Tonho França lançou o belo livro "O Bebedor de Auroras", em que nos traz uma poesia lírica muito bem trabalhada, em que ele usa diversos recursos de estilo para dimensionar sua visão do mundo moderno vinculado a sua visão íntima de poeta repleta de aspectos valeparaibanos.
Farei a leitura de alguns poemas e trechos de poemas numa tentativa de explicar este poeta complexo e completo, começa no seu primeiro poema, constante de apenas dois versos:
Enquanto Sonho
Teço versos que a manhã
verte anônimos entre os homens.
A primeira lembrança que me trouxe este poema é uma referência ao poema "Canção Amiga" de Carlos Drummond de Andrade em que escreve nos versos finais "Eu preparo uma canção/ que faça acordar os homens/ e adormecer as crianças" porque tecer versos e preparar uma canção são semelhantes mas enquanto Drummonnd tem este característica de impactar (acordar os homens), Tonho França vem se inserir sem alarde, querendo, ao mesmo tempo, participar da humanidade com o seu canto, aqui, já começamos a ver um recurso interessante que Tonho utiliza, ao usar "a manhã" ele pode indicar também o "acordar os homens", ou "amanhã" como um tempo futuro, de qualquer maneira, ele faz esta relação de herança entre o modernismo de Drummond e a atualidade da sua poesia.
Na sequência, vem com "Tons de Maçã com Canela (tardes sem rotas e destinos)" em que ele coloca muitas das características e dos temas que vão permear todo o livro, que são o uso de figuras estilisticas combinadas como, por exemplo, a prosopopéia, a metáfora e a sinestesia nestes belos versos da primeira estrofe do poema:
"Colho manhãs plenas de interrogações
as minhas roseiras despertam mais cedo
meus olhos, mais cansados, deságuam
no verde claro-infinito do capim-cidreira."
Tonho França usa e abusa com maestria de todos os recursos estilísticos possíveis sem cair em armadilhas fáceis, ao contrário, usa com propriedade e cuidado para criar suas alegorias da vida humana, do tempo que passa, da solidão dos homens no seu mundo. Interessante é observar que o poeta não fala de Deus ou de religião mas escreve cada verso com beleza e significado que se aproxima de algo divino, no sentido de algo que nos enleva e eleva a outro patamar.
Voltando a falar de características dos seus poemas, é importante frisar o ritmo que ele impõe, onde temos o exemplo a seguinte estrofe do terceiro poema do livro, "Sobre noites e poesia":
"O tempo não é senhor de tudo
O tempo não apaga tudo
Até muda o humor das marés e dos homens
Cercas e soberanias, domínios e propriedades"
Concentremo-nos nos fonemas utilizados: "tem", "tu", "tem", "tu", "mu", "mor", "rés", "mens", "cer", "ni", "mí", "da" e temos o ritmo que ele coloca no poema, estas repetições vão acontecendo nos poemas de forma que dá um ritmo muito agradável. Além disso, recorrendo a mais uma estrofe do mesmo poema:
"Tantas coisas em meu coração,
Intangíveis por isso minhas
E só minhas são
E só minhas são"
É muito interessante este jogo de "por isso minhas", ou "só minhas são", pois, ao falar de quantidade indefinida (tantas coisas), ele brinca com o som de "isso minhas" e de "só minhas" parece ler "sominhas", ou seja, quantidade e soma, ao mesmo tempo, ler "só minhas são" dá a entender "só minha ação", ou seja, só a ação dele que carrega o próprio coração de tantas coisas. É um jogo de palavras extremamente sutil e bem feito.
Já em "Epílogo dos Ventos", usa de assonância para dar este ritmo, como vemos na seguinte estrofe (com os grifos em negrito meus):
"O vento hoje não veio à noroeste
O sol num silêncio avermelhado grave
Atreve-se as cores dos meus roseirais
As nuvens densas, tensas, faces de temporais
A noite chega sem pressa e com aroma de definição-sentença
O monjolo parece bater à pressa dos trovões
Folhas secas bailam no ar em pequeninos redemoinhos"
Com isso ele vai dando-nos a impressão do vento, do som da ventania, aguardando a tempestade chegar. Parece mesmo que estamos vendo toda a cena, o sol avermelhado, as nuvens densas, estou ouvindo o monjolo batendo, vendo as folhas no ar, é poesia toda cheia de sensações, sinestésica e cheia de ritmo. Lembrando que ele usou todos os recursos poéticos já citados anteriormente. Não se esgotaria aqui a multiplicidade dos recursos utilizados ao longo de todo o livro.
Além disso, a temática poética de Tonho França está centrada no homem e seus caminhos e consequências dos caminhos, onde a frequência do uso das rotas e destinos, potes, compotas, temperos, trazem-nos a idéia do homem que trilha caminhos em busca do que dá prazer e felicidade na vida, não é um prazer fácil, uma vez que os caminhos parecem muitas vezes doloridos "e de nada me adiantariam agora lembranças,/ penitências, alegrias ou arrependimentos/ -Estou recluso nos versos - / E nas minhas dores e culpas/" de "Autorretrato".
O tema das rotas ou dos caminhos é bastante explorado sempre em conjunto com o dos sabores/temperos (chá, compotas), vimos em "Tons de Maçã com Canela", "Castelos de Linhas", "Caminhos de Sol", para citar alguns poemas, junto com solidão e tristeza doces, não amarguradas como se poderia pensar, e isto é interessante também.
Outro fato marcante é inserção do Vale do Paraíba na poesia de Tonho França. Em nenhum momento ele cita explicitamente sua origem valeparaibana, mas é tão claro ver isso colocado de forma universal, ou seja, poderia ser de outro lugar porque ele trata dos sentimentos, da vida, do mundo, mas vemos que tem a pitada, a origem valeparaibana quando ele utiliza palavras como procissão, monjolo, romaria, café com pão de manhã, ou em um belo verso de "Artificial", "o mar, desabando séculos de azul, tinge as cordilheiras", quando ele chama a Serra da Mantiqueira de cordilheira que, vista de longe, é azul. Questões da religiosidade inserida na alma do valeparaibano "e os homens perdidos, rasgam-se em gritos: Rogai por nós!" de "Noites sem Estrelas", ou virgem, rosário, hóstias em "Canto I" e costumes típicos como manter canteiros e temperos em casa.
E quando pensamos que nos cansaríamos deste estilo de lirismo poético, Tonho França dá um salto e mergulha numa linha poética mais atual, metropolitana, urbana, direto e crítico:
"Urbe-doida"
"Toda bala é assassina
se (en)contra uma vida
não existe este papo
de bala perdida"
Usando o recurso de colocar o (en) entre parenteses para dar novo significado, toda bala contra uma vida, é contra uma vida quando encontra uma vida. A este, juntam-se "Metropóle" e "Tempo Moderno", e depois ele vem com outro poema curto, direto, atualíssimo no jeito de fazer poesia:
"Muros
A toda hora
A todo momento
Estou fora ou dentro?"
Inserindo-se de vez nesta grande metrópole urbana, conflituosa e confusa em que o Vale do Paraíba está se transformando. Mostrando que é um poeta atuante, atualizado, contemplativo e crítico, necessário ser lido e compreendido, pois é de importância para compreensão do momento vivido.
Só lembrando, alguns dos poemas aqui citados podem ser lidos no blog do poeta Tonho França, clicando no título deste comentário.
quinta-feira, 4 de novembro de 2010
sexta-feira, 1 de outubro de 2010
Desmergulho de Daniela Peneluppi
Em 2010, durante o Festival da Mantiqueira, Daniela Peneluppi lançou o seu primeiro livro de poemas chamado Desmergulho.
Começo dizendo pelo que me chamou primeiro a atenção no livro: poemas feitos como se fossem letras de música. Neste contexto, temos os poemas "Alô da Terra Custa Caro", "Bolero Saudoso", "Desmergulho", "Ilhabela", "Só uma Palavra". Em geral, são poemas com certa métrica, com palavras colocadas bem corretamente dentro de uma melodia que se pode até imaginar.
Outro aspecto foi o visual no interior do livro, Daniela usou de muitas imagens de paisagens, flores, fotos diversas, além de escrever ora em maiúscula, ora em minúscula, ora iniciando com letras minúsculas as palavras com o restante do corpo em maiúscula. Esta utilização acabou por trazer algumas reflexões que vão além da palavra, pois, ao se utilizar destes recursos, a artista causa estranheza na leitura do livro, não estamos acostumados a ler uma palavra iniciando com minúscula e com o resto do corpo em maiúscula como em:
ASTRAL
bANHO dE rIO
bANHO dE mAR
bANHO aO lUAR
aR
LOGO LEVE
LEVE CORPO
dAQUI
pARA uM oUTRO lUGAR.
Mas não é esta estranheza visual que este uso das letras nos causa que me fez pensar sobre este recurso, pois, ao utilizá-lo, perdemos um pouco o senso da palavra escrita, se o recurso fizesse jus a uma forma inovadora e de vanguarda no que ela quer dizer, então, seria muito válido, mas isto não ocorre porque é um recurso visual inócuo. Melhor seria se usasse o recurso de misturar letras maiúsculas e minúsculas com o intuito de destacar determinadas letras que, dentro do poema, poderiam transformar-se em outro poema.
A métrica e a sonoridade que servem nas canções não necessariamente servirão em um trabalho poética de vanguarda, porque o trabalho poético deve ser repleto do mundo atual, deve vincular a vida do poeta com o mundo de alguma forma muito particular e única, o que está faltando para Daniela neste trabalho.
Ao voltar-se para si mesma, não enxergando o arredor, ela se mostra fechada em um mundo interior próprio, sinalizar que morou aqui ou ali não significa que tenha saído de seu mundo interior para atingir o mundo dos seus pares, um grande poeta escreveu que viajou por todos os lugares do mundo, mas o único lugar em que realmente se encontrou foi dentro dele mesmo. No entanto, este é um caminho para chegar ao mundo que nos cerca, conhecer-nos para depois ir ao encontro do outro.
Nesta sua fase poética, Daniela está indo ao seu próprio encontro, esta visão, às vezes egoísta, incomodou-me muito porque ela não conseguiu atingir um olhar mais refinado do fazer poético. Tanto que um dos temas que chama a atenção é o uso do espelho, do reflexo, do ver a si mesma muitas vezes, já na abertura do livro no poema "A Espera", depois em "Cabelo-Iris", "Lá em Cima do Piano", "Refrangível".
Entendo que a palavra pode ser colocada ao seu próprio serviço, mas só atinge um grau mais elevado de poesia quando se impregna do mundo, das pessoas à nossa volta, das nuances que percebemos nas dores nossas e dos outros, o poeta não pode viver só no seu próprio mundo, como se morasse em outro planeta, precisa descer à terra, caminhar no meio do povo, sentir o calor da humanidade. Falta isso, neste momento, à Daniela.
