Analisando o livro de João Possidônio Júnior
TAQUARA publicado em 2009
Possidônio faz uma poesia intimista de um menino que veio da roça e entrou de corpo e alma na vida urbana com a transformação da cidade e busca compreender-se neste mundo em que se viu envolto, luta contra a fragmentação da memória daquele menino, agora inserido na loucura da urbe, como ele chegou lá? Que caminhos o conduziram?
Sobras
A minha infância
ficou há dezenas de anos
esquecida num balcão
do armazém da vila.
Lá ficaram sonhos,
devaneios de poeta
e desejos de diversão...
Seguiu em frente uma certeza cheia de obrigação.
Sombras do dever...
Sobreviveu o homem...
... a criança não.
Tendo migrado da pequena vila, quase roça, de Eugênio de Melo, em que cresceu em quintais separados por muros de taquara, para a urbe de quase um milhão de habitantes se espremendo, correndo, lutando, literalmente, brigando um com o outro por mais espaço. E esta migração interna, dentro da própria cidade, também é uma migração dentro do próprio coração, ele migra da sociedade simples e pacata, de coisas certas e definidas, para a sociedade industrial, onde:
Sinal fechado
Ando pelas ruas
e avenidas do meu coração.
Acelero nas retas
da segurança e da convicção.
Vou devagar
nas curvas e voltas
das surpresas do destino,
das apostas e daquilo que não sinto.
Tenho poucos sinais abertos
a permitir o meu seguir
e muitos sinais fechados
que só fazem me impedir
de andar outros caminhos
e descobrir
o que me é desconhecido.
De tudo que andei
pouco aprendi,
De tanto que corri
muito me perdi
Leva-nos a crer que a experiências vividas pelo poeta ainda não foram totalmente absorvidas pois os sinais abertos, sendo poucos, o levaram pela via que ele segue, já os fechados (inclui-se nestes sinais, além do semáforo, as proibições, o aprofundamento nos sentimentos, a dificuldade da vida, a urgência das “retas da segurança e da convicção” que o impedem de sentir melhor as surpresas do destino, “aquilo que não sinto”). Metaforicamente, o poeta pode ser o próprio mundo, a sociedade industrial “De tudo que andei, pouco aprendi, de tanto que corri, muito me perdi”. Uma sociedade que se perdeu apesar de tanto correr.
Apesar de perdido entre os sentimentos, assim como a urbe em que vive, o poeta traz consigo resquícios da sociedade antiga, onde foi gerado, sendo o mais destacado, um resquício de machismo em que as mulheres, em geral, são vadias ou prostitutas, e os homens são anjos, ou símbolos da perfeição, executores das ordens divinas, isso é muito claro em:
Desejo de um anjo
Se eu lhe tocar a boca,
acariciar seus cabelos,
morder-lhe os ombros
e lhe tirar a roupa...
Se eu beijar seu pescoço,
apertar-lhe as pernas,
Afagar suas costas
e abraçá-la de novo...
Se eu a deitar na cama
e me jogar por cima,
lamber sua barriga
e fazê-la minha dama...
E ao ter você colada em mim,
eu, já desvairado e louco,
quero ter todo o seu corpo
num prazer sem fim.
Juntos num êxtase maior,
inteiramente nus,
anjo e puta,
embriagados do nosso amor.
E desfrutado do seu corpo quase todo,
se resta ainda uma pequena parte,
deixa-me que a desfrute
ainda que seja tarde.
Pois sem chance de volta,
pobre anjo, grito aos céus:
_ Meu Deus, por que me abandonaste?
Vê aqui uma das vertentes da poesia de Possidônio, que é a religiosidade presente sempre em conflito, aqui, o anjo caiu do céu e perguntou porque Deus o abandonou, quando, na verdade, ao se entregar aos prazeres carnais, quem abandonou Deus foi o anjo. Esta religiosidade conflituosa se manifesta em diversos poemas, muitas vezes associada à imagem da mulher como fonte do pecado masculino, também, algumas vezes, a mulher é a bruxa, cheia de mágicas e segredos, o vulcão, quente e indomável, vemos estas imagens em “Contato”, “Vulcão”, “Tempos Modernos”, “Condenação”, “Folha em Branco”, “Bruxas”, “Espíritos”, tudo isso é resultante do conflito trazido da sociedade anterior em choque com a sociedade industrial que prega valores diferentes, mais sexuais, anti-religiosos e hedonistas, ao entrar em choque o menino da pequena vila com o homem da grande cidade, entram em choque também todos os valores presentes nas duas sociedades, resulta daí esta relação conflituosa entre o poeta e a sociedade em que vive:
Conflito
Passas e não me olhas,
ages como se não me conhecesses mais...
És indiferente
e esqueces do que fomos
tempos atrás...
Nosso tempo
já é passado...
Agora
para mim
...imperfeito.
Em nossos corações
nunca teremos paz,
pois o que já fomos
não seremos jamais...
O hoje
não te traz do outrora.
És lembrança fugaz
que se edificou
no nunca mais.
E a inserção do poeta nesta sociedade de consumo é uma inserção conflitante pois ele não se enxerga nem em um mundo, o mundo industrial lhe diz que tudo é passado, o seu mundo antigo passa e não o reconhece mais, não o vê, sendo assim, os dois mundos não o reconhecem e nem ele se reconhece inteiramente pertencente a um dois, está dividido, muito claro isso em:
Moçambique
Naquele terreiro
de chão duro,
sons e canções antigas
preenchem minha memória
com batidas de pés,
sinos
e bandeirinhas.
Cores que ficaram para trás
na jornada dos anos.
Meu coração incandesce
nesta lembrança
e desperta o sertanejo
escondido atrás da gravata.
Bato com força o pé
no chão empoeirado
pela falta da chuva e de mato,
embalado pelo batuque
e pelas cantigas inspirado.
Quem vê não entende...
É o Divino Espírito Santo
que ainda está batendo
na minha porta
querendo foliar.
A principal característica do trabalho de Possidônio é este conflito entre a sua vida anterior e a sua vida atual, por isso, creio, fez questão de referenciar a infância para iniciar o seu trabalho. Dentro deste conflito que, no fim, é o conflito da sociedade brasileira, industrializada à força, em que jogou os seus habitantes numa nova sociedade mecanizada e hedonista, opondo-se à antiga sociedade mais comunitária e artesanal. É no fim, o conflito da industrialização acelerada e crescimento desordenado da sociedade da terceira e quarta ondas de Alvin Tofler. É a sociedade de hiperconsumo que se impõe à antiga sociedade da subsistência, vivida pelo poeta em seu quintal. O poeta perdeu sua infância e suas referências e busca uma nova luz para as coisas que enxerga e não quer que elas o tomem, apesar de se inserir nesta nova ordem como integrante atuante da sociedade de consumo, conquistando as benesses materiais desta, ao mesmo tempo, sofre com as perdas de suas referências de infância, familiares, comunitárias e religiosas.
Felizmente, para reencontrar o seu norte, ele mesmo aponta um caminho no último poema “Trancos e Barrancos” em que ele, em uma das estrofes, pede em desespero:
"Chamem Santos Chagas,
intimem o poeta Reginaldo,
acendam a lua Zenilda
e venham me resgatar".
terça-feira, 3 de novembro de 2009
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
Braga Barros - Minhas Gerais
JOSÉ ANTONIO BRAGA BARROS
LIVRO COMENTADO: MINHAS GERAIS
ANO DO LANÇAMENTO: 2009
Apesar da advertência na abertura do livro a que o autor chamou de Bula, em que diz que cada poema ser independente, o livro chamou a atenção pelo fato de parecer dois livros em um.
O primeiro livro seria um livro dedicado às crianças, bem ao estilo do que já fizeram alguns poetas. Poesia para crianças. O que chama a atenção nos poemas com temas infantis de animais, circo e música. Imaginei um belo livro de poesia para crianças, cheio de figuras coloridas, em que os poemas iriam surgindo, primeiro os animais, depois a música e, depois, o circo.
Afinal, ao ler poemas como “Meus Animais”, “A Manada”, “Tatu-Bola” e “Falar com Animal” e também a recriação da fábula “A Formiga e a Cigarra”, não consigo imaginar como sendo poesia para adultos. São poemas para a leitura para crianças, coisa que fiz e as crianças que as ouviram, adoraram.
Somando-se a estes poemas com animais, tem os poemas de música como “Apresentação dos Músicos”, “Sonoplastia”, “Contrabaixo”, “Jazz”, “O Baterista”, “Blow”, “Tocando de Ouvido”.
Vem, na seqüência, os poemas do circo, que são: “O Circo”, “O Mágico”, “O Engolidor de Fogo”.
Senti falta de poemas que poderiam ter os seguintes títulos: “A Bailarina” e o “O Palhaço”, assim, completar-se-ia um livro inteiramente dedicado às crianças, fica aqui a sugestão para o autor: transformar parte do seu livro em um livro de poesias para crianças, acrescentando-se ao tema do circo, poemas com bailarina e palhaço.
Esta verve de poesia para crianças é muito boa, os poemas são singelos e o vocabulário utilizado é mais simples, propiciando bom entendimento, à exceção feita para o poema “Falar com Animal”, que é uma verdadeira aula das vozes dos bichos, só como exemplo, pegamos uma estrofe qualquer do poema:
“Virou mercado e todos falaram ao mesmo tempo,
Com aquele seu papo o peru gruguleja,
O pato grasna, a garça branca gazeia
E o papagaio palra feito gente falando aos ventos”
Um excelente poema didático, até para ensinar gente grande (confesso que eu não sabia que a garça branca gazeava)
A parte do livro dedicada às crianças é ótima, li os poemas para meus filhos e eles gostaram muito, é válido, falta muito isso para a difusão da poesia, e é uma parte pouco trabalhada pelos poetas que, adultos, costumam buscar os temas mais penosos.
