Em 13/09/2018, Francisco José Ramires lançou "Olhar de Cão" na Literacia.
É interessante o esforço do autor de olhar a sua vida a partir de outro ponto de vista, no caso, do ponto de vista de seu cão. De certa forma é uma tentativa de compreender o próprio mundo e suas dificuldades, apreensões e alegrias, colocando-se do lado de fora da sua vivência.
A partir deste ponto de vista, o autor nos traz o seu cotidiano de maneira lírica e agradável, levando-nos a uma reflexão sobre o que uma outra pessoa diria se apenas acompanhasse a nossa rotina sem poder
interferir em nossas decisões, parecendo muito como se assistíssemos um novela diária. Nesta "novela" senti falta da manifestação do "cão" sobre o que sentiu quando a velhinha de rodinhas não estava mais presente no apartamento. Confesso que vim acompanhando esta personagem coadjuvante, aguardando mesmo o que o cachorrinho diria sobre a partida definitiva dela.
Claro que ao dar voz a seu cão, o autor dá voz a si mesmo, fazendo com que estas crônicas tornem-se ao longo deste livro uma grande declaração de amor do autor pela vida, pela mãe, pelo cãozinho e, principalmente pela sua companheira. Se faltou um mergulho maior nos sentimentos mais profundos, obscuros e complexos do mesmo, compreende-se que a intenção é dar ao leitor um texto leve, agradável e despreocupado como se fosse mesmo a vida do seu cão, que só conhece o presente, não entende de passado e de futuro.
O livro é uma reflexão poética sobre o cotidiano e sua beleza, sobre o mundo e suas restrições, e, principalmente, sobre o amor que se encontra e permeia a rotina das coisas simples da vida.
O que me chamou bastante atenção é a forma poética presente em todo o livro, em todas as pequenas crônicas encontramos este lirismo, por exemplo, na página 71, crônica 41: "Meu território é sagrado, de vestíbulo cravado na entrada, a separar mundos vários, sagrado e profano. Assim sendo, as idas e vindas de pessoas novas requerem rituais de iniciação.", e gostei muito das disfarçadas (ou não?) declarações de amor pela dona do pedaço como na crônica 29: "Minha dona porta sinfonias. E eu tenho a magia de ouvi-las. Aonde quer que ela vá, suas harmonias preparam os caminhos, afastam pedras, abrem flores.", é poesia em forma de crônica.