Convém ressaltar que surgiram poemas interessantes como "Plenilúnio" em que ela consegue fazer esta junção da própria dor e das dores alheias, misturando o sentimento de saudade com figuras interessantes como a imagem do trem na lua cheia. "Olhar invertido no vidro"
Há vários poemas repetindo o tema de "Mar", "Lua", "Estrela", "Céu", "Rio", "Vento". Ao selecionar as 9 palavras mais utilizadas nos poemas (Céu, Lua, Estrela, Sol, Mar, Rio, Chuva, Flor e Espelho), vemos que dos 51 poemas, 26 deles possuem alguma destas palavras, sendo que em pelo um poema, seis destas palavras estão presentes.
Faltou à poeta pensar o livro como um todo, como uma obra única, sendo o primeiro livro, talvez tenha havido o desejo de publicar o máximo possível sem considerar o conjunto da obra e dos temas tratados, penso que ela deveria se focar mais no temas trabalhados nos poemas "Refrangível", "Plenilúnio", "Campos de Margarida", "Olhar invertido no vidro" que são os mais interessantes.
Começo dizendo pelo que me chamou primeiro a atenção no livro: poemas feitos como se fossem letras de música. Neste contexto, temos os poemas "Alô da Terra Custa Caro", "Bolero Saudoso", "Desmergulho", "Ilhabela", "Só uma Palavra". Em geral, são poemas com certa métrica, com palavras colocadas bem corretamente dentro de uma melodia que se pode até imaginar.
Outro aspecto foi o visual no interior do livro, Daniela usou de muitas imagens de paisagens, flores, fotos diversas, além de escrever ora em maiúscula, ora em minúscula, ora iniciando com letras minúsculas as palavras com o restante do corpo em maiúscula. Esta utilização acabou por trazer algumas reflexões que vão além da palavra, pois, ao se utilizar destes recursos, a artista causa estranheza na leitura do livro, não estamos acostumados a ler uma palavra iniciando com minúscula e com o resto do corpo em maiúscula como em:
ASTRAL
bANHO dE rIO
bANHO dE mAR
bANHO aO lUAR
aR
LOGO LEVE
LEVE CORPO
dAQUI
pARA uM oUTRO lUGAR.
Mas não é esta estranheza visual que este uso das letras nos causa que me fez pensar sobre este recurso, pois, ao utilizá-lo, perdemos um pouco o senso da palavra escrita, se o recurso fizesse jus a uma forma inovadora e de vanguarda no que ela quer dizer, então, seria muito válido, mas isto não ocorre porque é um recurso visual inócuo. Melhor seria se usasse o recurso de misturar letras maiúsculas e minúsculas com o intuito de destacar determinadas letras que, dentro do poema, poderiam transformar-se em outro poema.
A métrica e a sonoridade que servem nas canções não necessariamente servirão em um trabalho poética de vanguarda, porque o trabalho poético deve ser repleto do mundo atual, deve vincular a vida do poeta com o mundo de alguma forma muito particular e única, o que está faltando para Daniela neste trabalho.
Ao voltar-se para si mesma, não enxergando o arredor, ela se mostra fechada em um mundo interior próprio, sinalizar que morou aqui ou ali não significa que tenha saído de seu mundo interior para atingir o mundo dos seus pares, um grande poeta escreveu que viajou por todos os lugares do mundo, mas o único lugar em que realmente se encontrou foi dentro dele mesmo. No entanto, este é um caminho para chegar ao mundo que nos cerca, conhecer-nos para depois ir ao encontro do outro.
Nesta sua fase poética, Daniela está indo ao seu próprio encontro, esta visão, às vezes egoísta, incomodou-me muito porque ela não conseguiu atingir um olhar mais refinado do fazer poético. Tanto que um dos temas que chama a atenção é o uso do espelho, do reflexo, do ver a si mesma muitas vezes, já na abertura do livro no poema "A Espera", depois em "Cabelo-Iris", "Lá em Cima do Piano", "Refrangível".
Entendo que a palavra pode ser colocada ao seu próprio serviço, mas só atinge um grau mais elevado de poesia quando se impregna do mundo, das pessoas à nossa volta, das nuances que percebemos nas dores nossas e dos outros, o poeta não pode viver só no seu próprio mundo, como se morasse em outro planeta, precisa descer à terra, caminhar no meio do povo, sentir o calor da humanidade. Falta isso, neste momento, à Daniela.
Convém ressaltar que surgiram poemas interessantes como "Plenilúnio" em que ela consegue fazer esta junção da própria dor e das dores alheias, misturando o sentimento de saudade com figuras interessantes como a imagem do trem na lua cheia. "Olhar invertido no vidro"
Há vários poemas repetindo o tema de "Mar", "Lua", "Estrela", "Céu", "Rio", "Vento". Ao selecionar as 9 palavras mais utilizadas nos poemas (Céu, Lua, Estrela, Sol, Mar, Rio, Chuva, Flor e Espelho), vemos que dos 51 poemas, 26 deles possuem alguma destas palavras, sendo que em pelo um poema, seis destas palavras estão presentes.
Faltou à poeta pensar o livro como um todo, como uma obra única, sendo o primeiro livro, talvez tenha havido o desejo de publicar o máximo possível sem considerar o conjunto da obra e dos temas tratados, penso que ela deveria se focar mais no temas trabalhados nos poemas "Refrangível", "Plenilúnio", "Campos de Margarida", "Olhar invertido no vidro" que são os mais interessantes.
domingo, 6 de junho de 2010
A LITERATURA INVISÍVEL DO FESTIVAL DA MANTIQUEIRA
O Festival da Mantiqueira tem seus defeitos e precisa de aprimoramento. Com certeza o maior defeito é o vício de promover as grandes editoras, casando a política do poder econômico com o poder político. O governo do estado de São Paulo premia os autores das grandes editoras porque estas, além de se alinharem com ele, apreciam a promoção gratuita que o Festival lhes confere.
No entanto, o maior de todos os defeitos do Festival não está nisso, mas na ignorância que a imprensa dá a aquilo que o Festival poderia trazer de melhor: a novidade na literatura. Quando a organização do festival confere um prêmio ao melhor autor estreante, está conferindo um prêmio a um autor que passou por um longo crivo editorial e que a grande indústria tem muito interesse em transformá-lo num autor de grande vendagem, obviamente.
Mas este nem é o grande problema, sabemos que as coisas funcionam assim. Gritamos contra isso. Sim, gritamos. Fazemos barulho e tentamos chamar a atenção. Sim, fazemos.
Neste ano de 2010, obtivemos um apoio imenso da Fundação Cultural Cassiano Ricardo para que pudéssemos participar do Festival da Mantiqueira e obtermos algum contato com os nossos leitores. Como escritor, fiquei muito feliz de ver, enfim, o órgão público municipal voltado à cultura, dedicando-se de corpo e alma a um projeto fora dos padrões da grande indústria. Participar daquele espaço de cem metros quadrados onde nós, escritores, pudemos interagir com nossos pares e com possíveis leitores e outros interessados foi gratificante e me levou a muitas reflexões.
Primeiro de que precisamos disso mesmo, do apoio de pessoas de fé nesta cidade, como o curador Júlio Ottoboni da FCCR, ao qual somos muito gratos, para que possamos e passemos a existir perante a população joseense.
Segundo, a TV Vanguarda mostrou pouco interesse em divulgar a literatura e poesia da região em que obtém seus recursos financeiros, vendo as reportagens que fez sobre o Festival da Mantiqueira, percebi que ela só não ignorou a tenda Cassiano Ricardo porque fez trinta segundos no SPTV 2ª edição de sábado, no entanto, esquecendo de dizer que os autores eram joseenses, que o espaço era fornecido pela FCCR, sequer entrevistou o curador da FCCR, muita ignorância do repórter que não vai a fundo no seu trabalho. Na última reportagem exibida na segunda-feira, 31 de Maio, por exemplo, passou direto da apresentação da Orquestra Sinfônica para a Tenda Principal, não mostrou nada e nenhum dos acontecimentos da tenda da FCCR onde importantes conversas foram levadas a cabo, lançamentos de muitos livros de autores joseenses, discussões sobre os rumos da literatura no vale, sobre a sociedade em que vivemos, sem contar a intervenção excelente do Poeta Moraes defendendo com razões inquestionáveis o poeta como ser pensante e atuante na sociedade, contrariando a visão geral de que o poeta é um alienado do mundo. Para a TV Vanguarda, os autores joseenses parecem invisíveis, não existem, não tem ninguém digno de representar a literatura. Perde a TV Vanguarda uma chance de participar mais com este grupo interessante e inteligente da região. Foi pouco o que ela fez, poderia e tem condições de fazer mais e participar mais da vida urbana.
Terceiro, o jornal O Vale novamente perde em apenas divulgar o programa do Festival. É inacreditável que um jornal da nossa terra se preste somente a isso. Reproduzir o programa do Festival. Não vi um repórter do jornal entrevistando ou fotogrando os autores presentes no espaço da FCCR. O jornal O Vale poderia realizar matérias literárias muito interessantes, colocando muita coisa em discussão, tanto em poesia quanto em literatura, mas, parece que as pessoas que estão no jornal O Vale têm dificuldade em lidar com as cabeças pensantes da região, preferem isolá-las, torná-las invisíveis, assim não mostram a ignorância do jornal. Até para o jornal da nossa região, os escritores joseenses são seres invisíveis. A participação de O Vale foi pífia, ridícula e menos que medíocre para um jornal que se pretende formador de opinião nesta cidade.
Quarto, as atitudes dos políticos joseenses são lamentáveis. Quais vereadores se deram ao trabalho de visitar a tenda da FCCR? Á exceção do Cristiano, que passou bastante tempo lá conversando e prestigiando, eu vi apenas o Wagner Balieiro acompanhado do deputado Carlinhos Almeida. Longe de qualquer filiação partidária, política ou ideológica, vou analisar a postura dos políticos que passaram por ali. A começar do nosso prefeito que passou feito um raio pela Tenda da FCCR, demonstrando bastante desinteresse pelos livros e pelos autores, depois, sumiu das ruas de São Francisco Xavier, sendo impossível vê-lo entre a população ou conversando com os munícipes, afinal, rodeado de interesseiros, não podia mesmo se aproximar da população. Atitude totalmente diferente do Deputado Carlinhos Almeida e do vereador Wagner Balieiro. Durante todo o domingo, pude vê-los circulando pelo Subdistrito, conversando com um e com outro, parando na tenda da FCCR e conversando com quem estava ali presente, mostrando-se interessados nas coisas que aconteciam, até vi Balieiro participando de uma das conversas da programação da Tenda da FCCR. A humildade e desprendimente destes dois foi fantástica. Nada de estrelismos, nada de asseclas e interesseiros, apenas estavam interagindo com a população como qualquer um de nós que lá estavámos.