Não sou o autor mas, se fosse, teria organizado o livro em duas partes, 1- Poesia para crianças; 2 – Poesia para adultos. Talvez uma classificação muito simplista, cabe ao autor decidir como fazer os seus livros.
Quanto à parte do livro mais adulta, fiquei com algumas considerações. Um tema bastante usado pelo autor é a mulher. A mulher admirada pela sua beleza, perfeita e no alto do seu pedestal, ao qual o poeta deseja conquistar e, conquistada, nutre o poeta dos prazeres trazidos por este amor, como em “Férias”, “Novelos”, “Madona”, “Feminina”, “Gostosa”, “Importa”, “Contagiante”, “Nossa Nudez”
Ao longo do livro, ficamos em dificuldade de saber a proposta do autor com o seu trabalho. Seria apenas mostrar a diversidade e quantidade de poemas, seria discutir o fazer poético, seria falar de amor, criar um elo de comunicação com as crianças? Retornando à advertência inicial, não foi possível ler cada poema de maneira independente dos outros, vez que os temas surgem e um poema tenta explicar o anterior. Em muitos casos, ficamos em dúvida se o poeta fala de uma amada que seria uma mulher real, seria a inspiração, ou se a amada é a poesia em si, a literatura em si em vez de ser uma mulher. Temos o exemplo de:
Contagiante
Você,
Mais do que tudo
Mesmo quando passa
Sem me olhar,
Sem me sorrir,
Sem se importar,
Não passa em vão.
Atrai o meu olhar,
Força ao sorriso,
Aborda o coração.
Maior do que eu,
Seu ser contagiante,
Com gestos suaves
E longos cabelos negros
Passa aparentemente distante,
Mas invade minha alma
Deixando marcas, cicatrizes
E um perfume de flor.
Esta dúvida surge porque o poeta, diversas vezes, trata do assunto do fazer poético, da própria poesia, procurando explicar o que é poesia para ele, o que é o fazer poético. Começa com isso no primeiro poema “Abasteço-me”, e continua em “Buscá-la”, “Tema para Cristina”, “Pedras Preciosas”, até encontrarmos o fazer poético comparado com a confecção de uma música em “Corpo Musical” ou de uma escultura em:
Esculpi-la com palavras
Primeiro, juntar substantivos.
Tomar posse deles todos.
Tê-los à mão.
Dar-lhe um certo volume,
Ainda disforme.
Manuseando verbos, vírgulas e pontos,
Começo a configurar seu corpo:
Um todo, ainda sem detalhes.
Você começa a aparecer:
Harmônica, expressiva,
Bela, delicada,
Nudez total, angélica,
Saindo de minhas mãos.
Entalhar o sorriso, o olhar.
E, com gestos suaves.
Esboçar o movimento.
Contemplar seu vôo.
No poema acima, o autor destaca como ele faz a construção do poema, primeiro, pega as ferramentas, as palavras, separa o que acreditou importante, os substantivos, vai dando forma, acrescentando então os verbos, vírgulas e pontos, dando forma até o poema ficar pronto, fechando-o com "o sorriso, o olhar". A partir daí, deixa o poema voar, passando a contemplar o seu voo, ou seja, verificando as reações que o poema provocou nas pessoas que ele atingiu.
Depois destes temas, sobressai o tema do amor pela mulher, da explicação do que é amor para o poeta, vemos isso em “Composição”, “Alpendre-III”, “Nosso Amor”, “Namoro”, “Nunca Saberão”, como exemplo:
Fogo na Mata
O amor tem pernas próprias.
Vai aonde quer,
Descobre trilha, atalhos,
Sobe encostas, atravessa vales,
Escala montes, não para...
O amor contempla o horizonte,
Abre caminhos, constrói pontes,
Vai em frente...
É fogo na mata, vai, sem volta.
O amor não é algo que dou,
O amor não é algo que recebo.
O amor é você que passa.
O amor é encontro.
A maior falta que percebi na poesia de Braga Barros é a dor. Braga Barros não é um poeta que se aprofunda na dor humana, na solidão, nos recônditos escondidos da alma. Ao contrário, de maneira mais “clássica” da visão do poeta para a sociedade, ele canta o amor, a beleza da mulher, a esperança, a beleza da poesia e da alma, a riqueza dos momentos felizes, a paz. Sua escrita é recheada desta simplicidade. Talvez busque mesmo estas qualidades, talvez por enxergar o mundo tão cheio de dor, ele prefere mostrar a beleza em vez de mostrar a dor. A singeleza de poemas como “Mamãe”, “Café no Sítio”, “Meu Pai”. Talvez uma fuga do mundo moderno ou uma busca de coisas mais simples para a vida.
Mas a falta deste aprofundamento na dor incomoda porque parece que a poesia não decola só com o cantar da beleza, mesmo quando ele tenta entrar em questões mais sociais, não consegue um aprofundamento maior, ficou devendo isto.
Em alguns momentos repetiu-se no verso em poemas diferentes em "Gostosa" ele diz "Ela se faz - pouco a pouco - Totalmente nua" e em "Nossa Nudez", ele diz "Num gesto trépido, ela se fez nua". Ficou devendo uma inovação.
Como melhores poemas do autor neste livro, fico com “Mídia”, “Meu Coração”, “Corpo Musical” e “Passado”.
Corpo Musical
A liberdade
de tocá-la
como a um instrumento
musical
nota por nota
Compor uma canção de amor
Nota por nota
sentir o seu corpo
musical
como a um instrumento
que toco
com toda liberdade.
As crônicas “Carta a Manoel de Barros”, “O Reino da Palavra” e “A Casa no Final da Rua” são interessantes mas destoam do restante do livro, talvez eu seja um pouco avesso à idéia de se misturar contos e crônicas com poesia no mesmo livro, mas acho que poderiam ser utilizadas em outro contexto, não em um livro de poesia.
LIVRO COMENTADO: MINHAS GERAIS
ANO DO LANÇAMENTO: 2009
Apesar da advertência na abertura do livro a que o autor chamou de Bula, em que diz que cada poema ser independente, o livro chamou a atenção pelo fato de parecer dois livros em um.
O primeiro livro seria um livro dedicado às crianças, bem ao estilo do que já fizeram alguns poetas. Poesia para crianças. O que chama a atenção nos poemas com temas infantis de animais, circo e música. Imaginei um belo livro de poesia para crianças, cheio de figuras coloridas, em que os poemas iriam surgindo, primeiro os animais, depois a música e, depois, o circo.
Afinal, ao ler poemas como “Meus Animais”, “A Manada”, “Tatu-Bola” e “Falar com Animal” e também a recriação da fábula “A Formiga e a Cigarra”, não consigo imaginar como sendo poesia para adultos. São poemas para a leitura para crianças, coisa que fiz e as crianças que as ouviram, adoraram.
Somando-se a estes poemas com animais, tem os poemas de música como “Apresentação dos Músicos”, “Sonoplastia”, “Contrabaixo”, “Jazz”, “O Baterista”, “Blow”, “Tocando de Ouvido”.
Vem, na seqüência, os poemas do circo, que são: “O Circo”, “O Mágico”, “O Engolidor de Fogo”.
Senti falta de poemas que poderiam ter os seguintes títulos: “A Bailarina” e o “O Palhaço”, assim, completar-se-ia um livro inteiramente dedicado às crianças, fica aqui a sugestão para o autor: transformar parte do seu livro em um livro de poesias para crianças, acrescentando-se ao tema do circo, poemas com bailarina e palhaço.
Esta verve de poesia para crianças é muito boa, os poemas são singelos e o vocabulário utilizado é mais simples, propiciando bom entendimento, à exceção feita para o poema “Falar com Animal”, que é uma verdadeira aula das vozes dos bichos, só como exemplo, pegamos uma estrofe qualquer do poema:
“Virou mercado e todos falaram ao mesmo tempo,
Com aquele seu papo o peru gruguleja,
O pato grasna, a garça branca gazeia
E o papagaio palra feito gente falando aos ventos”
Um excelente poema didático, até para ensinar gente grande (confesso que eu não sabia que a garça branca gazeava)
A parte do livro dedicada às crianças é ótima, li os poemas para meus filhos e eles gostaram muito, é válido, falta muito isso para a difusão da poesia, e é uma parte pouco trabalhada pelos poetas que, adultos, costumam buscar os temas mais penosos.
Não sou o autor mas, se fosse, teria organizado o livro em duas partes, 1- Poesia para crianças; 2 – Poesia para adultos. Talvez uma classificação muito simplista, cabe ao autor decidir como fazer os seus livros.
Quanto à parte do livro mais adulta, fiquei com algumas considerações. Um tema bastante usado pelo autor é a mulher. A mulher admirada pela sua beleza, perfeita e no alto do seu pedestal, ao qual o poeta deseja conquistar e, conquistada, nutre o poeta dos prazeres trazidos por este amor, como em “Férias”, “Novelos”, “Madona”, “Feminina”, “Gostosa”, “Importa”, “Contagiante”, “Nossa Nudez”
Ao longo do livro, ficamos em dificuldade de saber a proposta do autor com o seu trabalho. Seria apenas mostrar a diversidade e quantidade de poemas, seria discutir o fazer poético, seria falar de amor, criar um elo de comunicação com as crianças? Retornando à advertência inicial, não foi possível ler cada poema de maneira independente dos outros, vez que os temas surgem e um poema tenta explicar o anterior. Em muitos casos, ficamos em dúvida se o poeta fala de uma amada que seria uma mulher real, seria a inspiração, ou se a amada é a poesia em si, a literatura em si em vez de ser uma mulher. Temos o exemplo de:
Contagiante
Você,
Mais do que tudo
Mesmo quando passa
Sem me olhar,
Sem me sorrir,
Sem se importar,
Não passa em vão.
Atrai o meu olhar,
Força ao sorriso,
Aborda o coração.
