores da cidade onde a festa se realiza para expor seus livros e deveria comprar os livros para que fossem distribuídos gratuitamente entre os leitores interessados. O leitor chega na mesa em que o autor está, conversa com ele, interessa-se pelo assunto que foi proposto e leva o exemplar do livro do seu interesse que será consumido no ato da leitura do mesmo e não pela compra.
     Que se pague por exemplo, R$ 10,00 por livro e permita-se ao autor entregar 100 livros durante a festa, que se tenha 50 autores e 5.000 livros sejam distribuídos gastando-se R$ 50.000,00 com os livros.
     Que se permita aos músicos se apresentar recebendo cachê adequado, por exemplo, R$ 1.000,00 por apresentação e que se tenha 10 músicos da cidade em palco durante os dias do evento.
 
     Que se traga autores renomados, e músicos consagrados para que este se misturem e troquem experiências com os autores e músicos da cidade.

     Isso para mim seria uma festa lítero-musical.

     O que vejo é o uso dos autores como chamariz para um público que se pensa superior intelectualmente num evento feito para que a cidade se aproxime de um modelo de capital, onde os organizadores pensam em atrair público para justificar o uso de dinheiro público em organização social que faz o papel de secretaria de cultura ou fundação cultural, desvinculando o evento da sua cidade porque este evento poderia ocorrer aqui em São José dos Campos, em Jacareí, Taubaté, São Paulo, Campinas, Ribeirão Preto ou qualquer outra cidade pois não tem a cara e nem a participação dos autores e músicos da cidade, mas tem a cara e a participação de autores e músicos de fora da cidade que poderiam estar em qualquer lugar do país.

quinta-feira, 23 de março de 2017

JURO QUE TENTEI - FABRÍCIO CUNHA

     Ao ler este livro de Fabrício Cunha, admito que fiquei transitando entre gostar de algumas coisas e não gostar de uma forma mais generalizada. O autor sabe como escrever bem e tem seu estilo bastante marcante no livro. Ele intercala uma sequência de frases curtas em parágrafos enxutos onde vai construindo o seu pensamento para, depois, vir com um parágrafo um pouco mais longo, entrecortado, isto torna o texto ágil e interessante, um exemplo é o início do conto "O Primeiro Chicabon a Gente Nunca Esquece":


     Percebe-se a sequência de frases curtas para formar o pensamento do leitor na direção do clima que o autor cria com o sentido de tentar prender a atenção até o desfecho.
     Este formato ocorre no livro todo. O autor não constrói frases longas, sua intenção é criar uma leitura rápida, isenta de formas requintadas e de dificuldades semânticas. Vai sempre direto ao assunto, sem floreios.
     Este estilo funcionou muito bem nos textos curtos, de duas a seis páginas, em que se esperava uma rápida solução para a história. Com isso, percebe-se que houve uma dificuldade em construir uma história longa e o estilo não funcionou para a única história longa, o conto "Ela, era ela, é ela", pois acabou por ser de uma leitura previsível e cansativa, uma vez que se advinha a história na medida em que vai acontecendo e que não há uma construção forte dos personagens.
     Então, a forma que o autor propõe tem uma leitura aprazível nos textos curtos pois seu estilo é bom.funciona para estes textos.
     Aí entro na questão do tema do livro que e a busca pelo sexo oposto e, deste ponto de vista, fiquei um pouco decepcionado e em dúvida quanto à intenção do autor em mostrar as questões emocionais (subtítulo do livro) de forma tão superficial, reduzindo o relacionamento às questões sexuais. Gosto de pensar que o autor de um livro não é o seu personagem principal, o autor cria um personagem e trabalha com ele, ainda que esteja escrevendo em primeira pessoa. Este personagem protagonista do livro parece que está eternamente cheio de testosterona, fazendo sexo com todas as mulheres que aparecem pela frente.
     Preciso dizer que os contos deste livro me passaram uma visão onde os relacionamentos estão cercados de machismo. as personagens femininas são mostradas apenas como objetos do prazer do protagonista, elas não tem voz, não tem vez, e vivem como se estivessem em outro mundo, inacessível para o homem, fazendo-se a devida exceção para o momento do sexo que passa a ser o elo entre os mundos masculino e feminino. Não há muitos sentimentos, a vida se resume a busca do prazer, a tentar um momento (ou vários) de sexo, a perfomance é mais importante do que a intimidade. Senti-me dentro de uma propaganda de cerveja de milho transgênico, numa praia em que os homens estão atrás das mulheres bonitas e acham que bebendo vão conquistar o sexo desejado. Nota-se a importância do aspecto físico, não basta ser mulher, tem de ser bonita, não basta ser bonita, tem de aceitar ser objeto de prazer. O relacionamento é um consumo, assim como os produtos de um supermercado.
     A minha dúvida é: o autor pensa assim ou está, com o livro, mostrando o seu lado de crítica social. Parece-me que ele está dizendo que a sociedade é assim mas não deveria ser machista, utilitarista (transforma pessoas em objeto), rasa nos relacionamentos, egoísta. Ao contrário, deveria ser mais profunda, solidária, não consumista, onde as pessoas deveriam ser vistas no todo, considerando as suas tristezas, alegrias, conquistas pessoais e coletivas, sentimentos.
     Ao ler o livro, espero que o leitor considere as questões acima e não tome a vida mostrada pelo autor como a correta.
     Se o protagonista é um "ferrado emocional", diria que mereceu ser assim ao considerar a forma como enxerga as pessoas do sexo oposto. A visão que o protagonista dos contos oferece é justamente aquela que se tenta combater mas que é real, está presente na sociedade e influencia a todos. Sou contra esta visão machista, misógina, sexista, consumista, egoísta. Desejo que as pessoas sejam sempre mais solidárias, sociais, coletivas, acolhedoras, não consumistas.