Pergunto: e os outros políticos? Onde estavam o deputado federal Emanuel Fernandes, os vereadores Dié, Alexandre, o deputado Hélio Nishimoto? E os outros vereadores? Só andando atrás do prefeito? Francamente, se estávamos invisíveis para estes políticos, estes, então, nem sequer se interessaram por alguma cultura. E, ao não se interessar em interagir com as pessoas ligadas à discussão da cidade, ao pensamento, às novas idéias, com quem eles vão dialogar? Será que vão dialogar com os donos de construtoras ávidos para liberar prédios em ruas que não suportam mais edifícios? Espero que não, espero que procurem dialogar com formadores de opinião e não com formadores de patrimônio.
É isso, não fosse o enorme esforço da FCCR em divulgar os autores joseenses, continuaríamos todos invisíveis para a cidade. Pelo menos, para a população que se deslocou até São Francisco, pudemos conversar, aparecer, mostrar que existe literatura e poesia muito bem feitas em São José dos Campos.
No entanto, o maior de todos os defeitos do Festival não está nisso, mas na ignorância que a imprensa dá a aquilo que o Festival poderia trazer de melhor: a novidade na literatura. Quando a organização do festival confere um prêmio ao melhor autor estreante, está conferindo um prêmio a um autor que passou por um longo crivo editorial e que a grande indústria tem muito interesse em transformá-lo num autor de grande vendagem, obviamente.
Mas este nem é o grande problema, sabemos que as coisas funcionam assim. Gritamos contra isso. Sim, gritamos. Fazemos barulho e tentamos chamar a atenção. Sim, fazemos.
Neste ano de 2010, obtivemos um apoio imenso da Fundação Cultural Cassiano Ricardo para que pudéssemos participar do Festival da Mantiqueira e obtermos algum contato com os nossos leitores. Como escritor, fiquei muito feliz de ver, enfim, o órgão público municipal voltado à cultura, dedicando-se de corpo e alma a um projeto fora dos padrões da grande indústria. Participar daquele espaço de cem metros quadrados onde nós, escritores, pudemos interagir com nossos pares e com possíveis leitores e outros interessados foi gratificante e me levou a muitas reflexões.
Primeiro de que precisamos disso mesmo, do apoio de pessoas de fé nesta cidade, como o curador Júlio Ottoboni da FCCR, ao qual somos muito gratos, para que possamos e passemos a existir perante a população joseense.
Segundo, a TV Vanguarda mostrou pouco interesse em divulgar a literatura e poesia da região em que obtém seus recursos financeiros, vendo as reportagens que fez sobre o Festival da Mantiqueira, percebi que ela só não ignorou a tenda Cassiano Ricardo porque fez trinta segundos no SPTV 2ª edição de sábado, no entanto, esquecendo de dizer que os autores eram joseenses, que o espaço era fornecido pela FCCR, sequer entrevistou o curador da FCCR, muita ignorância do repórter que não vai a fundo no seu trabalho. Na última reportagem exibida na segunda-feira, 31 de Maio, por exemplo, passou direto da apresentação da Orquestra Sinfônica para a Tenda Principal, não mostrou nada e nenhum dos acontecimentos da tenda da FCCR onde importantes conversas foram levadas a cabo, lançamentos de muitos livros de autores joseenses, discussões sobre os rumos da literatura no vale, sobre a sociedade em que vivemos, sem contar a intervenção excelente do Poeta Moraes defendendo com razões inquestionáveis o poeta como ser pensante e atuante na sociedade, contrariando a visão geral de que o poeta é um alienado do mundo. Para a TV Vanguarda, os autores joseenses parecem invisíveis, não existem, não tem ninguém digno de representar a literatura. Perde a TV Vanguarda uma chance de participar mais com este grupo interessante e inteligente da região. Foi pouco o que ela fez, poderia e tem condições de fazer mais e participar mais da vida urbana.
Terceiro, o jornal O Vale novamente perde em apenas divulgar o programa do Festival. É inacreditável que um jornal da nossa terra se preste somente a isso. Reproduzir o programa do Festival. Não vi um repórter do jornal entrevistando ou fotogrando os autores presentes no espaço da FCCR. O jornal O Vale poderia realizar matérias literárias muito interessantes, colocando muita coisa em discussão, tanto em poesia quanto em literatura, mas, parece que as pessoas que estão no jornal O Vale têm dificuldade em lidar com as cabeças pensantes da região, preferem isolá-las, torná-las invisíveis, assim não mostram a ignorância do jornal. Até para o jornal da nossa região, os escritores joseenses são seres invisíveis. A participação de O Vale foi pífia, ridícula e menos que medíocre para um jornal que se pretende formador de opinião nesta cidade.
Quarto, as atitudes dos políticos joseenses são lamentáveis. Quais vereadores se deram ao trabalho de visitar a tenda da FCCR? Á exceção do Cristiano, que passou bastante tempo lá conversando e prestigiando, eu vi apenas o Wagner Balieiro acompanhado do deputado Carlinhos Almeida. Longe de qualquer filiação partidária, política ou ideológica, vou analisar a postura dos políticos que passaram por ali. A começar do nosso prefeito que passou feito um raio pela Tenda da FCCR, demonstrando bastante desinteresse pelos livros e pelos autores, depois, sumiu das ruas de São Francisco Xavier, sendo impossível vê-lo entre a população ou conversando com os munícipes, afinal, rodeado de interesseiros, não podia mesmo se aproximar da população. Atitude totalmente diferente do Deputado Carlinhos Almeida e do vereador Wagner Balieiro. Durante todo o domingo, pude vê-los circulando pelo Subdistrito, conversando com um e com outro, parando na tenda da FCCR e conversando com quem estava ali presente, mostrando-se interessados nas coisas que aconteciam, até vi Balieiro participando de uma das conversas da programação da Tenda da FCCR. A humildade e desprendimente destes dois foi fantástica. Nada de estrelismos, nada de asseclas e interesseiros, apenas estavam interagindo com a população como qualquer um de nós que lá estavámos.
Pergunto: e os outros políticos? Onde estavam o deputado federal Emanuel Fernandes, os vereadores Dié, Alexandre, o deputado Hélio Nishimoto? E os outros vereadores? Só andando atrás do prefeito? Francamente, se estávamos invisíveis para estes políticos, estes, então, nem sequer se interessaram por alguma cultura. E, ao não se interessar em interagir com as pessoas ligadas à discussão da cidade, ao pensamento, às novas idéias, com quem eles vão dialogar? Será que vão dialogar com os donos de construtoras ávidos para liberar prédios em ruas que não suportam mais edifícios? Espero que não, espero que procurem dialogar com formadores de opinião e não com formadores de patrimônio.
É isso, não fosse o enorme esforço da FCCR em divulgar os autores joseenses, continuaríamos todos invisíveis para a cidade. Pelo menos, para a população que se deslocou até São Francisco, pudemos conversar, aparecer, mostrar que existe literatura e poesia muito bem feitas em São José dos Campos.
segunda-feira, 10 de maio de 2010
OS MICROCONTOS DE WILSON GORJ
A MICRO LITERATURA DE WILSON GORJ
Leitura do livro: Prometo ser breve
Wilson Gorj é um autor novo que já possui um bom trabalho tanto em participações em livros quanto no universo web e lançou no dia 21 de março de 2010, em Aparecida, o seu segundo livro "Prometo ser Breve", onde expõe ao extremo a sua arte de micro contos, em que reduz ao mínimo uma história, redige, na verdade, apenas a idéia da história colocando a contradição do significado de uma expressão. Seus microcontos aproximam-se da poesia e se diferenciam por não ser uma escrita de figuras de linguagem.
Como exemplo de um microconto, temos:
“Ela pintava quadros. Ele, paredes.
Conheceram-se. Pintou um clima.
Na cama, pintaram o sete.”
Neste micro conto, ele se utiliza dos vários significados da palavra pintar para criar a sua história. Pintar quadros e paredes, pintar o clima no sentido de haver afinidade entre duas pessoas, pintar o sete no sentido de fazer brincadeiras, no caso, sexuais. Então, ao brincar com o sentido de uma palavra, Wilson Gorj desenvolve o seu microconto, no caso acima, mesmo que ele não descreva, podemos pensar na mulher artista, cheia de sensibilidade, no homem pintor de paredes, cheio de rudeza, ainda sim, conhecem-se, surge o desejo em ambos, sentem-se atraídos e acabam na cama, talvez até pudéssemos classificar como se fosse poesia concreta transcrita para a prosa, mas não é porque a poesia concreta, além do aspecto visual do uso das palavras, também procura transformar o poema em transfiguração da palavra, que é muito diferente do microconto.
No decorrer da leitura, senti o exagero do autor nesta redução. Em muitos casos ao colocar apenas uma frase opondo dois fatos contrários, por exemplo:
“Experimentou todas as chaves do molho, nenhuma lhe abriu o apetite.”
Apesar de eu gostar desta sacada original, o molho de chaves e o apetite, sendo que molho na comida é o que dá novo sabor ao alimento. E, apesar de ter gostado de inúmeras outras, tudo em geral, repleto de ironia, confesso que, ao terminar o livro, não consegui guardar muita coisa do que li na memória, nem mesmo ficou aquela mastigação de uma idéia central tratada num conto, romance ou poema, nem fiquei a pensar no que o autor propôs como idéia de mundo e comecei a entender que não era esta a idéia do autor. Nada ficou gravado na memória, tudo foi tão efêmero quanto o tamanho dos contos. Então, retornei à leitura para compreender melhor porque eu gostei de algo que não ficou na memória.
Realmente, Gorj não se propõe a explicar ou a teorizar o mundo, ele está implícito no mundo, é tão parte da atualidade que acaba por fazer literatura da sociedade sem explicá-la ou teorizá-la.
A leitura acontece e provoca a sensação imediata, feito um doce gostoso, um perfume agradável, uma bela visão de uma borboleta, uma bolha de sabão que estoura. Sem o contexto que envolve cada uma destas sensações, a memória não grava a lembrança da história mas apenas a sensação. Tudo se esvai feito fumaça, gás, uma nuvem que lembra uma forma e no momento seguinte é outra coisa da qual esquecemos da primeira sem perder o gosto de apreciar as nuvens.
Isto causou-me o incômodo de não ser transformado ou tocado por uma grande história que vem e nos impacta ou nos carrega a outros mundos através de elaborações mentais. A redução da história a sua sinopse, reduz a vida daquela história. Retornando ao que disse no parágrafo anterior, para mim, é tão clara a imersão de Gorj no mundo que ele representa a tradução exata da superestrutura da sociedade de hiperconsumo atual para a literatura.
É a necessidade de consumo rápido da sociedade, então, o microconto é consumo rápido da leitura, em seguida, o próximo microconto tem de causar outra sensação, trazer outra antítese ou metáfora ou contradição, diferente da anterior e, no fim, esta repetição acaba sendo sempre a mesma solicitação da sociedade do hiperconsumo. Sempre a rapidez da sensação que vem e causa um impacto suave e agradável e importante, sem dor, sem tristeza, sem levar a alma aos seus recônditos mais cruéis, e logo devemos ter outra sensação agradável e boa. É a transcrição exata da sociedade do hiperconsumo para a literatura.