Maior do que eu,
Seu ser contagiante,
Com gestos suaves
E longos cabelos negros
Passa aparentemente distante,
Mas invade minha alma
Deixando marcas, cicatrizes
E um perfume de flor.
Esta dúvida surge porque o poeta, diversas vezes, trata do assunto do fazer poético, da própria poesia, procurando explicar o que é poesia para ele, o que é o fazer poético. Começa com isso no primeiro poema “Abasteço-me”, e continua em “Buscá-la”, “Tema para Cristina”, “Pedras Preciosas”, até encontrarmos o fazer poético comparado com a confecção de uma música em “Corpo Musical” ou de uma escultura em:
Esculpi-la com palavras
Primeiro, juntar substantivos.
Tomar posse deles todos.
Tê-los à mão.
Dar-lhe um certo volume,
Ainda disforme.
Manuseando verbos, vírgulas e pontos,
Começo a configurar seu corpo:
Um todo, ainda sem detalhes.
Você começa a aparecer:
Harmônica, expressiva,
Bela, delicada,
Nudez total, angélica,
Saindo de minhas mãos.
Entalhar o sorriso, o olhar.
E, com gestos suaves.
Esboçar o movimento.
Contemplar seu vôo.
No poema acima, o autor destaca como ele faz a construção do poema, primeiro, pega as ferramentas, as palavras, separa o que acreditou importante, os substantivos, vai dando forma, acrescentando então os verbos, vírgulas e pontos, dando forma até o poema ficar pronto, fechando-o com "o sorriso, o olhar". A partir daí, deixa o poema voar, passando a contemplar o seu voo, ou seja, verificando as reações que o poema provocou nas pessoas que ele atingiu.
Depois destes temas, sobressai o tema do amor pela mulher, da explicação do que é amor para o poeta, vemos isso em “Composição”, “Alpendre-III”, “Nosso Amor”, “Namoro”, “Nunca Saberão”, como exemplo:
Fogo na Mata
O amor tem pernas próprias.
Vai aonde quer,
Descobre trilha, atalhos,
Sobe encostas, atravessa vales,
Escala montes, não para...
O amor contempla o horizonte,
Abre caminhos, constrói pontes,
Vai em frente...
É fogo na mata, vai, sem volta.
O amor não é algo que dou,
O amor não é algo que recebo.
O amor é você que passa.
O amor é encontro.
A maior falta que percebi na poesia de Braga Barros é a dor. Braga Barros não é um poeta que se aprofunda na dor humana, na solidão, nos recônditos escondidos da alma. Ao contrário, de maneira mais “clássica” da visão do poeta para a sociedade, ele canta o amor, a beleza da mulher, a esperança, a beleza da poesia e da alma, a riqueza dos momentos felizes, a paz. Sua escrita é recheada desta simplicidade. Talvez busque mesmo estas qualidades, talvez por enxergar o mundo tão cheio de dor, ele prefere mostrar a beleza em vez de mostrar a dor. A singeleza de poemas como “Mamãe”, “Café no Sítio”, “Meu Pai”. Talvez uma fuga do mundo moderno ou uma busca de coisas mais simples para a vida.
Mas a falta deste aprofundamento na dor incomoda porque parece que a poesia não decola só com o cantar da beleza, mesmo quando ele tenta entrar em questões mais sociais, não consegue um aprofundamento maior, ficou devendo isto.
Em alguns momentos repetiu-se no verso em poemas diferentes em "Gostosa" ele diz "Ela se faz - pouco a pouco - Totalmente nua" e em "Nossa Nudez", ele diz "Num gesto trépido, ela se fez nua". Ficou devendo uma inovação.
Como melhores poemas do autor neste livro, fico com “Mídia”, “Meu Coração”, “Corpo Musical” e “Passado”.
Corpo Musical
A liberdade
de tocá-la
como a um instrumento
musical
nota por nota
Compor uma canção de amor
Nota por nota
sentir o seu corpo
musical
como a um instrumento
que toco
com toda liberdade.
As crônicas “Carta a Manoel de Barros”, “O Reino da Palavra” e “A Casa no Final da Rua” são interessantes mas destoam do restante do livro, talvez eu seja um pouco avesso à idéia de se misturar contos e crônicas com poesia no mesmo livro, mas acho que poderiam ser utilizadas em outro contexto, não em um livro de poesia.
quarta-feira, 30 de setembro de 2009
Réginaldo Poeta - Água, fonte da poesia
“O ENCONTRO MÁGICO DO PÓLEN” LANÇADO EM 2009.
Os 107 poemas versam sobre poucos temas. Apesar da quantidade, podemos resumir em aproximadamente dez temas básicos que se repetem ao longo do livro. Água, céu, ausência, tempo, cores (em especial o amarelo), memórias de infância, noite, amor, luz, sociedade.
Entre os temas preferidos estão a água e o céu.
Cerca de vinte e cinco por cento dos poemas aparecem com referência água. Sendo este, o principal tema para o poeta, aparecendo principalmente na forma de nuvens e de chuva.. Também há referências à água quando fala em ilha, barragem, tempestade, dilúvio, relâmpago (que precisa de nuvens para se formar). Penso que esta fixação neste tema se deva ao fato dele vir do sertão nordestino e trazer isto muito dentro de si. No sertão, a água é tudo, a vida existe em torno da chuva, se há chuva e água, tudo existe. Entre os bons poemas contidos no tema da água, temos::
Cambraia
Por mais que pareça
Ser linear a vida,
A noiva encontrando
O mais perfeito véu,
Não se engane!
... não se engane ...
São as nuvens que determinam
A paisagem do céu.
O poeta usou uma excelente metáfora das nuvens que determinam a paisagem do céu, para lembrar que a vida não pode ser perfeita se for totalmente controlada, a noiva encontrando o mais perfeito véu, ou seja, tudo se casa, a noiva planeja a sua vida, pensa que a vida é perfeita, pensa que está controlando o seu futuro, é o céu, o inatingível, o imprevisível, o incontrolável que tira a linearidade da vida, que irá moldar o futuro, que irá trazer as surpresas (sol, tempestades, nuvens).
Nesta linha da água como fonte da vida, o poeta se denuncia quando a primeira coisa que ele pensa diante do sentimento da morte:
Fugas
Eu só queria saber
O que dá em mim
Quando encontro o sentimento da morte.
- escapo dele entre copos de água
e sorvetes esquecidos na geladeira -
Não sei até quando fugirei dessa nave
Que perturba a humanidade inteira.
Daí a importância capital da água, que o remete à sua origem e ao seu final, salvando-o dos seus medos. O mais curioso é que apesar desta ser uma importância capital é, ao mesmo tempo, inconsciente, pois, na última página do livro, entre as coisas que ele gosta e ama, nada informa que seja relacionado à água (com todas as suas formas, e o que isto representa em sua vida).
O segundo tema mais importante é o céu e todas as coisas do alto ou aéreas como lua, sol, relâmpago (luz), pássaros (liberdade), borboletas (transformação), telhado (pensamento, cabeça) e voar. Também, cerca de vinte e cinco por cento dos poemas versam sobre este tema (coisas aéreas, voar, ou do alto). Em dois temas básicos, resume-se cinqüenta por cento do livro.
Um poema interessante é:
Segundos
A vida é um breve relâmpago
Quando penso que estou cantando
Vira passado o meu canto.
O poeta usa do relâmpago, que é luz, vem do alto, mas também é efêmero e o relaciona ao seu próprio canto, ou seja, à sua poesia, quando ele pensa que está fazendo poesia, já sente o passado daquilo que fez.
No entanto, ao abusar destes temas, o poeta se repete constantemente e causa certo cansaço na leitura do livro, seria muito bom que ele chegasse a um equilíbrio reduzindo a quantidade de poemas ou ousando mais nas várias versões que as nuvens e céu lhe proporcionam. Apesar da quantidade, as idéias se repetiram.
E Há coisas muito interessantes no livro, como o jogo feito com a palavra LUA, pois nunca temos certeza se o poeta fala da LUA – astro no firmamento ou da LUA (Zenilda Lua) sua esposa. O que torna interessante misturar estas duas idéias e os jogos de palavras feitos como no belo poema:
Fim de Julho
Na maciez do fim de tarde
Busco o tapete calmo
De uma paz escondida
Numa Lua que se anuncia
Mas que ainda não se resolveu
Buscamos tanto...
Queremos tanto...
Anoiteceu.
E agora?
Onde você se escondeu?
A Lua está escondida e se anuncia, qual Lua? O satélite Lua ou a esposa Lua? Quem não se resolveu? O poeta está dando características humanas ao satélite ou está falando de sua esposa e lhe dando características divinas (ser um astro no firmamento). Este é um ótimo poema que mostra o seu talento ao fazer o jogo de palavras que, no fim, é a poesia.
Além disso, neste poema em especial, o poeta usa de diversos recursos estilísticos como a sinestesia e metáfora (Na maciez do fim de tarde), prosopopéia (paz escondida, Lua que se anuncia), hipálage (Busco o tapete calmo), figuras que tornaram o poema muito rico e belo. Creio que o poeta usou todas estes recursos de maneira inconsciente, mas isto o enriqueceu.
E também quando o poeta começa a fazer definições curiosas e bem vindas como:
Desabafo de um notebook
Tem mouse que vem para o bem
É uma bela brincadeira que junta o ditado popular e a modernidade, atualizando de certa forma o ditado.
Reginaldo também faz uma poesia de fragmentos de beleza que encontra no dia a dia, como, por exemplo, ao escrever em
Distração de Van Gogh
Dezenas de borboletas amarelas
Colorem a sisudez do asfalto
Há de se pensar na primeira referência, Van Gogh, pintor que usou muito da cor amarela em alguns de seus quadros, portanto, as dezenas de borboletas amarelas se referenciando a este pintor mas, quando elas colorem a sisudez do asfalto, temos de lembrar que as borboletas são, por si só, símbolos de transformação e, de certa forma, Reginaldo procura enxergar esta transformação pelo qual a cidade passa constantemente (o asfalto, o chão em transformação), e são amarelas, ou seja, cheias de claridade, indicando que a transformação ocorre a olhos vistos, a própria transformação é a luz, indicando que mora em um lugar em constante transformação, neste poema ele se vincula firmemente à cidade, ao asfalto, à poesia como fonte de mudança.
