O professor Wilson Roberto, membro da Academia Joseense de Letras, lançou o livro "Self" por ocasião do Festival da Mantiqueira deste ano. É um livro de poesia clássico, não quero dizer pertencente ao classicismo mas clássico no sentido do que o pensamento médio entende de um poeta e poesia: para a grande maioria das pessoas, o poeta é aquele indivíduo usa muito o lirismo, o eu lírico, e que escreve difícil, usa versos muitas vezes rebuscados (como o Wilson mesmo diz em que "uso sinéreses, diéreses, hiatos e elisões numa forma que pode ser criticada por alguns metrificadores mais arraigados à tradição, nos quais, por vezes, procurei impor a cadência que desejei e, por outras, fui conservador..."). Neste livro, Wilson foi conservador o tempo todo pois não ousou no formato e nos temas, ateve-se a um formato ora moderno, ora romântico, ora clássico, em suas sinéreses (transformação de um hiato em ditongo), diéreses (o contrário, o ditongo vira hiato), suas elisões (elidir é suprimir, retirar letras de uma palavra).
Ele foi romântico em excesso ao longo do livro ao tratar da Morte, tema preferido dos românticos do século dezenove, começa no primeiro poema e vem ao longo de todo o livro, a primeira estrofe do primeiro poema é um resumo do livro, ao ler:
"Inconteste fim de minha carne que,
de inevitável, te tornaste esperada.
Cessar aterrorizante das sensações,
serás por mim esquecida
no momento de teu toque."
é rebuscado, romântico e clássico, muitas vezes até parnasiano, só não é 100% tudo isso porque os seus versos têm métricas variadas e assim vai ao longo do livro. Não posso negar, dentro deste raciocínio, que o livro é muito bem escrito mas achei que houve, em alguns momentos, uma ou outra deslizada, por exemplo em um verso de "Sonetos de Bagdá" em que escreve no segundo soneto:
"se batalho do modo certo ou do errado;
se tornei-me herói, mártir ou simples tarado."
ainda que a expressão tenha sentido no poema, é estranho lê-la, ou no terceiro soneto, uma interessante e rebuscada figura de dar inveja:
"mas os ígneos plúmbeos pirilampos ateus"
compreendo que ele se referia às balas de um revólver no poema, é bonito, mas é rebuscado demais.
Então, ao longo do livro, vamos lendo uma constante luta interior entre a Vida e a Morte, a Ciência e a Religião, a Dor e a Saudade, onde não consegui entender se ele é contra ou a favor da fé, se quer a morte ou se quer a vida, se está feliz ou triste, sempre nesta falta de definição, como se fosse um luta interna.
Outro tema que me chamou a atenção é a palavra "puta", bastante utilizada pelo poeta ao longo do livro, não sei se era necessário tanto uso do palavrão, e notei que poucas vezes ele falou das mulheres de outra maneira nos seus poemas, procurei algum que enaltecesse a mulher de outra forma e não encontrei, falha do poeta nestes tempos politicamente corretos ou vontade de ir contra estes tempos? Não sei. A entender ainda este aspecto.
Talvez com o fim de mostrar seu conhecimento literário, inegavelmente vasto e diverso, Wilson colocou muitos poemas no livro como as livres adaptações do poema "O Corvo" de Edgar Alan Poe e outro poema de Luis de Góngora y Archote de 1602, além de uma curiosa "Canção do Martírio" parodiando a Canção do Exílio, como a querer mostrar todas as suas qualidades poéticas, deste jeito o livro, como um todo, deixou a desejar por não ter um foco. O foco foi a quantidade e não a seleção, no geral, evitou a experimentação, escrevendo versos com pouca inovação na forma e no uso da palavra, mesmo em alguns momentos em que ousou um pouco mais, não conseguiu atingir um poema que debatesse com vigor o mundo atual, a relação do homem com o consumismo, com a violência, ou que leve a uma reflexão maior do mundo urbano em que vivemos.
Apesar da quantidade de poemas, faltaram emoções mais fortes, debate, discussão, tomar partido de algo com profundeza. Ficou mais no debate sobre a morte e a religião. O que não deixa de ser um reflexo, neste ponto, da sociedade moderna em que a religião ganha cada vez mais força, não que Wilson tome partido da religião, mas coloca este debate quando se confronta com a Morte, afinal, é do confronto com a morte tão inexplicável quanto certa que a religião tenta dar sentido à vida humana.
Os poemas com linguajar caipira podem ser considerados valeparaibanos, mas acho que seria caricaturizar o caipira valeparaibano. Apesar de que em "Soneto Caipira" (o uso do soneto, forma clássica) ele lembra da tristeza do caipira com as mazelas do progresso industrial, carrega uma das características do Arcadismo, em que o homem devia fugir da urbanidade e se voltar ao agrário e pastoril. Acredito que o Vale do Paraíba é uma região complexa e que a figura do "caipira", quase extinta, não representa o atual momento da região, muito urbanizada, industrial e violenta.
Em "Civitano de La Mondo", Wilson resolve fazer a demonstração de que o cidadão de São José dos Campos é um cidadão do mundo, ficou interessante mas sinto ausência de algo mais forte no poema.
Ficou a sensação de que li uma aula de história da poesia, em que passeei por diversas escolas literárias, mas o poeta ficou devendo o experimentalismo e a inovação no fazer poético.
Houve esta experimentação nos Nanocontos mas, ainda neste campo (talvez minhas observações estejam influenciadas pelo que li da poesia), o poeta precisaria ler os autores de vanguarda nesta área, aliás, poderia ler seu xará, Wilson Gorj, autor que já comentei neste blog, que faz o microconto com maestria.
Resumindo, o uso de formas mais clássicas, do lirismo, da preocupação com vida e morte, transformaram o livro em poético mas não ousado ou experimental, não foi um livro inovador do fazer poético. faltou esta ousadia.