É importante dizer que isto não pode ser classificado com bom ou ruim, mas como uma forma diferente de se fazer literatura. Os microcontos, apesar de existirem há um bom tempo, aproximam-se muito da literatura atual neste sentido da rapidez do mundo, internete, twiter, email, mensagem instantânea.
E quando Gorj entra na poesia é que podemos fazer uma comparação e aproximação e distensão com o que outros poetas fazem.
Há poemas muito bons como:
VOCÊ
Um punhal
Espetado no meu peito
Meu dilema
É não saber direito
Se a tiro de mim
Ou se cravo até o fim.
Ou
ATRAÇÃO FATAL
Não fale muito próximo
Sua boca é vertiginosa como os abismos
Mais um palmo
E eu me ...
a
t
i
r
o
Então, nos temas poéticos, o autor trata basicamente de poemas de amor e de poemas sobre a poesia e o fazer poético, em geral, utilizando também ao máximo a idéia do mínimo, acaba por não explorar ou se aprofundar na riqueza das figuras de linguagem que ele mesmo cria e produz, ao utilizar da ironia com prodigalidade, fica devendo um pouco mais de conflito que poderia tornar ainda melhor o seu trabalho.
O trabalho de Wilson Gorj é muito bom, inteligente ao utilizar tantas observações interessantes, “sacadas geniais”. Nesta parte poética, ironia do destino, Gorj escreve poemas maiores do que seus microcontos e há poemas, que são verdadeiros microcontos como:
O VAGABUNDO
Dono de todas as ruas
O vagabundo perambula
À procura da cama sonhada
Enquanto não a encontra
Ele dorme pelos cantos
No chão duro das calçadas
Belo poema, quase todo métrico e cheio de ritmo e com um tema social mais abrangente. E não deixa de ser uma história: o vagabundo procura a sua cama, não encontrando, dorme na calçada. Mesmo na poesia, ele não conseguiu abandonar os seus microcontos, ou seja, faz esta mistura entre poesia e prosa.
É isso, Wilson Gorj nos traz os seus microcontos e, muitas vezes, parece-me que fez uma espécie de propaganda, usou trinta segundos do tempo em que estamos no meio do programa e deu o seu recado. Neste caso, o programa seria a nossa vida e o seu microconto seria o intervalo para o comercial. Deste ponto de vista que enxergo o trabalho de Gorj como parte do mundo.
Continuei com a sensação de leveza. A propaganda até nos leva a fortes emoções mas não contesta o capitalismo e o consumo porque é parte desta sociedade consumista. Faltou isso, fazer com que o micro conto seja uma forma de protesto, de revolução do pensamento. Não deixar que o micro conto seja apenas a revolução do formato do conto, mas é preciso que seja a revolução do pensamento.
Leitura do livro: Prometo ser breve
Wilson Gorj é um autor novo que já possui um bom trabalho tanto em participações em livros quanto no universo web e lançou no dia 21 de março de 2010, em Aparecida, o seu segundo livro "Prometo ser Breve", onde expõe ao extremo a sua arte de micro contos, em que reduz ao mínimo uma história, redige, na verdade, apenas a idéia da história colocando a contradição do significado de uma expressão. Seus microcontos aproximam-se da poesia e se diferenciam por não ser uma escrita de figuras de linguagem.
Como exemplo de um microconto, temos:
“Ela pintava quadros. Ele, paredes.
Conheceram-se. Pintou um clima.
Na cama, pintaram o sete.”
Neste micro conto, ele se utiliza dos vários significados da palavra pintar para criar a sua história. Pintar quadros e paredes, pintar o clima no sentido de haver afinidade entre duas pessoas, pintar o sete no sentido de fazer brincadeiras, no caso, sexuais. Então, ao brincar com o sentido de uma palavra, Wilson Gorj desenvolve o seu microconto, no caso acima, mesmo que ele não descreva, podemos pensar na mulher artista, cheia de sensibilidade, no homem pintor de paredes, cheio de rudeza, ainda sim, conhecem-se, surge o desejo em ambos, sentem-se atraídos e acabam na cama, talvez até pudéssemos classificar como se fosse poesia concreta transcrita para a prosa, mas não é porque a poesia concreta, além do aspecto visual do uso das palavras, também procura transformar o poema em transfiguração da palavra, que é muito diferente do microconto.
No decorrer da leitura, senti o exagero do autor nesta redução. Em muitos casos ao colocar apenas uma frase opondo dois fatos contrários, por exemplo:
“Experimentou todas as chaves do molho, nenhuma lhe abriu o apetite.”
Apesar de eu gostar desta sacada original, o molho de chaves e o apetite, sendo que molho na comida é o que dá novo sabor ao alimento. E, apesar de ter gostado de inúmeras outras, tudo em geral, repleto de ironia, confesso que, ao terminar o livro, não consegui guardar muita coisa do que li na memória, nem mesmo ficou aquela mastigação de uma idéia central tratada num conto, romance ou poema, nem fiquei a pensar no que o autor propôs como idéia de mundo e comecei a entender que não era esta a idéia do autor. Nada ficou gravado na memória, tudo foi tão efêmero quanto o tamanho dos contos. Então, retornei à leitura para compreender melhor porque eu gostei de algo que não ficou na memória.
Realmente, Gorj não se propõe a explicar ou a teorizar o mundo, ele está implícito no mundo, é tão parte da atualidade que acaba por fazer literatura da sociedade sem explicá-la ou teorizá-la.
A leitura acontece e provoca a sensação imediata, feito um doce gostoso, um perfume agradável, uma bela visão de uma borboleta, uma bolha de sabão que estoura. Sem o contexto que envolve cada uma destas sensações, a memória não grava a lembrança da história mas apenas a sensação. Tudo se esvai feito fumaça, gás, uma nuvem que lembra uma forma e no momento seguinte é outra coisa da qual esquecemos da primeira sem perder o gosto de apreciar as nuvens.
Isto causou-me o incômodo de não ser transformado ou tocado por uma grande história que vem e nos impacta ou nos carrega a outros mundos através de elaborações mentais. A redução da história a sua sinopse, reduz a vida daquela história. Retornando ao que disse no parágrafo anterior, para mim, é tão clara a imersão de Gorj no mundo que ele representa a tradução exata da superestrutura da sociedade de hiperconsumo atual para a literatura.
É a necessidade de consumo rápido da sociedade, então, o microconto é consumo rápido da leitura, em seguida, o próximo microconto tem de causar outra sensação, trazer outra antítese ou metáfora ou contradição, diferente da anterior e, no fim, esta repetição acaba sendo sempre a mesma solicitação da sociedade do hiperconsumo. Sempre a rapidez da sensação que vem e causa um impacto suave e agradável e importante, sem dor, sem tristeza, sem levar a alma aos seus recônditos mais cruéis, e logo devemos ter outra sensação agradável e boa. É a transcrição exata da sociedade do hiperconsumo para a literatura.
É importante dizer que isto não pode ser classificado com bom ou ruim, mas como uma forma diferente de se fazer literatura. Os microcontos, apesar de existirem há um bom tempo, aproximam-se muito da literatura atual neste sentido da rapidez do mundo, internete, twiter, email, mensagem instantânea.
E quando Gorj entra na poesia é que podemos fazer uma comparação e aproximação e distensão com o que outros poetas fazem.
Há poemas muito bons como:
VOCÊ
Um punhal
Espetado no meu peito
Meu dilema
É não saber direito
Se a tiro de mim
Ou se cravo até o fim.
Ou
ATRAÇÃO FATAL
Não fale muito próximo
Sua boca é vertiginosa como os abismos
Mais um palmo
E eu me ...
a
t
i
r
o
Então, nos temas poéticos, o autor trata basicamente de poemas de amor e de poemas sobre a poesia e o fazer poético, em geral, utilizando também ao máximo a idéia do mínimo, acaba por não explorar ou se aprofundar na riqueza das figuras de linguagem que ele mesmo cria e produz, ao utilizar da ironia com prodigalidade, fica devendo um pouco mais de conflito que poderia tornar ainda melhor o seu trabalho.
O trabalho de Wilson Gorj é muito bom, inteligente ao utilizar tantas observações interessantes, “sacadas geniais”. Nesta parte poética, ironia do destino, Gorj escreve poemas maiores do que seus microcontos e há poemas, que são verdadeiros microcontos como:
O VAGABUNDO
Dono de todas as ruas
O vagabundo perambula
À procura da cama sonhada
Enquanto não a encontra
Ele dorme pelos cantos
No chão duro das calçadas
Belo poema, quase todo métrico e cheio de ritmo e com um tema social mais abrangente. E não deixa de ser uma história: o vagabundo procura a sua cama, não encontrando, dorme na calçada. Mesmo na poesia, ele não conseguiu abandonar os seus microcontos, ou seja, faz esta mistura entre poesia e prosa.
É isso, Wilson Gorj nos traz os seus microcontos e, muitas vezes, parece-me que fez uma espécie de propaganda, usou trinta segundos do tempo em que estamos no meio do programa e deu o seu recado. Neste caso, o programa seria a nossa vida e o seu microconto seria o intervalo para o comercial. Deste ponto de vista que enxergo o trabalho de Gorj como parte do mundo.
Continuei com a sensação de leveza. A propaganda até nos leva a fortes emoções mas não contesta o capitalismo e o consumo porque é parte desta sociedade consumista. Faltou isso, fazer com que o micro conto seja uma forma de protesto, de revolução do pensamento. Não deixar que o micro conto seja apenas a revolução do formato do conto, mas é preciso que seja a revolução do pensamento.
terça-feira, 23 de março de 2010
Rogério Rodrigues e a voz do subúrbio
Rogério Rodrigues é um escritor joseense que lançou em março de 2010 o livro "Contos e Descrenças" em que narra alguns episódios de sua vida em forma de ficção e também se arrisca na poesia. Se levássemos em conta a sequência narrativa de suas histórias, talvez não déssemos o devido valor ao seu talento, pois ele comete erros diversos em língua portuguesa e, muitas vezes, torna difícil a concatenação das frases, precisei em alguns casos de uma releitura apurada para compreender o sentido de algumas expressões por ele utilizadas.
No entanto, apesar de ser uma dificuldade do escritor, mostrando bem sua origem humilde de família trabalhadora, moradora da periferia de São José dos Campos, dez irmãos, pai assalariado. Sua forma de escrever pode levar alguns a desqualificá-lo, talvez dizer que ele não tem o "glamour" de escrever difícil. O que não deixa de ser verdade, ele não tem uma escrita de palavras difíceis, até porque compreendo que ele não teve a quantidade e qualidade necessária de estudo, considerando que é formado na escola pública.
Rogério não tem vergonha de sua origem humilde e, analisando o seu texto, comecei a compreender que isto, de certa forma, traz a palavra para perto do linguajar utilizado pelo público urbano da periferia, as estruturas do texto são as mesmas da estrutura de pensamento do povo. Por exemplo, quando escreve (pag 11 em "Os Grandes Vilões"):
"Minha ideia, apesar de estar somente na mente, era pagar um açaí bem geladinho para nós. Mas algo logo veio a mudar meus planos".