Enfim, o livro de Reginaldo mostra o talento do seu autor, do poeta que observa o mundo, comtempla-o, procurando entendê-lo, no entanto, mostra também que este talento precisa de mais trabalho, de mais carinho na elaboração do poema, vê-se que o poeta transborda de inspiração e carece de transpiração. Falta-lhe um olhar mais atento ao conjunto da própria obra, os poemas vão saindo (vê-se que são freqüentes, dada a quantidade) e não retornam, não são mastigados, o poeta não acrescenta elementos químicos, não os cozinha até o ponto. Poucos poemas saem perfeitamente prontos da cabeça de um poeta. É necessário e importante trabalhar em cima de cada poema.
Fica aqui o meu pedido a Reginaldo Poeta Gomes: continue com o seu trabalho porque você tem talento, mas olhe com mais carinho para o conjunto da sua obra, e trabalhe mais os poemas pensando neste passado já conquistado e no futuro de obras mais elaboradas e belas. Creio que este livro é um livro de transição entre o poeta inspirado e o grande poeta inspirado. Siga em frente, continue ousando, este é o seu caminho. Parabéns pelo livro.
Os 107 poemas versam sobre poucos temas. Apesar da quantidade, podemos resumir em aproximadamente dez temas básicos que se repetem ao longo do livro. Água, céu, ausência, tempo, cores (em especial o amarelo), memórias de infância, noite, amor, luz, sociedade.
Entre os temas preferidos estão a água e o céu.
Cerca de vinte e cinco por cento dos poemas aparecem com referência água. Sendo este, o principal tema para o poeta, aparecendo principalmente na forma de nuvens e de chuva.. Também há referências à água quando fala em ilha, barragem, tempestade, dilúvio, relâmpago (que precisa de nuvens para se formar). Penso que esta fixação neste tema se deva ao fato dele vir do sertão nordestino e trazer isto muito dentro de si. No sertão, a água é tudo, a vida existe em torno da chuva, se há chuva e água, tudo existe. Entre os bons poemas contidos no tema da água, temos::
Cambraia
Por mais que pareça
Ser linear a vida,
A noiva encontrando
O mais perfeito véu,
Não se engane!
... não se engane ...
São as nuvens que determinam
A paisagem do céu.
O poeta usou uma excelente metáfora das nuvens que determinam a paisagem do céu, para lembrar que a vida não pode ser perfeita se for totalmente controlada, a noiva encontrando o mais perfeito véu, ou seja, tudo se casa, a noiva planeja a sua vida, pensa que a vida é perfeita, pensa que está controlando o seu futuro, é o céu, o inatingível, o imprevisível, o incontrolável que tira a linearidade da vida, que irá moldar o futuro, que irá trazer as surpresas (sol, tempestades, nuvens).
Nesta linha da água como fonte da vida, o poeta se denuncia quando a primeira coisa que ele pensa diante do sentimento da morte:
Fugas
Eu só queria saber
O que dá em mim
Quando encontro o sentimento da morte.
- escapo dele entre copos de água
e sorvetes esquecidos na geladeira -
Não sei até quando fugirei dessa nave
Que perturba a humanidade inteira.
Daí a importância capital da água, que o remete à sua origem e ao seu final, salvando-o dos seus medos. O mais curioso é que apesar desta ser uma importância capital é, ao mesmo tempo, inconsciente, pois, na última página do livro, entre as coisas que ele gosta e ama, nada informa que seja relacionado à água (com todas as suas formas, e o que isto representa em sua vida).
O segundo tema mais importante é o céu e todas as coisas do alto ou aéreas como lua, sol, relâmpago (luz), pássaros (liberdade), borboletas (transformação), telhado (pensamento, cabeça) e voar. Também, cerca de vinte e cinco por cento dos poemas versam sobre este tema (coisas aéreas, voar, ou do alto). Em dois temas básicos, resume-se cinqüenta por cento do livro.
Um poema interessante é:
Segundos
A vida é um breve relâmpago
Quando penso que estou cantando
Vira passado o meu canto.
O poeta usa do relâmpago, que é luz, vem do alto, mas também é efêmero e o relaciona ao seu próprio canto, ou seja, à sua poesia, quando ele pensa que está fazendo poesia, já sente o passado daquilo que fez.
No entanto, ao abusar destes temas, o poeta se repete constantemente e causa certo cansaço na leitura do livro, seria muito bom que ele chegasse a um equilíbrio reduzindo a quantidade de poemas ou ousando mais nas várias versões que as nuvens e céu lhe proporcionam. Apesar da quantidade, as idéias se repetiram.
E Há coisas muito interessantes no livro, como o jogo feito com a palavra LUA, pois nunca temos certeza se o poeta fala da LUA – astro no firmamento ou da LUA (Zenilda Lua) sua esposa. O que torna interessante misturar estas duas idéias e os jogos de palavras feitos como no belo poema:
Fim de Julho
Na maciez do fim de tarde
Busco o tapete calmo
De uma paz escondida
Numa Lua que se anuncia
Mas que ainda não se resolveu
Buscamos tanto...
Queremos tanto...
Anoiteceu.
E agora?
Onde você se escondeu?
A Lua está escondida e se anuncia, qual Lua? O satélite Lua ou a esposa Lua? Quem não se resolveu? O poeta está dando características humanas ao satélite ou está falando de sua esposa e lhe dando características divinas (ser um astro no firmamento). Este é um ótimo poema que mostra o seu talento ao fazer o jogo de palavras que, no fim, é a poesia.
Além disso, neste poema em especial, o poeta usa de diversos recursos estilísticos como a sinestesia e metáfora (Na maciez do fim de tarde), prosopopéia (paz escondida, Lua que se anuncia), hipálage (Busco o tapete calmo), figuras que tornaram o poema muito rico e belo. Creio que o poeta usou todas estes recursos de maneira inconsciente, mas isto o enriqueceu.
E também quando o poeta começa a fazer definições curiosas e bem vindas como:
Desabafo de um notebook
Tem mouse que vem para o bem
É uma bela brincadeira que junta o ditado popular e a modernidade, atualizando de certa forma o ditado.
Reginaldo também faz uma poesia de fragmentos de beleza que encontra no dia a dia, como, por exemplo, ao escrever em
Distração de Van Gogh
Dezenas de borboletas amarelas
Colorem a sisudez do asfalto
Há de se pensar na primeira referência, Van Gogh, pintor que usou muito da cor amarela em alguns de seus quadros, portanto, as dezenas de borboletas amarelas se referenciando a este pintor mas, quando elas colorem a sisudez do asfalto, temos de lembrar que as borboletas são, por si só, símbolos de transformação e, de certa forma, Reginaldo procura enxergar esta transformação pelo qual a cidade passa constantemente (o asfalto, o chão em transformação), e são amarelas, ou seja, cheias de claridade, indicando que a transformação ocorre a olhos vistos, a própria transformação é a luz, indicando que mora em um lugar em constante transformação, neste poema ele se vincula firmemente à cidade, ao asfalto, à poesia como fonte de mudança.
Enfim, o livro de Reginaldo mostra o talento do seu autor, do poeta que observa o mundo, comtempla-o, procurando entendê-lo, no entanto, mostra também que este talento precisa de mais trabalho, de mais carinho na elaboração do poema, vê-se que o poeta transborda de inspiração e carece de transpiração. Falta-lhe um olhar mais atento ao conjunto da própria obra, os poemas vão saindo (vê-se que são freqüentes, dada a quantidade) e não retornam, não são mastigados, o poeta não acrescenta elementos químicos, não os cozinha até o ponto. Poucos poemas saem perfeitamente prontos da cabeça de um poeta. É necessário e importante trabalhar em cima de cada poema.
Fica aqui o meu pedido a Reginaldo Poeta Gomes: continue com o seu trabalho porque você tem talento, mas olhe com mais carinho para o conjunto da sua obra, e trabalhe mais os poemas pensando neste passado já conquistado e no futuro de obras mais elaboradas e belas. Creio que este livro é um livro de transição entre o poeta inspirado e o grande poeta inspirado. Siga em frente, continue ousando, este é o seu caminho. Parabéns pelo livro.
segunda-feira, 28 de setembro de 2009
Entrevista de Fernando Scarpel para o jornal "O Grito"
ENTREVISTA PARA O JORNAL “O GRITO” N.23 PUBLICADA EM SETEMBRO / 2009 - "O Grito" é uma publicação cultural editado por Dailor Varela
Qual a matéria prima dos seus contos?
Meus contos falam de situações cotidianas, dos fatos que influenciam a vida, em geral, que escapam ao nosso controle e nos obrigam a tomar as decisões e os rumos, e disso, o caminho que as pessoas seguem. Procuro mostrar o sofrimento de cada um e a influência que a ação de uma pessoa exerce sobre outras pessoas.
O que é escrever para você?
Escrever é uma forma de me manter vivo. É a forma de escapar da mesmice e do peso que a sociedade de consumo exerce sobre a pessoa. Escrevendo eu consigo confrontar a sociedade egoísta e consumista em que vivemos e escapar deste jugo prejudicial à vida. Escrever é pensar e, se penso, existo.
Você pretende estudar a produção poética joseense. Fale sobre isso.
