Em 2010, durante o Festival da Mantiqueira, Daniela Peneluppi lançou o seu primeiro livro de poemas chamado Desmergulho.
Começo dizendo pelo que me chamou primeiro a atenção no livro: poemas feitos como se fossem letras de música. Neste contexto, temos os poemas "Alô da Terra Custa Caro", "Bolero Saudoso", "Desmergulho", "Ilhabela", "Só uma Palavra". Em geral, são poemas com certa métrica, com palavras colocadas bem corretamente dentro de uma melodia que se pode até imaginar.
Outro aspecto foi o visual no interior do livro, Daniela usou de muitas imagens de paisagens, flores, fotos diversas, além de escrever ora em maiúscula, ora em minúscula, ora iniciando com letras minúsculas as palavras com o restante do corpo em maiúscula. Esta utilização acabou por trazer algumas reflexões que vão além da palavra, pois, ao se utilizar destes recursos, a artista causa estranheza na leitura do livro, não estamos acostumados a ler uma palavra iniciando com minúscula e com o resto do corpo em maiúscula como em:
ASTRAL
bANHO dE rIO
bANHO dE mAR
bANHO aO lUAR
aR
LOGO LEVE
LEVE CORPO
dAQUI
pARA uM oUTRO lUGAR.
Mas não é esta estranheza visual que este uso das letras nos causa que me fez pensar sobre este recurso, pois, ao utilizá-lo, perdemos um pouco o senso da palavra escrita, se o recurso fizesse jus a uma forma inovadora e de vanguarda no que ela quer dizer, então, seria muito válido, mas isto não ocorre porque é um recurso visual inócuo. Melhor seria se usasse o recurso de misturar letras maiúsculas e minúsculas com o intuito de destacar determinadas letras que, dentro do poema, poderiam transformar-se em outro poema.
A métrica e a sonoridade que servem nas canções não necessariamente servirão em um trabalho poética de vanguarda, porque o trabalho poético deve ser repleto do mundo atual, deve vincular a vida do poeta com o mundo de alguma forma muito particular e única, o que está faltando para Daniela neste trabalho.
Ao voltar-se para si mesma, não enxergando o arredor, ela se mostra fechada em um mundo interior próprio, sinalizar que morou aqui ou ali não significa que tenha saído de seu mundo interior para atingir o mundo dos seus pares, um grande poeta escreveu que viajou por todos os lugares do mundo, mas o único lugar em que realmente se encontrou foi dentro dele mesmo. No entanto, este é um caminho para chegar ao mundo que nos cerca, conhecer-nos para depois ir ao encontro do outro.
Nesta sua fase poética, Daniela está indo ao seu próprio encontro, esta visão, às vezes egoísta, incomodou-me muito porque ela não conseguiu atingir um olhar mais refinado do fazer poético. Tanto que um dos temas que chama a atenção é o uso do espelho, do reflexo, do ver a si mesma muitas vezes, já na abertura do livro no poema "A Espera", depois em "Cabelo-Iris", "Lá em Cima do Piano", "Refrangível".
Entendo que a palavra pode ser colocada ao seu próprio serviço, mas só atinge um grau mais elevado de poesia quando se impregna do mundo, das pessoas à nossa volta, das nuances que percebemos nas dores nossas e dos outros, o poeta não pode viver só no seu próprio mundo, como se morasse em outro planeta, precisa descer à terra, caminhar no meio do povo, sentir o calor da humanidade. Falta isso, neste momento, à Daniela.
Convém ressaltar que surgiram poemas interessantes como "Plenilúnio" em que ela consegue fazer esta junção da própria dor e das dores alheias, misturando o sentimento de saudade com figuras interessantes como a imagem do trem na lua cheia. "Olhar invertido no vidro"
Há vários poemas repetindo o tema de "Mar", "Lua", "Estrela", "Céu", "Rio", "Vento". Ao selecionar as 9 palavras mais utilizadas nos poemas (Céu, Lua, Estrela, Sol, Mar, Rio, Chuva, Flor e Espelho), vemos que dos 51 poemas, 26 deles possuem alguma destas palavras, sendo que em pelo um poema, seis destas palavras estão presentes.
Faltou à poeta pensar o livro como um todo, como uma obra única, sendo o primeiro livro, talvez tenha havido o desejo de publicar o máximo possível sem considerar o conjunto da obra e dos temas tratados, penso que ela deveria se focar mais no temas trabalhados nos poemas "Refrangível", "Plenilúnio", "Campos de Margarida", "Olhar invertido no vidro" que são os mais interessantes.
4 comentários:
Bom, o meu comentário não vai acrescentar muita coisa porque ainda não li o livro da Daniella. Na verdade, não tenho o hábito de comentar obras que não conheço, mas escreverei algumas linhas neste caso porque recentemente, por coincidência, estive refletindo sobre o subjetivismo na arte.
Penso que o artista tem basicamente dois grandes desafios:
1. Jogar-se no mundo.
2. Mergulhar em si mesmo.
Disso me vem a ideia que o título “Desmergulhos” talvez signifique o fim de uma aventura do segundo tipo (isto foi apenas um chute).
Também penso que o subjetivismo não é um mero exercício egótico.
Um poema bonito ou bem construído já traz, intrinsecamente, elementos universais e objetivos: a beleza, a técnica... Em outras palavras, o valor estético de um poema dá uma dimensão maior ao que é subjetivo.
Seja como for, estou interessado em ler o livro. Achei interessante essa característica musical que o Fernando apontou.
Dani é ritmo, é bom gosto, é o inusitado.
Floresce em poesia, enaltece a arte.
Hora séria, hora brincante, dócil e quase sempre menina, rica quando diz:
"Só uma Pa la vra"...
Sou fã dos seus desmergulhos.
bj'Z
Li o livro da Peneluppi, minha estimada amiga. Achei o livro muito centrado em si, como bem apontou o Scarpel. Muito embora a Peneluppi seja uma mulher muito elegante, achei deselegante abrir o livro e ver logos de apoiadores nas páginas iniciais...Para mim a poesia é que deveria estar em destaque logo de inicio. Os apoiadores(que não deixam de ter a sua relevância também) poderiam ocupar as páginas finais do livro. Em relação ao ritmo e a construção, disse pessoalmente a Peneluppi que havia gostado e, que era algo que buscava nas minhas poesias. Alguns poemas eu gostei bastante, outros me pareceram mais Ensaios de viagem. Não gostei do prefácio escrito por Rita Elisa Seda. Na minha modesta opinião não Letrada, acho que a Rita se preocupou mais em fazer um texto acadêmico do que fazer uma crítica consistente sobre o livro. Gostei da crítica do Scarpel porque ele faz apontamentos e sugestões sem levar em consideração se a crítica é positiva ou negativa. Para quem escreve, uma crítica com essa proporção é muito relevante. Gostei do cuidado com a estética do livro, muito embora a capa tenha sido criticada por muitos por dar a impressão de ser uma foto pra book de festas de casamento. Para mim a Peneluppi é uma multi-Artista, que busca em diversos campos da arte se expressar e dialogar com essa nova geração de artistas.
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