Um outro escritor diria algo mais simplificado como "Minha ideia era pagar um açaí bem geladinho para nós". Não usaria a expressão "apesar de estar somente na mente" pois, deduz que uma ideia está somente na mente. Mas esta é uma forma corriqueira em Rogério Rodrigues, logo em seguida do mesmo texto, ele usa outra frase:
"Meu irmão a fim de não acabar com o bom humor que estava entre nós, tirou o cavalinho da chuva... Eu já inocente de que aquele gasto viria de meu bolso...".
Ou (página 7, em "O fantástico mundo de Jaspion"):
"Com a rotina de folga" em vez de "Com a folga na rotina", "levantei-me às 10 horas sobre o silêncio" em vez de "em silêncio", "a poucos passos pegando-me uma caneca".
(Página 57, em "Eternamente Ilza")
"O dia continuava a prosseguir. As horas se passavam. Dali a algumas horas, meu expediente viria a se encerrar. Com as horas se passando...", aqui, achei interessante a repetição da mesma frase, pareceu-me que o autor queria mostrar a demora do tempo em passar, mesmo utilizando "continuava a prosseguir", que é redundante.
Todas estas expressões são usadas frequentemente pelo povo na rua, que reforçam, redundam, esquecem, não compreendem o sentido correto das palavras, isto, Rogério traz para o livro.
A escrita deste autor com estas expressões mostra outra forma de usar as palavras em linguagem coloquial, transcritas para a linguagem escrita tal qual são utilizadas naquela forma, mostrando a diferença de estrutura de pensamento entre a linguagem coloquial suburbana para a culta.
Mesmo assim, não devo considerar a escrita coloquial do texto de Rogério como algo incorreto pois é a forma verbal usada pelo povo em seu cotidiano. Mas ressalto que é necessário que o escritor consiga compreender a necessidade de domar este seu jeito coloquial para que os textos sejam mais concisos.
Em relação aos textos, apesar de utilizar o termo Contos no título, vemos que é uma miscelânea, há crônicas do cotidiano, contos, poemas que mais se aproximam da prosa. De todos, o melhor e mais verdadeiro conto é "A Mal Amada", além de ser divertido, conta com um bom final. Aliás, o humor é uma característica interessante no autor, que ele utiliza em outras histórias.
Na poesia, Rogério ainda é iniciante, estágio mais de desabafo do que de poética. Poesia necessita de figuras de linguagem ricas e instigantes, e, considerando que, para isso, é necessário muita leitura, observação e estudo, vemos que ainda falta isso nele.
Tudo isso não tira as qualidades que encontrei neste escritor que são o dinamismo dos textos, o corte das frases que lembra, muitas vezes, a trechos de poesia em prosa, o ritmo de leitura muito bom que ele consegue impor e a inserção da linguagem coloquial na literatura.
Além de tudo isso, tenho de destacar a garra deste autor em fazer a literatura. Rogério, em seu jeito simples, está fazendo bem o que muitos autores não conseguem fazer: está dando voz ao subúrbio, à sua gente simples e trabalhadora, que tem suas fantasias, seus desejos, seus problemas como toda gente tem. E um caminho para ele é inserir esta voz do subúrbio em um texto mais literário.
Outros autores, de origem mais abastada, escrevem de forma culta muito bem, ao falar das pessoas do povo, idealizam e transformam o texto para o mais próximo possível do que seria esta voz, mas Rogério vive esta voz, percebe-se a diferença na estrutura do pensamento e do texto. E creio que este é o caminho que ele deve ter em mente: não esquecer a sua gente, o seu povo, escrever sobre isso, fazer esta literatura mas... e aí está o grande problema: ainda falta base para Rogério. Ele precisa continuar escrevendo, mas precisa, também, ler mais, estudar mais, compreender melhor as figuras de linguagem, compreender o uso correto dos verbos, entender o funcionamento da língua escrita que é muito diferente da lingua falada. Sua origem lhe dá a vantagem se aproximar do povo e a desvantagem de se afastar da literatura. Para transformar seus textos em verdadeira literatura, ele precisa aprender porque escreve deste jeito, porque é importante dar voz à sua raíz mas colocar a base na literatura que foi feita anteriormente. É necessário aprender o passado para poder quebrar os paradigmas. Ele pode sim escrever na forma coloquial, suburbana, mas precisa saber escrever também na forma culta, para evitar que erros muito grosseiros aconteçam. Falta ainda esta qualidade nele.
Preciso lembrar que, por um curto período de tempo, há muitos anos atrás, eu lecionei em escola estadual e senti na pele o que o governo do estado tem feito com a educação, desvalorizando a figura do professor e desestimulando os alunos ano após ano, por isso, pinçar, destes milhões de alunos, alguém que tem a coragem de escrever e contar o que sente à sua maneira é algo que me deixa emocionado, ele tem a coragem de enfrentar a sua dificuldade de compreensão do seu texto, coloca seu trabalho à mostra, deixa o seu telhado de vidro exposto para levar as pedradas e isto me leva a refletir o porque o escritor escreve e a resposta é sempre a mesma: o verdadeiro escritor não escreve para ser rico, famoso ou admirado, escreve porque necessita dar voz ao seu coração. É isso que Rogério faz.
No entanto, apesar de ser uma dificuldade do escritor, mostrando bem sua origem humilde de família trabalhadora, moradora da periferia de São José dos Campos, dez irmãos, pai assalariado. Sua forma de escrever pode levar alguns a desqualificá-lo, talvez dizer que ele não tem o "glamour" de escrever difícil. O que não deixa de ser verdade, ele não tem uma escrita de palavras difíceis, até porque compreendo que ele não teve a quantidade e qualidade necessária de estudo, considerando que é formado na escola pública.
Rogério não tem vergonha de sua origem humilde e, analisando o seu texto, comecei a compreender que isto, de certa forma, traz a palavra para perto do linguajar utilizado pelo público urbano da periferia, as estruturas do texto são as mesmas da estrutura de pensamento do povo. Por exemplo, quando escreve (pag 11 em "Os Grandes Vilões"):
"Minha ideia, apesar de estar somente na mente, era pagar um açaí bem geladinho para nós. Mas algo logo veio a mudar meus planos".
Um outro escritor diria algo mais simplificado como "Minha ideia era pagar um açaí bem geladinho para nós". Não usaria a expressão "apesar de estar somente na mente" pois, deduz que uma ideia está somente na mente. Mas esta é uma forma corriqueira em Rogério Rodrigues, logo em seguida do mesmo texto, ele usa outra frase:
"Meu irmão a fim de não acabar com o bom humor que estava entre nós, tirou o cavalinho da chuva... Eu já inocente de que aquele gasto viria de meu bolso...".
Ou (página 7, em "O fantástico mundo de Jaspion"):
"Com a rotina de folga" em vez de "Com a folga na rotina", "levantei-me às 10 horas sobre o silêncio" em vez de "em silêncio", "a poucos passos pegando-me uma caneca".
(Página 57, em "Eternamente Ilza")
"O dia continuava a prosseguir. As horas se passavam. Dali a algumas horas, meu expediente viria a se encerrar. Com as horas se passando...", aqui, achei interessante a repetição da mesma frase, pareceu-me que o autor queria mostrar a demora do tempo em passar, mesmo utilizando "continuava a prosseguir", que é redundante.
Todas estas expressões são usadas frequentemente pelo povo na rua, que reforçam, redundam, esquecem, não compreendem o sentido correto das palavras, isto, Rogério traz para o livro.
A escrita deste autor com estas expressões mostra outra forma de usar as palavras em linguagem coloquial, transcritas para a linguagem escrita tal qual são utilizadas naquela forma, mostrando a diferença de estrutura de pensamento entre a linguagem coloquial suburbana para a culta.
Mesmo assim, não devo considerar a escrita coloquial do texto de Rogério como algo incorreto pois é a forma verbal usada pelo povo em seu cotidiano. Mas ressalto que é necessário que o escritor consiga compreender a necessidade de domar este seu jeito coloquial para que os textos sejam mais concisos.
Em relação aos textos, apesar de utilizar o termo Contos no título, vemos que é uma miscelânea, há crônicas do cotidiano, contos, poemas que mais se aproximam da prosa. De todos, o melhor e mais verdadeiro conto é "A Mal Amada", além de ser divertido, conta com um bom final. Aliás, o humor é uma característica interessante no autor, que ele utiliza em outras histórias.
Na poesia, Rogério ainda é iniciante, estágio mais de desabafo do que de poética. Poesia necessita de figuras de linguagem ricas e instigantes, e, considerando que, para isso, é necessário muita leitura, observação e estudo, vemos que ainda falta isso nele.
Tudo isso não tira as qualidades que encontrei neste escritor que são o dinamismo dos textos, o corte das frases que lembra, muitas vezes, a trechos de poesia em prosa, o ritmo de leitura muito bom que ele consegue impor e a inserção da linguagem coloquial na literatura.
Além de tudo isso, tenho de destacar a garra deste autor em fazer a literatura. Rogério, em seu jeito simples, está fazendo bem o que muitos autores não conseguem fazer: está dando voz ao subúrbio, à sua gente simples e trabalhadora, que tem suas fantasias, seus desejos, seus problemas como toda gente tem. E um caminho para ele é inserir esta voz do subúrbio em um texto mais literário.
Outros autores, de origem mais abastada, escrevem de forma culta muito bem, ao falar das pessoas do povo, idealizam e transformam o texto para o mais próximo possível do que seria esta voz, mas Rogério vive esta voz, percebe-se a diferença na estrutura do pensamento e do texto. E creio que este é o caminho que ele deve ter em mente: não esquecer a sua gente, o seu povo, escrever sobre isso, fazer esta literatura mas... e aí está o grande problema: ainda falta base para Rogério. Ele precisa continuar escrevendo, mas precisa, também, ler mais, estudar mais, compreender melhor as figuras de linguagem, compreender o uso correto dos verbos, entender o funcionamento da língua escrita que é muito diferente da lingua falada. Sua origem lhe dá a vantagem se aproximar do povo e a desvantagem de se afastar da literatura. Para transformar seus textos em verdadeira literatura, ele precisa aprender porque escreve deste jeito, porque é importante dar voz à sua raíz mas colocar a base na literatura que foi feita anteriormente. É necessário aprender o passado para poder quebrar os paradigmas. Ele pode sim escrever na forma coloquial, suburbana, mas precisa saber escrever também na forma culta, para evitar que erros muito grosseiros aconteçam. Falta ainda esta qualidade nele.
Preciso lembrar que, por um curto período de tempo, há muitos anos atrás, eu lecionei em escola estadual e senti na pele o que o governo do estado tem feito com a educação, desvalorizando a figura do professor e desestimulando os alunos ano após ano, por isso, pinçar, destes milhões de alunos, alguém que tem a coragem de escrever e contar o que sente à sua maneira é algo que me deixa emocionado, ele tem a coragem de enfrentar a sua dificuldade de compreensão do seu texto, coloca seu trabalho à mostra, deixa o seu telhado de vidro exposto para levar as pedradas e isto me leva a refletir o porque o escritor escreve e a resposta é sempre a mesma: o verdadeiro escritor não escreve para ser rico, famoso ou admirado, escreve porque necessita dar voz ao seu coração. É isso que Rogério faz.