Depois de alguns anos sem produção literária em São José dos Campos, a partir de 2005, começaram a surgir vários livros de poesia publicados por poetas independentes da cidade, sendo um leitor de poesia, comecei a perceber que o trabalho destes poetas não era algo feito sem critério. Comecei a entender que são poetas completos, cheios de experiências literárias válidas, cheios de vigor e que não são compreendidos. Tanto porque as pessoas lêem pouco quanto porque os que lêem, muitas vezes, não se dão ao trabalho de interpretá-los. Vendo a qualidade destes poetas e a quantidade de livros que estão surgindo, comecei a fazer pequenos estudos destas obras mais recentes, surgindo a idéia de publicar um livro mostrando a qualidade destes poetas.
Como você vê a vida cultural em SJC? E a Fundação Cultural?
Vejo a vida cultural mais efervescente hoje do que há alguns anos atrás quando a cidade parecia viver num marasmo. O próprio crescimento populacional trouxe mais gente disposta a batalhar pela cultura e isto é muito bom. Vejo que o debate cultural aumentou e que as pessoas estão se dispondo a fazer cultura.
Vejo que a FCCR faz um trabalho cultural de abrangência ou de massa, ou seja, procura levar o máximo de cultura ao máximo de pessoas mas, ao fazer isso, exclui a criação artística de seu programa, fazendo uma cultura de repetição do que já existe. Falta-lhe dar um passo à frente, ou seja, incentivar a criação artística.
A FCCR, por estar atrelada à prefeitura, infelizmente, vê-se obrigada a seguir as diretrizes políticas da mesma. Penso que ela deveria ter independência política, uma forma de mudar seria desvinculá-la da orientação política do detentor do poder através de eleições diretas para presidente e conselheiros da FCCR.
Quais os seus autores nacionais em prosa preferidos?
Machado de Assis continua o grande prosador brasileiro até hoje. Luís Fernando Veríssimo, Marcelo Rubens Paiva.
Você acha que a internet mexeu com seu processo criativo?
Ajudou porque posso ler muito mais textos e buscar inspiração em fatos que chegam pela internet, mas não alterou o básico do processo criativo, que é a observação do cotidiano e das relações humanas.
Como apareceu na sua vida a vontade de escrever? Existe inspiração para escrever?
Desde criança, sempre gostei muito de ler e de escrever. Todo o trabalho literário atual é a continuação das aulas de Língua Portuguesa que tive na infância, apenas continuei e me aprimorei ao longo do tempo.
Existe inspiração para escrever. Sem inspiração, que é a idéia primeira de um texto, não haverá o texto. O resto é transpiração.
Como é o seu processo de criação literária?
Após ter um idéia para um conto eu o escrevo. Posteriormente, vou lapidando, cortando, aumentando, transformando aquele texto até chegar no ponto em que o considero terminado. Muitas vezes não consigo terminar uma história, então, deixo-a de lado até que surja nova inspiração para continuá-la. E trabalhar tudo de novo. Muitas vezes, uma história começa de um jeito e o resultado final é outra história de tanto que foi trabalhada, mantendo apenas a idéia original.
Você acha que o escritor recebe uma inspiração divina?
Sim, acredito que todos nós recebemos nossas inspirações divinas, mas cada um desenvolve este inspiração de um jeito.
Fale um pouco sobre você. Quem é Fernando Scarpel.
Sou contador de profissão e um escritor por Paixão. Pai de Cibele, Lorena e Eric, casado com Miriam. Gosto de lembrar disso porque sei da importância destas pessoas em minha vida. Também gosto de saber que venho de uma família de imigrantes italianos que está nesta cidade há mais de um século. Gosto de ler e escrever, curto família, amigos e tento sempre encontrar o que há de bom em cada pessoa. Gosto da profissão em que atuo, gosto de ouvir as pessoas porque são a matéria prima das minhas histórias. Estudei em escola pública no primário, estudei no extinto colégio Olavo Bilac na adolescência e formei-me em Ciências Econômicas na Univap. Publiquei dois livros de contos: “Hoje tem Espetáculo” e “Pelo Adão no Paraíso”. Estou trabalhando em novos livros que serão publicados no futuro.
Qual a matéria prima dos seus contos?
Meus contos falam de situações cotidianas, dos fatos que influenciam a vida, em geral, que escapam ao nosso controle e nos obrigam a tomar as decisões e os rumos, e disso, o caminho que as pessoas seguem. Procuro mostrar o sofrimento de cada um e a influência que a ação de uma pessoa exerce sobre outras pessoas.
O que é escrever para você?
Escrever é uma forma de me manter vivo. É a forma de escapar da mesmice e do peso que a sociedade de consumo exerce sobre a pessoa. Escrevendo eu consigo confrontar a sociedade egoísta e consumista em que vivemos e escapar deste jugo prejudicial à vida. Escrever é pensar e, se penso, existo.
Você pretende estudar a produção poética joseense. Fale sobre isso.
Depois de alguns anos sem produção literária em São José dos Campos, a partir de 2005, começaram a surgir vários livros de poesia publicados por poetas independentes da cidade, sendo um leitor de poesia, comecei a perceber que o trabalho destes poetas não era algo feito sem critério. Comecei a entender que são poetas completos, cheios de experiências literárias válidas, cheios de vigor e que não são compreendidos. Tanto porque as pessoas lêem pouco quanto porque os que lêem, muitas vezes, não se dão ao trabalho de interpretá-los. Vendo a qualidade destes poetas e a quantidade de livros que estão surgindo, comecei a fazer pequenos estudos destas obras mais recentes, surgindo a idéia de publicar um livro mostrando a qualidade destes poetas.
Como você vê a vida cultural em SJC? E a Fundação Cultural?
Vejo a vida cultural mais efervescente hoje do que há alguns anos atrás quando a cidade parecia viver num marasmo. O próprio crescimento populacional trouxe mais gente disposta a batalhar pela cultura e isto é muito bom. Vejo que o debate cultural aumentou e que as pessoas estão se dispondo a fazer cultura.
Vejo que a FCCR faz um trabalho cultural de abrangência ou de massa, ou seja, procura levar o máximo de cultura ao máximo de pessoas mas, ao fazer isso, exclui a criação artística de seu programa, fazendo uma cultura de repetição do que já existe. Falta-lhe dar um passo à frente, ou seja, incentivar a criação artística.
A FCCR, por estar atrelada à prefeitura, infelizmente, vê-se obrigada a seguir as diretrizes políticas da mesma. Penso que ela deveria ter independência política, uma forma de mudar seria desvinculá-la da orientação política do detentor do poder através de eleições diretas para presidente e conselheiros da FCCR.
Quais os seus autores nacionais em prosa preferidos?
Machado de Assis continua o grande prosador brasileiro até hoje. Luís Fernando Veríssimo, Marcelo Rubens Paiva.
Você acha que a internet mexeu com seu processo criativo?
Ajudou porque posso ler muito mais textos e buscar inspiração em fatos que chegam pela internet, mas não alterou o básico do processo criativo, que é a observação do cotidiano e das relações humanas.
Como apareceu na sua vida a vontade de escrever? Existe inspiração para escrever?
Desde criança, sempre gostei muito de ler e de escrever. Todo o trabalho literário atual é a continuação das aulas de Língua Portuguesa que tive na infância, apenas continuei e me aprimorei ao longo do tempo.
Existe inspiração para escrever. Sem inspiração, que é a idéia primeira de um texto, não haverá o texto. O resto é transpiração.
Como é o seu processo de criação literária?
Após ter um idéia para um conto eu o escrevo. Posteriormente, vou lapidando, cortando, aumentando, transformando aquele texto até chegar no ponto em que o considero terminado. Muitas vezes não consigo terminar uma história, então, deixo-a de lado até que surja nova inspiração para continuá-la. E trabalhar tudo de novo. Muitas vezes, uma história começa de um jeito e o resultado final é outra história de tanto que foi trabalhada, mantendo apenas a idéia original.
Você acha que o escritor recebe uma inspiração divina?
Sim, acredito que todos nós recebemos nossas inspirações divinas, mas cada um desenvolve este inspiração de um jeito.
Fale um pouco sobre você. Quem é Fernando Scarpel.
Sou contador de profissão e um escritor por Paixão. Pai de Cibele, Lorena e Eric, casado com Miriam. Gosto de lembrar disso porque sei da importância destas pessoas em minha vida. Também gosto de saber que venho de uma família de imigrantes italianos que está nesta cidade há mais de um século. Gosto de ler e escrever, curto família, amigos e tento sempre encontrar o que há de bom em cada pessoa. Gosto da profissão em que atuo, gosto de ouvir as pessoas porque são a matéria prima das minhas histórias. Estudei em escola pública no primário, estudei no extinto colégio Olavo Bilac na adolescência e formei-me em Ciências Econômicas na Univap. Publiquei dois livros de contos: “Hoje tem Espetáculo” e “Pelo Adão no Paraíso”. Estou trabalhando em novos livros que serão publicados no futuro.
sábado, 26 de setembro de 2009
A poesia delicada de Zenilda Lua
Zenilda Lua publicou o livro "Alfazema" e estas são as observações sobre sua poesia.
Zenilda faz uma poesia intimista e delicada em busca da profundidade da alma. Sente a fragmentação do coração, sofre com isso, em cada poema, um fragmento de um sentimento, seja a desilusão, a solidão, a alegria.
A poesia de Zenilda Lua fala sempre para a pessoa que escuta, como uma conversa íntima, entre pessoas amigas. Ela não explica o mundo, mas insere-se nele, com medo, insegura, porque seus valores são outros. Ela é uma poetisa dos sentimentos ocultos nas figuras de linguagem inesperadas que anunciam uma poesia diferenciada e inovadora, carregada de sensibilidade. Uma poesia do olhar feminino sobre o mundo, um olhar refinado.
Suas palavras soam cheias de um ritmo do sussurro, raras são as vezes em que o poema soa para gritar, no entanto, quando a sua indignação é grande e a gota d’água transborda, ela manifesta sua raiva com precisão.
