sábado, 15 de setembro de 2012

TECENDO O AMANHÃ

                 "Tecendo o Amanhã", de Moacyr Pinto é um romance diferente. O livro conta as mudanças sofridas por uma comunidade ao longo de 27 anos, de 1975 a 2002. Uma comunidade de um bairro de Santo André, palco de lutas operárias. Portanto, desde o período em que a ditadura militar ainda estava muito atuante no Brasil (só para lembrar, Wladimir Herzog foi assassinado em 1975), até o ano da eleição de Lula como o primeiro presidente proletário do país. Conta as situações desta comunidade, suas mudanças através do tempo e da atuação dos personagens.
         Houve uma certa dificuldade minha de compreender este formato que o autor propôs para o romance, pois esta não é uma história individual, mas uma história coletiva que remete ao conhecimento de sociologia do autor. Assim,  o autor não utilizou a visão individualista, não há um herói e nem um vilão, há fatos, análises, decisões e consequências (individuais ou coletivas) mas sem a fixação na atitude de um indivíduo. Há a coletividade e por isso pensei que pudesse até ser uma novela, pois há uma boa quantidade de personagens mas não chega a este formato, então, chamo-o de romance da coletividade.
            Interessante destacar que o autor não conta uma história épica de um ou de outro indivíduo, mas histórias comuns, com problemas comuns a qualquer família como questões amorosas, adaptação, filhos com problemas na escola, mulheres com dificuldade em local de trabalho, homens comuns enfrentando seus dilemas entre trabalhar e estar com a família. Não há herói, não há alguém com emoção, racionalidade e força sobre-humanos  em que a comunidade se apóia. As pessoas apoiam-se umas nas outras, como é a comunidade de uma região.
          Além do aspecto de ser um romance de um coletivo, há outro: o uso de diálogos sobrepondo-se à ação. Ficamos sabendo das coisas que acontecem com os personagens, na maior parte da história, através das conversas entre eles. Na medida em que se desenvolve o diálogo, o autor conta a história de cada um. Compreendo que não é um meio comum fazer isso e a opção deve ter sido para demonstrar o crescimento da conscientização e da ideia mais do que a ação. Quem espera um romance de ação não vai encontrar neste livro.
          Esta forma de colocar o diálogo acima da ação pareceu-me, em muitos casos, como se estivesse assistindo uma peça de teatro, no primeiro capítulo comecei a ter esta sensação: três amigas discutindo sua vida dentro de uma sala. E vem a sequência, no segundo, marido e mulher discutindo sua relação; no terceiro, o casal que chega de longe e está conversando com a família na cozinha e por aí vai numa série de cenas teatrais que podem, a qualquer momento, ser até representadas por atores, pois já estão escritas, colocados os seus diálogos. A cada capítulo ou cena, parecia que eu via os personagens conversando, exaltando-se, chorando, discutindo.
         Para situar o momento histórico em cada período colocado, em alguns momentos foi utilizado o recurso de fazer uma pequena resenha no início dos capítulos. Este didatismo trouxe um problema, se, de um lado, é importante situar-se historicamente para compreender a vida daqueles personagens, por outro, quem não viveu este momento histórico talvez não lhe dê importância ou compreenderá o texto de outra maneira, sem alcançar a proposta do autor de demonstrar e discutir o cerne das mudanças políticas do país como tendo sido feitas a partir da base em que as lideranças individuais não se sobrepunham ao coletivo, mas respeitavam as opiniões de todos, avançando no tempo, o autor começa a mostrar que, atualmente, vivemos o contrário, o individualismo em detrimento deste coletivo. Mesmo assim, sopra um pouco de esperança no final do livro.
          Não é um livro no formato: "descrição do ambiente e do herói, fator de mudança, atuação do herói, ambiente modificado", típico dos romances atuais de sucesso porque não há um herói, há uma coletividade, não há um fator de mudança pois é colocada a vida em constante processo de mudança mas há o ambiente anterior e o ambiente modificado, eu diria que é: "descrição do ambiente, vida corrente dos personagens sem atuação espetacular de ninguém em especial, ambiente alterado".
          Este formato é diferente, válido e precisa ser aprimorado.
          O que me chamou a atenção em muitos personagens que autor nos traz é a racionalidade que se sobrepõe à emotividade mas isto deve ser uma opção do autor, chamou-me a atenção em especial dois momentos: o primeiro em que a personagem Filomena decide aproximar-se finalmente de Fernando, e o outro momento quando da morte do filho deste mesmo Fernando, tratada de maneira bastante acelerada. Outro autor talvez desse mais ênfase à parte emotiva. Talvez o recurso de utilizar o diálogo em detrimento da ação tenha dado esta percepção.
          Penso que o livro tem muitas propostas como, por exemplo:
         -a mudança política no país não se deu pela luta armada como se faz pensar, mas pela conscientização do operariado que se propôs a fazer a sua própria história;
          -na história não há um herói que a faz mas um coletivo que transforma;
          -a Igreja Católica deu uma guinada da luta política para a tradição religiosa;
          - a dificuldade da classe política de compreender a ação cultural como ação transformadora.
         Podemos encontrar muitas outras propostas no livro mas faltou uma discussão aprofundada sobre como transformamos a sociedade brasileira, de uma sociedade que pensava muito mais no coletivo para esta consumista e hedonista da atualidade. Esta discussão deve ficar para um próximo momento porque não era este o foco do livro, mas há algumas colocações neste sentido. Talvez o que tenha faltado seja uma percepção de qual é a visão do mundo do ponto de vista do autor, faltou esta ênfase em demonstrar a contradição desta sociedade através da colocação efetiva de um assunto mais forte que permeasse o livro e fizesse uma ligação entre a sociedade de 1975 e a de 2002. Senti falta deste fator transformador mas é possível que esta seja mesmo a proposta do autor: a transformação se dá pela ação individual em busca de um bem comum, cada um lutando pelas suas verdades mas pensando na comunidade.
         Ainda assim, por tudo o que eu percebi no livro, sinto que o autor consegue propor ideias novas, é um livro que precisa ser lido e compreendido de outras formas ainda pois me fez pensar em muita coisa, não apenas da forma utilizada pelo autor, como também nas ideias que ele propõe nas entrelinhas da vida dos seus personagens e na visão que ele tem da sociedade brasileira.

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Tecendo o Amanhã - Moacyr Pinto