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
CRISTINA FAGA - O MERGULHO NAS ESCOLHAS DO MUNDO
A proposta deste blog é de compreender a poesia dos poetas que atuam no Vale do Paraíba, e, desta forma, compreender a vida das pessoas que aqui vivem. Autorizo-me um aparte na proposta deste blog e anuncio a todos que há uma escritora excelente e ao mesmo tempo desconhecida, e que seja desconhecida apenas por enquanto, desejo que ela seja logo lida e relida por todos que gostam de boas histórias bem contadas, por todos aqueles que adoram a literatura brasileira.
Cristina Faga não mora no Vale do Paraíba, mas tem uma ligação afetiva com São José dos Campos, até se permitiu relançar o seu livro de estréia no SESC em outubro de 2009, e o destino, este mistério divino, colocou-me felizmente ao seu lado e, não fosse isso, talvez eu nunca soubesse da beleza de suas palavras.
Suas histórias despertaram em mim no campo da prosa, a mesma paixão que tive ao ler o livro "Alfazema" de Zenilda Lua, no campo da poesia. Estas mulheres fantásticas, com suas letras tão bem trabalhadas, conseguem chegar no âmago da alma, naquele mais íntimo que a ninguém se revela mas, nas entrelinhas, tudo escancara com delicadeza e amor, resultante de um trabalho que se vê repleto de paixão pela vida e pela palavra.
É uma pena que a extensão de um conto não me permite publicá-los todos aqui.
Cristina Faga é uma jovem escritora que publicou apenas um livro até o momento, um pequeno livro de contos chamado "Dhamaríades Flora - A menina-árvore e outros contos". É pouco para quem transborda de talento literário como ela. O seu texto é um deleite. É adorável ler suas histórias tão bem construídas, em que os personagens são estruturados em vidas aparentemente comuns, para os quais a autora revela a generosidade e grandiosidade dos pequenos atos, o heroísmo e também, em muitos casos, a miséria de suas mesquinharias cotidianas. Para quem puder, recomendo, após cada conto, que o leitor pare, feche os olhos e imagine a história, deixando fluir o tempo.
As histórias, o texto, tudo na literatura desta jovem autora é feito com precisão, não há palavras sobrando e nem repetição de idéias, uma concepção de mundo feita com o carinho de quem se dedica a contar bem uma boa história.
Este pequeno livro é uma grande obra-prima da literatura brasileira atual, dando continuidade a tradição literária dos nossos grandes contistas, iniciada lá atrás com Machado de Assis. Sua temática atualíssima nos traz o prazer da boa leitura, com conceitos bem construídos. Apesar da delicadeza com que ela coloca suas palavras, não esperem historinhas de água com açúcar, mas a realidade da dureza da vida confrontada com a dificuldade do indivíduo em enfrentar a sua própria solidão diante de um mundo repleto de escolhas. Quando falo em delicadeza, preciso esclarecer que significa que ela não se utiliza de palavrões, escatologia, sangue, mortes, e outros recursos para contar suas histórias. Apenas conta a história.
No primeiro conto: "Dhamaríades Flora, a Menina-árvore", ela traz a tona a dificuldade da idéia nova, representada pela protagonista, de se firmar no mundo, a nova idéia precisa morrer para dar frutos, ou seria o novo mundo que a protagonista propõe que não tem lugar neste nosso mundo velho e mesquinho? A menina árvore não encontra seu espaço em nenhum lugar porque a ela tudo é estranho, visto que ela é a novidade e a diferença e que o mundo em que vivemos, com sua ganância e mesquinharia, não consegue aceitá-la ou lhe dar espaço, destruindo-a. Seriam as novas idéias fadadas à destruição? Sua morte poderia dar frutos? Há ainda algum espaço para nobres intenções? São questões que se colocam neste belo conto.
Já "Tio Sibério" é um conto belíssimo. Uma alegoria de amor de uma sobrinha por seu tio, na verdade, uma alegoria sobre a dedicação e persistência de uma mulher que ama para atingir o coração de um homem. A autora coloca a seguinte questão: como é possível à mulher atingir e transformar a alma masculina? E responde: somente com dedicação e amor na busca da perfeição. Esta é a novidade, num mundo que obriga a mulher a se igualar ao homem, a autora mostra que a mulher, ao atingir a alma masculina, compreende a fragilidade desta alma, ao mesmo tempo, dá-lhe a possibilidade de ser feliz, pois, ao se revelar a uma mulher, o homem se transforma e encontra a felicidade.
De certa foram, continua com esta idéia em "Jacarés e Lagartos no Ar", que é um conto de fadas moderno em que o príncipe encantado não surge num cavalo branco mas numa potente Harley-Davidson. Mas ela inverte o papel, aqui, é a mulher que encontra a salvação e o sentido de sua vida no homem. Apesar disso, a autora não é feminista ou machista, não lhe cabendo estes rótulos, é apenas uma mulher que ama. No entanto, o mais interessante desta história é o papel decisivo da mãe da protagonista como o motor da mudança na vida da filha. É a mãe que empurra a filha para a vida, mas, ao mesmo tempo, somente a escolha da filha pelo risco de viver é que pode fazer com que a vida realmente aconteça. A mãe é o propulsor mas a escolha da filha é que faz a vida andar. Então, aí, temos vários questionamentos, o papel do pai ausente, o papel da mãe, o desejo da filha, a possibilidade de amores impossíveis desde que se tenha fé, e o principal, a vida só pode acontecer quando a pessoa deseja que ela aconteça.
Mudando o rumo do livro, no conto "Polos Opostos", ela trata da troca de favores entre dois amigos, ou melhor, de um favor forçado por um que será cobrado em outro momento, algo muito típico, mas, nesta troca em que os dois ganham e, posteriormente, prova que os dois perderam, mistura sentimentos ambíguos existentes entre os protagonistas. Traz a dificuldade de percebermos ações gratuitas ou não das pessoas, até que ponto um favor é algo gratuito? Esta moral ambígua de um dos protagonistas revela-se prejudicial ao outro, levando o outro ao erro.
"Uma Nau Incomum" é, basicamente, uma história excelente para crianças, curta, simples e de fácil entendimento, mas muito bem escrita do ponto de vista de estrutura do conto e de linguagem.
Já "A Melhor História" é um conto fantástico, muito bem elaborado, que retoma a idéia da inadaptabilidade de uma menina ao mundo, no caso uma índia, e também da admiração pelo diferente, pelo mistério, pela aventura da menina da cidade em relação à menina da floresta.
A autora revelou-se bastante amarga no último conto, "Pequenas Coisas", em que mostra uma vida totalmente sem saída, uma vida que se deixou viver pelos outros, de certa forma é, também, um alerta, de que nós não devemos deixar que a vida dos outros se faça nossa, devemos fazer a nossa vida acontecer. O mundo nos influencia e nos carrega mas, se sempre nos levarmos pelo mundo, estamos fadados a uma existência menos que medíocre, uma existência ínfima. Talvez, apesar da tristeza carregada até o extremo neste conto, possamos concluir que é necessário vivermos e trabalhar para a mudança, fugir do conforto material, fugir do conforto psicológico e se arriscar no mundo, pois é melhor uma vida cheia de dificuldades mas desejada, do que uma vida infeliz com algum conforto.
A escritora consegue falar de diversos assuntos, e isto é que faz o livro ser interessante e gostoso de ler. Ao se prender a um tema, à história de uma personagem, ela mostra as várias facetas da vida, cada um poderá tirar suas conclusões. Importante é ressaltar que ela não se propõe a dar lições de vida ou de moral, apenas conta a história e aprofunda-se na dor de cada personagem sem ser piegas, sem dar lições, expõe a vida e deixa ao leitor tirar suas conclusões.
Do ponto de vista da estrutura dos contos, as histórias seguem uma linha tradicional, onde os personagens e ambientes são descritos, e, posteriormente, são descritos os fatos que alteram o estado inicial dos personagens para posterior conclusão. A autora evitou dar lições de moral ou fazer juízos de valor, apenas apresenta as histórias deixando ao leitor concluir.
Da idéia de mundo, a autora nos deixa com um certo sabor amargo, com um pouco de tristeza ao ver que as personagens não conseguem se adaptar, não conseguem enxergar o lado belo da vida, não conseguem ir à luta, tomar decisões. Vivem porque o mundo lhes impõe a decisão e não porque desejam. Um mundo em que os sonhos não se realizam, não vingam, não crescem e nem se transformam. Será este o mundo em que vivemos? De certa forma, a autora está certa. Sabemos como é difícil fazer com que os nossos desejos se realizem e é preciso tempo, inteligência, perseverança para que obtenhamos as realizações.
As personagens de Cristina Faga são muito frágeis e incapazes de perseverar, mas não são incapazes de resilir e, neste ponto, está a salvação, a resiliência, a aceitação deste mundo assim como ele é para obter a salvação. São personagens que não brigam pelo seu espaço, em geral, deixam que as coisas aconteçam.
Ainda assim, por isso mesmo, pela beleza do texto, recomendo que leiam, não percam a oportunidade. É um livro raro e de excelente qualidade literária. Vale a pena perscrutar os meandros da existência de cada um dos personagens do livro, de tão bem delineadas que foram suas características.
Todos os personagens, de certa forma, mergulham de cabeça em busca de algo que lhes falta, é assim com Dhamaríades Flora, que entra na floresta para encontrar o mundo que deseja, Tio Sibério que mergulha na sua própria alma, a moça que se arrisca ao entrar no mundo de um homem diferente dela, o professor que se aprofunda no estudo de livro imaginário, a menina da cidade que conhece o mistério da menina indígena, e a empregada que vive de verdade em seu mundo de sonhos.
Sendo exceção, a mãe que sai de seu mundo que será inundado para ir para outro lugar, fazendo isso apenas porque ainda tem uma filha em "A Escolha". Alguns encontram a vida neste mergulho, outros encontram a morte, mostrando-nos que sempre haverá um risco nas nossas escolhas.
É isto, acessem o blog da escritora através do site http://www.valeliteratura.com.br/ e conheçam um pouco mais. eu aguardarei ansioso suas novas histórias.
Se me perguntarem se tem algum ponto negativo no livro? Eu diria que sim, faltou ousadia na linguagem e na estrutura do conto. É literatura feita da maneira mais tradicional, sem rompimentos com estilos literários anteriores, no entanto, acredito que era esta a proposta da autora e, mesmo para realizar estes rompimentos, precisamos fazer bem feito o estilo literário anterior para, depois, romper com este estilo. Acho que isso ainda vai acontecer. A autora entende muito do tema.