Ao falar dos sentimentos, ela revela os dramas pessoais e familiares como se cada poema contasse o resumo da vida de uma personagem, uma situação limite onde o sentimento se revela com toda a sua força. No fundo, é um resumo de sua própria vida, disso depreendemos, mas ela o faz como se não fosse, afinal, o poeta é um fingidor, já nos ensinou o grande poeta português, Fernando Pessoa.
Vamos, aos poucos, relacionando cada poema com a nossa própria vida e sentindo na própria pele a emoção, como, por exemplo, nos momentos em que abandonamos tudo por uma paixão avassaladora, ou quando choramos de saudade, quando lutamos ou fizemos alguma loucura por amor.
Então, vemos uma mulher se revelando, mesmo que ela não conte a sua vida, não diga a sua rotina, não sabemos se vai ao supermercado ou acompanha a filha à escola, se trabalha ou vai ao cinema, não sabemos seu cotidiano a que todos nos submetemos e que destrói o nosso coração, ainda assim, ela se revela totalmente ao falar do cotidiano do coração, sofrendo, todo dia, uma gama enorme de sentimentos e vai relacionando-os em visões simples e delicadas, toques, sussurros, revelando todos os seus sentimentos, expondo-se.
No entanto, faz o contrário das mulheres em busca de fama e sucesso fácil que expõem seus corpos e sua rotina para a mídia, porque Zenilda expõe seu coração, o íntimo, em busca dos valores muito mais nobres e eternos: amor, felicidade, paz. Ao fazer isso, ela vai fundo em uma denúncia contra o consumismo e a efemeridade das relações humanas, ela afirma a sua opção pelo ser. De certa forma, esta atitude é uma denúncia, um grito contra a mecanização das pessoas, uma manifestação tão delicada que não percebemos o quanto mergulhamos junto com ela. E nós precisamos mergulhar nos sentimentos para emergir fortes e enfrentar com sabedoria o mundo que diz que a felicidade está no dinheiro e na fama.
E me pergunto porque é tão difícil para a sociedade industrial perceber que a felicidade está nos relacionamentos humanos?
E, falando ao interlocutor de forma muito intimista, usando e abusando desta técnica, toca mais fundo na alma, revelando os sentimentos com muita força, por exemplo, quando sente saudade de um ente querido lá na Paraíba, mas é uma saudade que mais parece um nascimento quando ela diz:
Maria das Neves
No décimo terceiro dia
do oitavo mês, a saudade acordou mais cedo, Mãe!
E me cortou inteira
como a chuva corta o tempo
Como se a gestação da saudade correspondesse a gestação de uma criança, como se a filha já sentisse saudade antes de nascer e a mãe, e esta, antes de parir, já sentisse a mesma saudade pela filha, e isto é uma chuva que corta tanto a mãe quanto a filha. Este corte também pode ser o nascimento onde ocorre o corte do cordão umbilical. Interessante a presença da água que, em primeira análise é o berço da vida. Reforçando a idéia de nascer. É belo demais e difícil entender como para ela parece tão fácil ser tão concisa em um único sentimento.
E ela sente a transformação da sociedade tranqüila num espaço perigoso, dentro da família, que se estende ao país ou à própria sociedade brasileira, revela todos os cuidados das mães pelos filhos, e da família sem proteção. A falsa busca pela paz que acreditamos encontrar apenas nos fechando em nossas casas e em nossos mundos, quando sabemos, que a paz só é possível se todos se abrirem para o mundo, conhecerem-se e buscarem soluções em conjunto. Dentro do contexto de crítica ao isolacionismo, que pode ser da família ou de um país, temos o seguinte poema que mostra bem o medo tomando conta do mundo:
Ultra Sonografia Globalizada sem poema
Filha, entra!
Tranca o portão e a porta
Não fale com estranho
Não aumente o volume do som
Deixa o celular ligado
Filha, toma cuidado!
Estamos à deriva!
Não temos segurança ou indenização.
Procuramos (sem garantia) a paz
Que, enlameada, respira ofegante
Por entre urânio e flores virtuais.
Uma das figuras mais belas que li neste livro, uma obra prima rara na poesia brasileira, é a do seguinte poema:
Lentes e Contato
A moça com olhar de noiva
Mirava-se na poça de água barrenta
E se perdoava pelo corpo mal feito.
Simulava razões e lisonjeios.
Depois, descia a ladeira,
Levando seus ramos de alegria e alecrins.
Esta figura da moça com olhar de noiva mirando-se na poça de água barrenta. Fico a imaginar quem é esta moça, o que é este olhar de noiva. Primeiro, este olhar de noiva, a poetisa mesmo me explicou, é um olhar cheio de desejo, porque a noiva deseja, acima de tudo, deseja um final feliz para sua vida.
Então, pensei nesta moça cheia de desejo, tentando se encontrar na água barrenta, tentando achar o seu reflexo, e o que esta água barrenta senão o espelho do mundo onde ela não consegue se encontrar, Sente-se totalmente sem o retorno do mundo, do que as pessoas sentem, do que pensam sobre ela. Uma água barrenta, o mundo que não se preocupa com o indivíduo, apesar de dar tanto valor à individualidade. E então, esta moça se perdoa pelo corpo mal feito. Porque talvez a gente entenda que, aos olhos do mundo, devemos ser perfeitos para sermos felizes e esta moça vem, perdoa-se e prova a si mesma e ao mundo que ela não precisa desta perfeição de corpo e rosto ditada por regras absurdas, ela desce a ladeira, ou seja, ela enfrenta o mundo, e leva ramos de alegria e alecrins. Além de tudo, oferece uma alternativa de vida, uma alternativa baseada no perdão. Uma das características mais fortes da religiosidade do cristianismo, e, por mais inacreditável, tão esquecida, que é o perdão.
Zenilda consegue ser crítica e delicada com tanta facilidade e beleza. É uma poetisa nata, fantástica.
Já comentei que ela trata os relacionamentos com muita importância, as relações mãe-filha, pai-filha, cônjuges, amigos, são a própria vida, um belo exemplo, é a homenagem ao pai, que poderia ser a homenagem a todos os pais do mundo, de uma beleza única.
Quimera 77
Destilada a seiva
E a memória latejando no peito:
Pai, Benção!
Pai, reza comigo!
Pai, apaga a luz!
E aquela voz de sítio molhado
Chegava crua num assobio singelo:
_ To indo, Fia!
Destilar a seiva, outra bela figura para dizer tantas coisas como, por exemplo, ter vivido a vida, terminar a lida (o seringueiro destila a seiva no trabalho), reconciliar-se após uma briga, encerrar os afazeres e estar com o tempo livre, ou seja, quando o pai está à disposição, a filha pede a benção, uma reza, apagar a luz, percebe-se que chegou a hora de dormir, reconciliar-se com o mundo e se recolher com a ajuda do pai. Também se pode entender que há três tempos aí, o passado, o nascimento ou início: "Pai, Benção", o presente, a vivência ou o meio, "Pai, reza comigo", e o futuro, a morte, o final: "Pai, apaga a luz". E este pai, com voz de sítio molhado pode ser o próprio Deus ou um simples pai, em sua voz que chega num assobio singelo. Todos os pais dizem: To indo, Fia! Todos os pais atendem aos pedidos das suas filhas. Um belo poema, sem dúvida. Tão simples e tão rico!
Zenida é poetisa rara, concisa e publicou uma pequena obra prima, uma jóia para ser lida, relida e divulgada, uma jóia para ser usada por todos. Um livro que merece fazer parte de leituras e releituras deste tempo da literatura brasileira.
Zenilda faz uma poesia intimista e delicada em busca da profundidade da alma. Sente a fragmentação do coração, sofre com isso, em cada poema, um fragmento de um sentimento, seja a desilusão, a solidão, a alegria.
A poesia de Zenilda Lua fala sempre para a pessoa que escuta, como uma conversa íntima, entre pessoas amigas. Ela não explica o mundo, mas insere-se nele, com medo, insegura, porque seus valores são outros. Ela é uma poetisa dos sentimentos ocultos nas figuras de linguagem inesperadas que anunciam uma poesia diferenciada e inovadora, carregada de sensibilidade. Uma poesia do olhar feminino sobre o mundo, um olhar refinado.
Suas palavras soam cheias de um ritmo do sussurro, raras são as vezes em que o poema soa para gritar, no entanto, quando a sua indignação é grande e a gota d’água transborda, ela manifesta sua raiva com precisão.
Ao falar dos sentimentos, ela revela os dramas pessoais e familiares como se cada poema contasse o resumo da vida de uma personagem, uma situação limite onde o sentimento se revela com toda a sua força. No fundo, é um resumo de sua própria vida, disso depreendemos, mas ela o faz como se não fosse, afinal, o poeta é um fingidor, já nos ensinou o grande poeta português, Fernando Pessoa.
Vamos, aos poucos, relacionando cada poema com a nossa própria vida e sentindo na própria pele a emoção, como, por exemplo, nos momentos em que abandonamos tudo por uma paixão avassaladora, ou quando choramos de saudade, quando lutamos ou fizemos alguma loucura por amor.
Então, vemos uma mulher se revelando, mesmo que ela não conte a sua vida, não diga a sua rotina, não sabemos se vai ao supermercado ou acompanha a filha à escola, se trabalha ou vai ao cinema, não sabemos seu cotidiano a que todos nos submetemos e que destrói o nosso coração, ainda assim, ela se revela totalmente ao falar do cotidiano do coração, sofrendo, todo dia, uma gama enorme de sentimentos e vai relacionando-os em visões simples e delicadas, toques, sussurros, revelando todos os seus sentimentos, expondo-se.
