Mírian Menezes de Oliveira lançou recentemente o livro "O Cientista e a Poeta", cujo exemplar impresso trouxe novidades no formato e manteve formas poéticas conhecidas. Explico: o livro foi impresso de forma a ser lido na horizontal das páginas e não na vertical igual a todo livro. Além disso, foi escrito em letra cursiva e vem recheado de desenhos curiosos.
Segundo a autora o livro nasceu após um estudo sobre transdiciplinaridade que a entusiasmou. Ela já possuía uma alma de poeta e ao mesmo tempo de cientista, daí o título. Voltando ao assunto, após estes estudos, ela colocou-se a escrever porque os assuntos vinham e precisavam transferir-se ao papel.
Sendo esta a primeira experiência poética, acredito que a Mirian antecipou-se demais ao tempo do poeta, pois a poesia exige um cuidado diferente. Transcrever os sentimentos é somente a primeira parte do trabalho poético, isto ela fez bem. Há tantas outras coisas envolvidas num trabalho de poesia além da simples transcrição dos sentimentos, sensações e observações sobre o mundo.O livro vale por esta explosão de sentimentos e pela necessidade de expressão que todos temos. Infelizmente, ainda está longe de um trabalho poético verdadeiro, que deve levar em conta algo mais.
Assim temos poemas longos, com frases compridas, discutindo temas, expondo as ideias da autora como logo no início do livro com "Teorema Poético-Científico" em que lemos:
"a partir de agora, o cientista e a poeta
(poetisa é muito açucarado) se
fundirão no caldeirão da existência".
Vemos que a forma colocada para os versos é uma afirmação, faltando-lhe os elementos poéticos como as figuras de linguagem, metáforas, dissimulações, ausências, dubiedade de significados. Outro exemplo está em "Poema da Relatividade" em que ela escreve:
A grama vista da janela
Quando bate o vento,
não é grama...
É mar!
Ou seja, ela já conta tudo, tira o sabor da imaginação, dos diversos rumos e significados que uma palavra atinge. Faz uma poesia com poucas figuras de linguagem, poucas variações e sem uma dor. Uma poesia bastante contemplativa. Apesar disso, consegue ao longo livro, iniciar-se numa crítica social percebendo a redução do homem a objetos e coisas produzida pelo sistema econômico-social vigente.Acredito que ela deve aprimorar-se ao longo dos anos ao pensar o trabalho poético com muito mais variáveis. O trabalho poético na sua essência é a expressão do sentimento do ser humano em relação ao meio em que ele vive, sendo assim, a poesia deve considerar os sentimentos mais vitais em primeiro lugar, depois, o meio da vivência do poeta, em seguida, as contradições, figuras de linguagem, crítica, e sem esquecer que é necessário ver, ler, analisar o trabalho que os pares poéticos fazem para poder compreender o momento artistíco atual.
Sendo assim, apesar de eu não gostar de repetições para marcar definições num poema, fico com o seguinte poema, como um dos mais significativos:
HOMEM-RÓTULO OU LOGO-HOMEM
Homem-rótulo
Homem-síntese
Homem-marca
Logo-homem
Homem predestinado
Homem etiquetado
Homem resumido
Logo-homem
com tarja preta
ou vermelha.
O mais interessante é pensar que este poema ficaria muito mais forte se fosse menor, numa livre adaptação e sem querer modificar o estilo poético, a autora poderia cortar o poema, aproveitar apenas a essência das palavras e escrever:
Logo-homem
Homem-rótulo
Com tarja preta
Ou vermelha.
Pois assim já diria tudo o que ela queria, a transformação das pessoas em coisas com muitos rótulos, marcas, logotipos, ao mesmo tempo que não percebem o perigo deste vício, em que faz alusão às tarjas pretas e vermelhas das embalagens de remédios que podem viciar. Em poucas palavras vem muita coisa à mente, deixando o leitor interpretar à sua maneira, dentro da sua experiência.
Espero mais de Mírian Menezes e acredito que ela tem este potencial. Aguardaremos.