Cristina Faga não mora no Vale do Paraíba, mas tem uma ligação afetiva com São José dos Campos, até se permitiu relançar o seu livro de estréia no SESC em outubro de 2009, e o destino, este mistério divino, colocou-me felizmente ao seu lado e, não fosse isso, talvez eu nunca soubesse da beleza de suas palavras.
Suas histórias despertaram em mim no campo da prosa, a mesma paixão que tive ao ler o livro "Alfazema" de Zenilda Lua, no campo da poesia. Estas mulheres fantásticas, com suas letras tão bem trabalhadas, conseguem chegar no âmago da alma, naquele mais íntimo que a ninguém se revela mas, nas entrelinhas, tudo escancara com delicadeza e amor, resultante de um trabalho que se vê repleto de paixão pela vida e pela palavra.
É uma pena que a extensão de um conto não me permite publicá-los todos aqui.
Cristina Faga é uma jovem escritora que publicou apenas um livro até o momento, um pequeno livro de contos chamado "Dhamaríades Flora - A menina-árvore e outros contos". É pouco para quem transborda de talento literário como ela. O seu texto é um deleite. É adorável ler suas histórias tão bem construídas, em que os personagens são estruturados em vidas aparentemente comuns, para os quais a autora revela a generosidade e grandiosidade dos pequenos atos, o heroísmo e também, em muitos casos, a miséria de suas mesquinharias cotidianas. Para quem puder, recomendo, após cada conto, que o leitor pare, feche os olhos e imagine a história, deixando fluir o tempo.
As histórias, o texto, tudo na literatura desta jovem autora é feito com precisão, não há palavras sobrando e nem repetição de idéias, uma concepção de mundo feita com o carinho de quem se dedica a contar bem uma boa história.
Este pequeno livro é uma grande obra-prima da literatura brasileira atual, dando continuidade a tradição literária dos nossos grandes contistas, iniciada lá atrás com Machado de Assis. Sua temática atualíssima nos traz o prazer da boa leitura, com conceitos bem construídos. Apesar da delicadeza com que ela coloca suas palavras, não esperem historinhas de água com açúcar, mas a realidade da dureza da vida confrontada com a dificuldade do indivíduo em enfrentar a sua própria solidão diante de um mundo repleto de escolhas. Quando falo em delicadeza, preciso esclarecer que significa que ela não se utiliza de palavrões, escatologia, sangue, mortes, e outros recursos para contar suas histórias. Apenas conta a história.
No primeiro conto: "Dhamaríades Flora, a Menina-árvore", ela traz a tona a dificuldade da idéia nova, representada pela protagonista, de se firmar no mundo, a nova idéia precisa morrer para dar frutos, ou seria o novo mundo que a protagonista propõe que não tem lugar neste nosso mundo velho e mesquinho? A menina árvore não encontra seu espaço em nenhum lugar porque a ela tudo é estranho, visto que ela é a novidade e a diferença e que o mundo em que vivemos, com sua ganância e mesquinharia, não consegue aceitá-la ou lhe dar espaço, destruindo-a. Seriam as novas idéias fadadas à destruição? Sua morte poderia dar frutos? Há ainda algum espaço para nobres intenções? São questões que se colocam neste belo conto.
Já "Tio Sibério" é um conto belíssimo. Uma alegoria de amor de uma sobrinha por seu tio, na verdade, uma alegoria sobre a dedicação e persistência de uma mulher que ama para atingir o coração de um homem. A autora coloca a seguinte questão: como é possível à mulher atingir e transformar a alma masculina? E responde: somente com dedicação e amor na busca da perfeição. Esta é a novidade, num mundo que obriga a mulher a se igualar ao homem, a autora mostra que a mulher, ao atingir a alma masculina, compreende a fragilidade desta alma, ao mesmo tempo, dá-lhe a possibilidade de ser feliz, pois, ao se revelar a uma mulher, o homem se transforma e encontra a felicidade.
De certa foram, continua com esta idéia em "Jacarés e Lagartos no Ar", que é um conto de fadas moderno em que o príncipe encantado não surge num cavalo branco mas numa potente Harley-Davidson. Mas ela inverte o papel, aqui, é a mulher que encontra a salvação e o sentido de sua vida no homem. Apesar disso, a autora não é feminista ou machista, não lhe cabendo estes rótulos, é apenas uma mulher que ama. No entanto, o mais interessante desta história é o papel decisivo da mãe da protagonista como o motor da mudança na vida da filha. É a mãe que empurra a filha para a vida, mas, ao mesmo tempo, somente a escolha da filha pelo risco de viver é que pode fazer com que a vida realmente aconteça. A mãe é o propulsor mas a escolha da filha é que faz a vida andar. Então, aí, temos vários questionamentos, o papel do pai ausente, o papel da mãe, o desejo da filha, a possibilidade de amores impossíveis desde que se tenha fé, e o principal, a vida só pode acontecer quando a pessoa deseja que ela aconteça.
Mudando o rumo do livro, no conto "Polos Opostos", ela trata da troca de favores entre dois amigos, ou melhor, de um favor forçado por um que será cobrado em outro momento, algo muito típico, mas, nesta troca em que os dois ganham e, posteriormente, prova que os dois perderam, mistura sentimentos ambíguos existentes entre os protagonistas. Traz a dificuldade de percebermos ações gratuitas ou não das pessoas, até que ponto um favor é algo gratuito? Esta moral ambígua de um dos protagonistas revela-se prejudicial ao outro, levando o outro ao erro.
"Uma Nau Incomum" é, basicamente, uma história excelente para crianças, curta, simples e de fácil entendimento, mas muito bem escrita do ponto de vista de estrutura do conto e de linguagem.
Já "A Melhor História" é um conto fantástico, muito bem elaborado, que retoma a idéia da inadaptabilidade de uma menina ao mundo, no caso uma índia, e também da admiração pelo diferente, pelo mistério, pela aventura da menina da cidade em relação à menina da floresta.
A autora revelou-se bastante amarga no último conto, "Pequenas Coisas", em que mostra uma vida totalmente sem saída, uma vida que se deixou viver pelos outros, de certa forma é, também, um alerta, de que nós não devemos deixar que a vida dos outros se faça nossa, devemos fazer a nossa vida acontecer. O mundo nos influencia e nos carrega mas, se sempre nos levarmos pelo mundo, estamos fadados a uma existência menos que medíocre, uma existência ínfima. Talvez, apesar da tristeza carregada até o extremo neste conto, possamos concluir que é necessário vivermos e trabalhar para a mudança, fugir do conforto material, fugir do conforto psicológico e se arriscar no mundo, pois é melhor uma vida cheia de dificuldades mas desejada, do que uma vida infeliz com algum conforto.
A escritora consegue falar de diversos assuntos, e isto é que faz o livro ser interessante e gostoso de ler. Ao se prender a um tema, à história de uma personagem, ela mostra as várias facetas da vida, cada um poderá tirar suas conclusões. Importante é ressaltar que ela não se propõe a dar lições de vida ou de moral, apenas conta a história e aprofunda-se na dor de cada personagem sem ser piegas, sem dar lições, expõe a vida e deixa ao leitor tirar suas conclusões.
Do ponto de vista da estrutura dos contos, as histórias seguem uma linha tradicional, onde os personagens e ambientes são descritos, e, posteriormente, são descritos os fatos que alteram o estado inicial dos personagens para posterior conclusão. A autora evitou dar lições de moral ou fazer juízos de valor, apenas apresenta as histórias deixando ao leitor concluir.
Da idéia de mundo, a autora nos deixa com um certo sabor amargo, com um pouco de tristeza ao ver que as personagens não conseguem se adaptar, não conseguem enxergar o lado belo da vida, não conseguem ir à luta, tomar decisões. Vivem porque o mundo lhes impõe a decisão e não porque desejam. Um mundo em que os sonhos não se realizam, não vingam, não crescem e nem se transformam. Será este o mundo em que vivemos? De certa forma, a autora está certa. Sabemos como é difícil fazer com que os nossos desejos se realizem e é preciso tempo, inteligência, perseverança para que obtenhamos as realizações.
As personagens de Cristina Faga são muito frágeis e incapazes de perseverar, mas não são incapazes de resilir e, neste ponto, está a salvação, a resiliência, a aceitação deste mundo assim como ele é para obter a salvação. São personagens que não brigam pelo seu espaço, em geral, deixam que as coisas aconteçam.
Ainda assim, por isso mesmo, pela beleza do texto, recomendo que leiam, não percam a oportunidade. É um livro raro e de excelente qualidade literária. Vale a pena perscrutar os meandros da existência de cada um dos personagens do livro, de tão bem delineadas que foram suas características.
Todos os personagens, de certa forma, mergulham de cabeça em busca de algo que lhes falta, é assim com Dhamaríades Flora, que entra na floresta para encontrar o mundo que deseja, Tio Sibério que mergulha na sua própria alma, a moça que se arrisca ao entrar no mundo de um homem diferente dela, o professor que se aprofunda no estudo de livro imaginário, a menina da cidade que conhece o mistério da menina indígena, e a empregada que vive de verdade em seu mundo de sonhos.
Sendo exceção, a mãe que sai de seu mundo que será inundado para ir para outro lugar, fazendo isso apenas porque ainda tem uma filha em "A Escolha". Alguns encontram a vida neste mergulho, outros encontram a morte, mostrando-nos que sempre haverá um risco nas nossas escolhas.
É isto, acessem o blog da escritora através do site http://www.valeliteratura.com.br/ e conheçam um pouco mais. eu aguardarei ansioso suas novas histórias.
Se me perguntarem se tem algum ponto negativo no livro? Eu diria que sim, faltou ousadia na linguagem e na estrutura do conto. É literatura feita da maneira mais tradicional, sem rompimentos com estilos literários anteriores, no entanto, acredito que era esta a proposta da autora e, mesmo para realizar estes rompimentos, precisamos fazer bem feito o estilo literário anterior para, depois, romper com este estilo. Acho que isso ainda vai acontecer. A autora entende muito do tema.
sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
NUNES RIOS – UM POETA EM BUSCA DA SUA FORMA
Apesar de ainda não ter livros publicados, tenho lido os poemas de Nunes Rios publicados em seu blog (http://nunes.rios.nafoto.net/) e percebo muita coisa interessante, vi um olhar atento sobre a passagem do tempo e a sua influência sobre as pessoas, parece-me que o poeta tenta encontrar-se na idade madura, buscando as influências que teve em outros tempos, em outras paisagens, procurando, na verdade, o seu espaço, o seu lugar no mundo.
Nunes Rios ainda não encontrou a sua forma poética, muitos poemas estão vindo em formato mais curto e sintético, e destes, tenho gostado muito, cito dois poemas muito bons como exemplo:
UAI
Cidadezinha mineira tem torresmo na panela
Mulher faladeira, tagarela,
Sinos dobram nas torres das igrejas
Moda de paixão de retireiro
Sonhos de empregados de a meio
Café quente e queijo branco
Encostar a mula em barranco
Mascar mato e roçar pasto
Biscoito de polvilho e muito frio
Cidadezinha mineira, uai, uai,
E muita paz.