No entanto, faz o contrário das mulheres em busca de fama e sucesso fácil que expõem seus corpos e sua rotina para a mídia, porque Zenilda expõe seu coração, o íntimo, em busca dos valores muito mais nobres e eternos: amor, felicidade, paz. Ao fazer isso, ela vai fundo em uma denúncia contra o consumismo e a efemeridade das relações humanas, ela afirma a sua opção pelo ser. De certa forma, esta atitude é uma denúncia, um grito contra a mecanização das pessoas, uma manifestação tão delicada que não percebemos o quanto mergulhamos junto com ela. E nós precisamos mergulhar nos sentimentos para emergir fortes e enfrentar com sabedoria o mundo que diz que a felicidade está no dinheiro e na fama.
E me pergunto porque é tão difícil para a sociedade industrial perceber que a felicidade está nos relacionamentos humanos?
E, falando ao interlocutor de forma muito intimista, usando e abusando desta técnica, toca mais fundo na alma, revelando os sentimentos com muita força, por exemplo, quando sente saudade de um ente querido lá na Paraíba, mas é uma saudade que mais parece um nascimento quando ela diz:
Maria das Neves
No décimo terceiro dia
do oitavo mês, a saudade acordou mais cedo, Mãe!
E me cortou inteira
como a chuva corta o tempo
Como se a gestação da saudade correspondesse a gestação de uma criança, como se a filha já sentisse saudade antes de nascer e a mãe, e esta, antes de parir, já sentisse a mesma saudade pela filha, e isto é uma chuva que corta tanto a mãe quanto a filha. Este corte também pode ser o nascimento onde ocorre o corte do cordão umbilical. Interessante a presença da água que, em primeira análise é o berço da vida. Reforçando a idéia de nascer. É belo demais e difícil entender como para ela parece tão fácil ser tão concisa em um único sentimento.
E ela sente a transformação da sociedade tranqüila num espaço perigoso, dentro da família, que se estende ao país ou à própria sociedade brasileira, revela todos os cuidados das mães pelos filhos, e da família sem proteção. A falsa busca pela paz que acreditamos encontrar apenas nos fechando em nossas casas e em nossos mundos, quando sabemos, que a paz só é possível se todos se abrirem para o mundo, conhecerem-se e buscarem soluções em conjunto. Dentro do contexto de crítica ao isolacionismo, que pode ser da família ou de um país, temos o seguinte poema que mostra bem o medo tomando conta do mundo:
Ultra Sonografia Globalizada sem poema
Filha, entra!
Tranca o portão e a porta
Não fale com estranho
Não aumente o volume do som
Deixa o celular ligado
Filha, toma cuidado!
Estamos à deriva!
Não temos segurança ou indenização.
Procuramos (sem garantia) a paz
Que, enlameada, respira ofegante
Por entre urânio e flores virtuais.
Uma das figuras mais belas que li neste livro, uma obra prima rara na poesia brasileira, é a do seguinte poema:
Lentes e Contato
A moça com olhar de noiva
Mirava-se na poça de água barrenta
E se perdoava pelo corpo mal feito.
Simulava razões e lisonjeios.
Depois, descia a ladeira,
Levando seus ramos de alegria e alecrins.
Esta figura da moça com olhar de noiva mirando-se na poça de água barrenta. Fico a imaginar quem é esta moça, o que é este olhar de noiva. Primeiro, este olhar de noiva, a poetisa mesmo me explicou, é um olhar cheio de desejo, porque a noiva deseja, acima de tudo, deseja um final feliz para sua vida.
Então, pensei nesta moça cheia de desejo, tentando se encontrar na água barrenta, tentando achar o seu reflexo, e o que esta água barrenta senão o espelho do mundo onde ela não consegue se encontrar, Sente-se totalmente sem o retorno do mundo, do que as pessoas sentem, do que pensam sobre ela. Uma água barrenta, o mundo que não se preocupa com o indivíduo, apesar de dar tanto valor à individualidade. E então, esta moça se perdoa pelo corpo mal feito. Porque talvez a gente entenda que, aos olhos do mundo, devemos ser perfeitos para sermos felizes e esta moça vem, perdoa-se e prova a si mesma e ao mundo que ela não precisa desta perfeição de corpo e rosto ditada por regras absurdas, ela desce a ladeira, ou seja, ela enfrenta o mundo, e leva ramos de alegria e alecrins. Além de tudo, oferece uma alternativa de vida, uma alternativa baseada no perdão. Uma das características mais fortes da religiosidade do cristianismo, e, por mais inacreditável, tão esquecida, que é o perdão.
Zenilda consegue ser crítica e delicada com tanta facilidade e beleza. É uma poetisa nata, fantástica.
Já comentei que ela trata os relacionamentos com muita importância, as relações mãe-filha, pai-filha, cônjuges, amigos, são a própria vida, um belo exemplo, é a homenagem ao pai, que poderia ser a homenagem a todos os pais do mundo, de uma beleza única.
Quimera 77
Destilada a seiva
E a memória latejando no peito:
Pai, Benção!
Pai, reza comigo!
Pai, apaga a luz!
E aquela voz de sítio molhado
Chegava crua num assobio singelo:
_ To indo, Fia!
Destilar a seiva, outra bela figura para dizer tantas coisas como, por exemplo, ter vivido a vida, terminar a lida (o seringueiro destila a seiva no trabalho), reconciliar-se após uma briga, encerrar os afazeres e estar com o tempo livre, ou seja, quando o pai está à disposição, a filha pede a benção, uma reza, apagar a luz, percebe-se que chegou a hora de dormir, reconciliar-se com o mundo e se recolher com a ajuda do pai. Também se pode entender que há três tempos aí, o passado, o nascimento ou início: "Pai, Benção", o presente, a vivência ou o meio, "Pai, reza comigo", e o futuro, a morte, o final: "Pai, apaga a luz". E este pai, com voz de sítio molhado pode ser o próprio Deus ou um simples pai, em sua voz que chega num assobio singelo. Todos os pais dizem: To indo, Fia! Todos os pais atendem aos pedidos das suas filhas. Um belo poema, sem dúvida. Tão simples e tão rico!
Zenida é poetisa rara, concisa e publicou uma pequena obra prima, uma jóia para ser lida, relida e divulgada, uma jóia para ser usada por todos. Um livro que merece fazer parte de leituras e releituras deste tempo da literatura brasileira.
sexta-feira, 25 de setembro de 2009
Poeta Moraes - Olhando através do Concreto
Tento, neste texto, traduzir o trabalho poético do Poeta Moraes, em especial dos seus dois últimos livros. Trabalho difícil a que me propus, mas, lanço apenas alguma luz sobre a complexidade do trabalho do poeta JOSÉ MORAES BARBOSA.
Lendo o livro, a começar do título:
Poemas Rarefeitos
Por quê são rarefeitos?
Os poemas são rarefeitos porque de poucas palavras, curtos, ocupando pouco espaço ou, talvez, porque são como ar das grandes altitudes, precisamos respirar mais para obter o oxigênio? Fico com a segunda opção, precisamos respirar mais os poemas rarefeitos do Moraes para oxigenar a cabeça, para compreendê-los é preciso lê-los mais vezes.
A poesia de Moraes é concreta, vem de um menino urbano que viu e viveu a transformação da cidade e não se conformou com isso. Ele vê a multiplicação e a fragmentação da cidade em milhões de pedaços, pessoas, prédios, veículos, temas diversos e protesta contra a falta de concisão da urbe em:
Del(e)ito
Pelas ruas ombro a ombro
Pelas tuas
Assombro
Escombro
Ou seja, para ele, apesar de todos estarem ombro a ombro continua se assombrando ao perceber que as pessoas não percebem o escombro das ruas, das construções, da vida. E o Delito seria o escombro? Ou quer dizer Del (tecla Del ou Delete do computador) querendo excluir este assombro de sua visão.
Moraes é um migrante às avessas, ainda mais difícil, sempre viveu dentro desta cidade e sempre se moveu e se moldou nela, mas ele migrou da urbe pacata, onde os meninos podiam andar de bicicleta por toda ela, nadar no Rio Vidoca, limpo, cheio de peixes e tracajás, migrou da cidade sem prédios e arranha-céus para a São José atual, industrial, poluída, onde o asfalto é mais importante que o caminhar a pé, inconformou-se, viu a destruição de tudo aquilo que lhe era belo, migrou da beleza da cidade ideal ao lado da natureza até uma cidade cheia de prédios, de concreto, de asfalto, ele protesta em:
Nanomanifesto
(A)(Pre)(texto)
(Pro)Te(x)to
(Pro)Texto
Interpreto que ele protesta, e, ao protestar contra este Texto escrito nesta cidade, contra este Teto feito de concreto, ele também protesta e testa, com sentido de testar até onde somos pró (a favor) deste texto, até onde somos pré (antes deste texto) ou deste protesto, ou somos a favor deste protesto.
Ao chamar então:
Vidoca
Acorde Melancólico de Fezes
Porque, hoje, o Rio Vidoca é este acorde melancólico de fezes? Um rio em que ele nadou quando criança, foi retificado e transformado em esgoto a céu aberto. Então, é o protesto sem usar verbo, uma característica interessante, torna a poesia dura, concreta, feita de pedra. Muitas vezes, ao lê-la, parece que enxergamos uma parede de tijolos à nossa frente, tão difícil é compreender o poeta, mas precisamos interpretar o poema e derrubar esta parede, poemas de tão poucos e, muitas vezes, nenhum verbo para indicar a ação, para nos guiar entre suas palavras. Afinal, o que ele quer dizer em:
Cleptocracia
Fashion week da miséria
Não há verbo algum, não há ação nenhuma, cinco palavras, não há sujeito ou predicado, no entanto, diz muito quando começamos a pensar nas palavras colocadas.
Cleptocracia como fusão de clepto que é o furto, o roubo com cracia, o poder, ou a classe que está no poder, então, cleptocracia seria a classe dominante formada pelos ladrões, seria a sociedade cujo poder é exercido pelos ladrões e assaltantes.
