Apesar de ainda não ter livros publicados, tenho lido os poemas de Nunes Rios publicados em seu blog (http://nunes.rios.nafoto.net/) e percebo muita coisa interessante, vi um olhar atento sobre a passagem do tempo e a sua influência sobre as pessoas, parece-me que o poeta tenta encontrar-se na idade madura, buscando as influências que teve em outros tempos, em outras paisagens, procurando, na verdade, o seu espaço, o seu lugar no mundo.
Nunes Rios ainda não encontrou a sua forma poética, muitos poemas estão vindo em formato mais curto e sintético, e destes, tenho gostado muito, cito dois poemas muito bons como exemplo:
UAI
Cidadezinha mineira tem torresmo na panela
Mulher faladeira, tagarela,
Sinos dobram nas torres das igrejas
Moda de paixão de retireiro
Sonhos de empregados de a meio
Café quente e queijo branco
Encostar a mula em barranco
Mascar mato e roçar pasto
Biscoito de polvilho e muito frio
Cidadezinha mineira, uai, uai,
E muita paz.
Neste poema, o poeta conseguiu ser bastante sintético, resumiu com perfeição o sentimento caboclo do mineiro vinculado a um estilo de vida rural e próximo da roça. Quem visitou uma cidadezinha mineira, sabe que é exatamente assim o sentimento do povo, aquela coisa bucólica e simples, de comidas caseiras e café com queijo. Boa esta captação de um vínculo que o poeta não perdeu.
Nesta linha de vínculos afetivos do poeta com sua infância ou com suas origens, ele escreveu:
O MENINO BAGUNCEIRO 2
Na descida da rua da Alemã
Eu andava de carrinho de rolimã
A velha chata, um tanto ingrata para
Ela a vida sempre estava ruim
Bela casa, bela horta, belo jardim
E um belo pé de romã.
A velha coroca não gostava de crianças.
Então, eu disse: deixa estar, eu vou lhe roubar
Belos frutos de romã. E depois cantar:
“Romã, romã, romã, rolimã, rolimã, rolimã,
Romã, romã, romã, rolimã, rolimã, rolimã.
Aqui, vemos outra faceta, que é a de contar a infância de um tempo que quase não existe mais, pelo menos, nestas cidades industriais do Vale do Paraíba, andar de carrinho de rolimã e roubar fruta no pé, coisas deliciosas que fazíamos em criança, sem contar o espírito desafiador do protagonista do poema (Deixa estar, eu vou lhe roubar), qual menino não quis ser o mais corajoso da sua turma? Outra coisa boa neste poema é a brincadeira romã-rolimã, uma pequena provocação que o menino/poeta faz. Tem uma sonoridade agradável.
Mas o poeta ainda não encontrou a forma adequada da sua poesia, parece em busca do seu estilo, do seu formato, então, algumas vezes, ele erra, quando escreve:
HUMANÓIDE
Ser humano
Estar humano
É desumano
O não humano
Menos mano
Tanto insano
Neste plano
A repetição de “mano” ou “ano” em todas as estrofes não funcionou porque o tema é um tema tratado por muitos outros poetas, humano-desumano-insano. Válida é a preocupação com o que é humano ou não, ou se a loucura é humana ou não, no entanto, as palavras são semelhantes a que outros poetas já fizeram.
Retornando ao tema inicial, da saudade de outros tempos, temos o bom poema:
O PIÃO
Enrolei todo o meu pião
E joguei-o no chão
Ele girou, girou e girou
Girou como os dias da minha infância
Rápido demais
Que vontade de brincar um pouco mais.
À temática da saudade da infância, o poeta incorpora a dureza de viver no mundo adulto, pois desejava brincar um pouco mais. É um problema constante do homem moderno
Em outro momento, entrando na vida adulta, o poeta reflete sobre o seu estilo de vida, ou, se preferir, o estilo de vida atual, dando ênfase no fato da alimentação, lemos:
TRANSFORMERS
Estou monstro, estou gordo
Estou transformado em cibernético
Estou transgênico, mas nem um pouco higiênico
Pois como porcarias desta pós-modernidade
Pós-moderno, ultra-moderno, contemporâneo
Visionista, modernista, mas nem um pouco conformista
Naves espaciais que nunca vejo
Será que nelas também tem percevejo?
Eu mexo, me mexo, mas não emagreço
Seres extraterrestres somos todos nós
Comedores de Mac-lanche
Sou um ser em constante transformação
Comidas industrializadas que parecem um conto de fadas
Mas somente nos enfada
Boca mau criada, que ingere de forma inerte
E não diz “não” para estas comidas malditas
Sou um mutante amante de literatura e da canção
Será que poesia é coisa de ser em alienação?
Gostaria de convidar o Raul para tomar uma caracu
Já que estou mesmo ET e não mereço a atenção
De vosmecê.
Este poema começou uma boa temática, a do homem que, ao ingerir os lanches industrializados, transforma-se em outra coisa. Podemos dizer que, ao ingerir o que a civilização industrial e cibernética oferece, o homem transforma-se em outra coisa que não um homem, mas um extraterrestre vagando por este planeta. Este questionamento é muito válido e teria sido muito interessante se melhor desenvolvido no poema, mas, ao longo do texto, o poeta perdeu-se um pouco, a supressão das últimas três estrofes teria dado um formato melhor. Faltou também acertar um pouco a composição do poema, trabalhar para que as frase ficassem mais encadeadas e rítmicas.
No geral, vemos que a poesia de Nunes Rios tem um olhar atento para o mundo atual e para os conflitos entre a vida no mundo industrial, no entanto, o poeta continua buscando o seu formato poético. Ora escreve coisas muito boas, ora comete erros tentando atingir formatos com os quais não tem muito intimidade. Quem quiser conferir um pouco mais de sua poesia deve acessar o seu blog indicado no início deste texto.
Da temática do conflito, apesar do formato tão diferente, vamos encontrar a poesia de João Possidônio em sinergia com a poesia de Nunes Rios, ambos valeparaibanos, com raízes rurais ou de cidades pequenas interioranas, que se vêem lançados e confrontados com cidade industrial e tecnológica, tendo de adaptar-se a isto e à perda das suas referências infantis. É um tema importante para discutirmos e compreendermos a nós mesmos que convivemos com eles nesta mesma cidade, neste mesmo vale.
Um comentário:
Parabéns Nunes!
E Fernando, como já disse; Você é o fio condutor que trouxe e trás a luz resplandecida de significações à nossa teia literária-virtual.
Continuo dando graças a tua criticidade, criatividade, harmonia e labor.
Com você a travessia terá sempre muito mais cor e valia.
Cheiros de alecrim e sertão chuvinoso
http://zenildalua-alfazema.blogspot.com/
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