Neste poema, o poeta conseguiu ser bastante sintético, resumiu com perfeição o sentimento caboclo do mineiro vinculado a um estilo de vida rural e próximo da roça. Quem visitou uma cidadezinha mineira, sabe que é exatamente assim o sentimento do povo, aquela coisa bucólica e simples, de comidas caseiras e café com queijo. Boa esta captação de um vínculo que o poeta não perdeu.
Nesta linha de vínculos afetivos do poeta com sua infância ou com suas origens, ele escreveu:
O MENINO BAGUNCEIRO 2
Na descida da rua da Alemã
Eu andava de carrinho de rolimã
A velha chata, um tanto ingrata para
Ela a vida sempre estava ruim
Bela casa, bela horta, belo jardim
E um belo pé de romã.
A velha coroca não gostava de crianças.
Então, eu disse: deixa estar, eu vou lhe roubar
Belos frutos de romã. E depois cantar:
“Romã, romã, romã, rolimã, rolimã, rolimã,
Romã, romã, romã, rolimã, rolimã, rolimã.
Aqui, vemos outra faceta, que é a de contar a infância de um tempo que quase não existe mais, pelo menos, nestas cidades industriais do Vale do Paraíba, andar de carrinho de rolimã e roubar fruta no pé, coisas deliciosas que fazíamos em criança, sem contar o espírito desafiador do protagonista do poema (Deixa estar, eu vou lhe roubar), qual menino não quis ser o mais corajoso da sua turma? Outra coisa boa neste poema é a brincadeira romã-rolimã, uma pequena provocação que o menino/poeta faz. Tem uma sonoridade agradável.
Mas o poeta ainda não encontrou a forma adequada da sua poesia, parece em busca do seu estilo, do seu formato, então, algumas vezes, ele erra, quando escreve:
HUMANÓIDE
Ser humano
Estar humano
É desumano
O não humano
Menos mano
Tanto insano
Neste plano
A repetição de “mano” ou “ano” em todas as estrofes não funcionou porque o tema é um tema tratado por muitos outros poetas, humano-desumano-insano. Válida é a preocupação com o que é humano ou não, ou se a loucura é humana ou não, no entanto, as palavras são semelhantes a que outros poetas já fizeram.
Retornando ao tema inicial, da saudade de outros tempos, temos o bom poema:
O PIÃO
Enrolei todo o meu pião
E joguei-o no chão
Ele girou, girou e girou
Girou como os dias da minha infância
Rápido demais
Que vontade de brincar um pouco mais.
À temática da saudade da infância, o poeta incorpora a dureza de viver no mundo adulto, pois desejava brincar um pouco mais. É um problema constante do homem moderno
Em outro momento, entrando na vida adulta, o poeta reflete sobre o seu estilo de vida, ou, se preferir, o estilo de vida atual, dando ênfase no fato da alimentação, lemos:
TRANSFORMERS
Estou monstro, estou gordo
Estou transformado em cibernético
Estou transgênico, mas nem um pouco higiênico
Pois como porcarias desta pós-modernidade
Pós-moderno, ultra-moderno, contemporâneo
Visionista, modernista, mas nem um pouco conformista
Naves espaciais que nunca vejo
Será que nelas também tem percevejo?
Eu mexo, me mexo, mas não emagreço
Seres extraterrestres somos todos nós
Comedores de Mac-lanche
Sou um ser em constante transformação
Comidas industrializadas que parecem um conto de fadas
Mas somente nos enfada
Boca mau criada, que ingere de forma inerte
E não diz “não” para estas comidas malditas
Sou um mutante amante de literatura e da canção
Será que poesia é coisa de ser em alienação?
Gostaria de convidar o Raul para tomar uma caracu
Já que estou mesmo ET e não mereço a atenção
De vosmecê.
Este poema começou uma boa temática, a do homem que, ao ingerir os lanches industrializados, transforma-se em outra coisa. Podemos dizer que, ao ingerir o que a civilização industrial e cibernética oferece, o homem transforma-se em outra coisa que não um homem, mas um extraterrestre vagando por este planeta. Este questionamento é muito válido e teria sido muito interessante se melhor desenvolvido no poema, mas, ao longo do texto, o poeta perdeu-se um pouco, a supressão das últimas três estrofes teria dado um formato melhor. Faltou também acertar um pouco a composição do poema, trabalhar para que as frase ficassem mais encadeadas e rítmicas.
No geral, vemos que a poesia de Nunes Rios tem um olhar atento para o mundo atual e para os conflitos entre a vida no mundo industrial, no entanto, o poeta continua buscando o seu formato poético. Ora escreve coisas muito boas, ora comete erros tentando atingir formatos com os quais não tem muito intimidade. Quem quiser conferir um pouco mais de sua poesia deve acessar o seu blog indicado no início deste texto.
Da temática do conflito, apesar do formato tão diferente, vamos encontrar a poesia de João Possidônio em sinergia com a poesia de Nunes Rios, ambos valeparaibanos, com raízes rurais ou de cidades pequenas interioranas, que se vêem lançados e confrontados com cidade industrial e tecnológica, tendo de adaptar-se a isto e à perda das suas referências infantis. É um tema importante para discutirmos e compreendermos a nós mesmos que convivemos com eles nesta mesma cidade, neste mesmo vale.
Nunes Rios ainda não encontrou a sua forma poética, muitos poemas estão vindo em formato mais curto e sintético, e destes, tenho gostado muito, cito dois poemas muito bons como exemplo:
UAI
Cidadezinha mineira tem torresmo na panela
Mulher faladeira, tagarela,
Sinos dobram nas torres das igrejas
Moda de paixão de retireiro
Sonhos de empregados de a meio
Café quente e queijo branco
Encostar a mula em barranco
Mascar mato e roçar pasto
Biscoito de polvilho e muito frio
Cidadezinha mineira, uai, uai,
E muita paz.
Neste poema, o poeta conseguiu ser bastante sintético, resumiu com perfeição o sentimento caboclo do mineiro vinculado a um estilo de vida rural e próximo da roça. Quem visitou uma cidadezinha mineira, sabe que é exatamente assim o sentimento do povo, aquela coisa bucólica e simples, de comidas caseiras e café com queijo. Boa esta captação de um vínculo que o poeta não perdeu.
Nesta linha de vínculos afetivos do poeta com sua infância ou com suas origens, ele escreveu:
O MENINO BAGUNCEIRO 2
Na descida da rua da Alemã
Eu andava de carrinho de rolimã
A velha chata, um tanto ingrata para
Ela a vida sempre estava ruim
Bela casa, bela horta, belo jardim
E um belo pé de romã.
A velha coroca não gostava de crianças.
Então, eu disse: deixa estar, eu vou lhe roubar
Belos frutos de romã. E depois cantar:
“Romã, romã, romã, rolimã, rolimã, rolimã,
Romã, romã, romã, rolimã, rolimã, rolimã.
Aqui, vemos outra faceta, que é a de contar a infância de um tempo que quase não existe mais, pelo menos, nestas cidades industriais do Vale do Paraíba, andar de carrinho de rolimã e roubar fruta no pé, coisas deliciosas que fazíamos em criança, sem contar o espírito desafiador do protagonista do poema (Deixa estar, eu vou lhe roubar), qual menino não quis ser o mais corajoso da sua turma? Outra coisa boa neste poema é a brincadeira romã-rolimã, uma pequena provocação que o menino/poeta faz. Tem uma sonoridade agradável.
Mas o poeta ainda não encontrou a forma adequada da sua poesia, parece em busca do seu estilo, do seu formato, então, algumas vezes, ele erra, quando escreve:
HUMANÓIDE
Ser humano
Estar humano
É desumano
O não humano
Menos mano
Tanto insano
Neste plano
A repetição de “mano” ou “ano” em todas as estrofes não funcionou porque o tema é um tema tratado por muitos outros poetas, humano-desumano-insano. Válida é a preocupação com o que é humano ou não, ou se a loucura é humana ou não, no entanto, as palavras são semelhantes a que outros poetas já fizeram.
Retornando ao tema inicial, da saudade de outros tempos, temos o bom poema:
O PIÃO
Enrolei todo o meu pião
E joguei-o no chão
Ele girou, girou e girou
Girou como os dias da minha infância
Rápido demais
Que vontade de brincar um pouco mais.
À temática da saudade da infância, o poeta incorpora a dureza de viver no mundo adulto, pois desejava brincar um pouco mais. É um problema constante do homem moderno
Em outro momento, entrando na vida adulta, o poeta reflete sobre o seu estilo de vida, ou, se preferir, o estilo de vida atual, dando ênfase no fato da alimentação, lemos:
TRANSFORMERS
Estou monstro, estou gordo
Estou transformado em cibernético
Estou transgênico, mas nem um pouco higiênico
Pois como porcarias desta pós-modernidade
Pós-moderno, ultra-moderno, contemporâneo
Visionista, modernista, mas nem um pouco conformista
Naves espaciais que nunca vejo
Será que nelas também tem percevejo?
Eu mexo, me mexo, mas não emagreço
Seres extraterrestres somos todos nós
Comedores de Mac-lanche
Sou um ser em constante transformação
Comidas industrializadas que parecem um conto de fadas
Mas somente nos enfada
Boca mau criada, que ingere de forma inerte
E não diz “não” para estas comidas malditas
Sou um mutante amante de literatura e da canção
Será que poesia é coisa de ser em alienação?
Gostaria de convidar o Raul para tomar uma caracu
Já que estou mesmo ET e não mereço a atenção
De vosmecê.
Este poema começou uma boa temática, a do homem que, ao ingerir os lanches industrializados, transforma-se em outra coisa. Podemos dizer que, ao ingerir o que a civilização industrial e cibernética oferece, o homem transforma-se em outra coisa que não um homem, mas um extraterrestre vagando por este planeta. Este questionamento é muito válido e teria sido muito interessante se melhor desenvolvido no poema, mas, ao longo do texto, o poeta perdeu-se um pouco, a supressão das últimas três estrofes teria dado um formato melhor. Faltou também acertar um pouco a composição do poema, trabalhar para que as frase ficassem mais encadeadas e rítmicas.
No geral, vemos que a poesia de Nunes Rios tem um olhar atento para o mundo atual e para os conflitos entre a vida no mundo industrial, no entanto, o poeta continua buscando o seu formato poético. Ora escreve coisas muito boas, ora comete erros tentando atingir formatos com os quais não tem muito intimidade. Quem quiser conferir um pouco mais de sua poesia deve acessar o seu blog indicado no início deste texto.
Da temática do conflito, apesar do formato tão diferente, vamos encontrar a poesia de João Possidônio em sinergia com a poesia de Nunes Rios, ambos valeparaibanos, com raízes rurais ou de cidades pequenas interioranas, que se vêem lançados e confrontados com cidade industrial e tecnológica, tendo de adaptar-se a isto e à perda das suas referências infantis. É um tema importante para discutirmos e compreendermos a nós mesmos que convivemos com eles nesta mesma cidade, neste mesmo vale.
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