Fashion week é a semana de moda, daquilo que cobre o ser humano, fashion week da miséria é a semana de moda da miséria, ou seja, o que resta na cleptocracia. Se os ladrões mandam e têm o poder, ao povo, aos dominados, resta cobrir-se miséria de semana a semana, aos ladrões, o poder e todas as riquezas. Novamente, a poesia de Moraes vem cheia de dureza e é preciso ver além dela, porque, ao começarmos a divagar, pensamos: quem é o poder? Quem são os ladrões? Quem está na Fashion Week? Quem está na miséria? As questões vão ficando irrespondíveis e somos obrigados a enxergar cada vez mais, considerando que Moraes monta seu quebra cabeça poético com poucas peças. Somos obrigados a lapidar a pedra que Moraes coloca na nossa frente, e coloca uma pedra pichada, cheia de protesto, ao qual nos obrigamos a vencer.
Moraes também critica os novos costumes surgidos com as novas tecnologias
Paixão Digital
Poemar
Poe-mail
Entre-mails
Amar
É uma constatação e uma crítica. O amor existindo na tecnologia cibernética, o amor virtual superando o amor real, seria o fim da aproximação física entre as pessoas? Seria melhor amar por email? Seria uma referência ao amor entre Frank Doel e Helene Hanff da história de “Nunca te Vi, Sempre te Amei” (filme de David Hugh Jones)?
Ou Moraes estaria apenas brincando com as palavras e juntando poema e email ao escrever poe-mail? Um poema de amor que é um email, uma idéia nova talvez.
Não, ele mesmo responde e crê, apesar do mundo, apesar da distância física da tecnologia, na eternidade do amor:
Lúdica para Lucy
Na ambigüidade de sua existência
Permito-me viajante
Até que a morte nos revele
Assim é o amor da ótica de Moraes, um amor da urbe visando o eterno, ciente de que só a morte poderá revelar a verdadeira natureza deste amor.
Observando um pouco mais do uso dos recursos literários, Moraes abusa dos parênteses para dar vários significados à mesma frase:
Ouro de Aluvião
A (pa)lav(r)a o Poeta
Pode-se fazer várias combinações da frase como se fosse um número de combinações matemáticas neste poema aparentemente sem verbos (novamente). Entre as combinações, temos:
A pá lavra o poeta (ou seja, usar uma pá, cavocar, a palavra, para lavrar, ou cultivar o poeta).
Se retirarmos as letras inseridas nos parênteses teremos: A lava o Poeta. Referindo a lava, a massa quente de pedra vulcânica, como se a palavra queimasse o poeta, saísse de dentro dele, queimando e gerando o ouro da língua portuguesa.
Ou simplesmente, a palavra o poeta. Indicando que o poeta é a própria palavra. Ou a palavra é que lavra o poeta. A palavra é que o transforma, por isso, Ouro de Aluvião.
E muitas outras interpretações de um poema.
A poesia de José Moraes é difícil mas é trabalhada, pensada, feita para ser entendida através das palavras, não é auto explicativa, ao contrário, obriga o leitor a interpretar e compreender. Daí que vem a sua originalidade.
Lendo o livro, a começar do título:
Poemas Rarefeitos
Por quê são rarefeitos?
Os poemas são rarefeitos porque de poucas palavras, curtos, ocupando pouco espaço ou, talvez, porque são como ar das grandes altitudes, precisamos respirar mais para obter o oxigênio? Fico com a segunda opção, precisamos respirar mais os poemas rarefeitos do Moraes para oxigenar a cabeça, para compreendê-los é preciso lê-los mais vezes.
A poesia de Moraes é concreta, vem de um menino urbano que viu e viveu a transformação da cidade e não se conformou com isso. Ele vê a multiplicação e a fragmentação da cidade em milhões de pedaços, pessoas, prédios, veículos, temas diversos e protesta contra a falta de concisão da urbe em:
Del(e)ito
Pelas ruas ombro a ombro
Pelas tuas
Assombro
Escombro
Ou seja, para ele, apesar de todos estarem ombro a ombro continua se assombrando ao perceber que as pessoas não percebem o escombro das ruas, das construções, da vida. E o Delito seria o escombro? Ou quer dizer Del (tecla Del ou Delete do computador) querendo excluir este assombro de sua visão.
Moraes é um migrante às avessas, ainda mais difícil, sempre viveu dentro desta cidade e sempre se moveu e se moldou nela, mas ele migrou da urbe pacata, onde os meninos podiam andar de bicicleta por toda ela, nadar no Rio Vidoca, limpo, cheio de peixes e tracajás, migrou da cidade sem prédios e arranha-céus para a São José atual, industrial, poluída, onde o asfalto é mais importante que o caminhar a pé, inconformou-se, viu a destruição de tudo aquilo que lhe era belo, migrou da beleza da cidade ideal ao lado da natureza até uma cidade cheia de prédios, de concreto, de asfalto, ele protesta em:
Nanomanifesto
(A)(Pre)(texto)
(Pro)Te(x)to
(Pro)Texto
Interpreto que ele protesta, e, ao protestar contra este Texto escrito nesta cidade, contra este Teto feito de concreto, ele também protesta e testa, com sentido de testar até onde somos pró (a favor) deste texto, até onde somos pré (antes deste texto) ou deste protesto, ou somos a favor deste protesto.
Ao chamar então:
Vidoca
Acorde Melancólico de Fezes
Porque, hoje, o Rio Vidoca é este acorde melancólico de fezes? Um rio em que ele nadou quando criança, foi retificado e transformado em esgoto a céu aberto. Então, é o protesto sem usar verbo, uma característica interessante, torna a poesia dura, concreta, feita de pedra. Muitas vezes, ao lê-la, parece que enxergamos uma parede de tijolos à nossa frente, tão difícil é compreender o poeta, mas precisamos interpretar o poema e derrubar esta parede, poemas de tão poucos e, muitas vezes, nenhum verbo para indicar a ação, para nos guiar entre suas palavras. Afinal, o que ele quer dizer em:
Cleptocracia
Fashion week da miséria
Não há verbo algum, não há ação nenhuma, cinco palavras, não há sujeito ou predicado, no entanto, diz muito quando começamos a pensar nas palavras colocadas.
Cleptocracia como fusão de clepto que é o furto, o roubo com cracia, o poder, ou a classe que está no poder, então, cleptocracia seria a classe dominante formada pelos ladrões, seria a sociedade cujo poder é exercido pelos ladrões e assaltantes.
Fashion week é a semana de moda, daquilo que cobre o ser humano, fashion week da miséria é a semana de moda da miséria, ou seja, o que resta na cleptocracia. Se os ladrões mandam e têm o poder, ao povo, aos dominados, resta cobrir-se miséria de semana a semana, aos ladrões, o poder e todas as riquezas. Novamente, a poesia de Moraes vem cheia de dureza e é preciso ver além dela, porque, ao começarmos a divagar, pensamos: quem é o poder? Quem são os ladrões? Quem está na Fashion Week? Quem está na miséria? As questões vão ficando irrespondíveis e somos obrigados a enxergar cada vez mais, considerando que Moraes monta seu quebra cabeça poético com poucas peças. Somos obrigados a lapidar a pedra que Moraes coloca na nossa frente, e coloca uma pedra pichada, cheia de protesto, ao qual nos obrigamos a vencer.
Moraes também critica os novos costumes surgidos com as novas tecnologias
Paixão Digital
Poemar
Poe-mail
Entre-mails
Amar
É uma constatação e uma crítica. O amor existindo na tecnologia cibernética, o amor virtual superando o amor real, seria o fim da aproximação física entre as pessoas? Seria melhor amar por email? Seria uma referência ao amor entre Frank Doel e Helene Hanff da história de “Nunca te Vi, Sempre te Amei” (filme de David Hugh Jones)?
Ou Moraes estaria apenas brincando com as palavras e juntando poema e email ao escrever poe-mail? Um poema de amor que é um email, uma idéia nova talvez.
Não, ele mesmo responde e crê, apesar do mundo, apesar da distância física da tecnologia, na eternidade do amor:
Lúdica para Lucy
Na ambigüidade de sua existência
Permito-me viajante
Até que a morte nos revele
Assim é o amor da ótica de Moraes, um amor da urbe visando o eterno, ciente de que só a morte poderá revelar a verdadeira natureza deste amor.
Observando um pouco mais do uso dos recursos literários, Moraes abusa dos parênteses para dar vários significados à mesma frase:
Ouro de Aluvião
A (pa)lav(r)a o Poeta
Pode-se fazer várias combinações da frase como se fosse um número de combinações matemáticas neste poema aparentemente sem verbos (novamente). Entre as combinações, temos:
A pá lavra o poeta (ou seja, usar uma pá, cavocar, a palavra, para lavrar, ou cultivar o poeta).
Se retirarmos as letras inseridas nos parênteses teremos: A lava o Poeta. Referindo a lava, a massa quente de pedra vulcânica, como se a palavra queimasse o poeta, saísse de dentro dele, queimando e gerando o ouro da língua portuguesa.
Ou simplesmente, a palavra o poeta. Indicando que o poeta é a própria palavra. Ou a palavra é que lavra o poeta. A palavra é que o transforma, por isso, Ouro de Aluvião.
E muitas outras interpretações de um poema.
A poesia de José Moraes é difícil mas é trabalhada, pensada, feita para ser entendida através das palavras, não é auto explicativa, ao contrário, obriga o leitor a interpretar e compreender. Daí que vem a sua originalidade.
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
O Trabalho de Joca Faria
Joca Faria é um poeta que exige mais compreensão. Seus estudos de filosofia o levam a construir um mundo próprio, preocupado com as atitudes auto-destrutivas suas e da sociedade humana como um todo. Chega a ter, em muitos aspectos, uma característica de messianismo.
Muitas vezes, as palavras funcionam bem nos poemas e a sua forma de protesto realmente põe o leitor a pensar. Sua preocupação excessiva com a morte remete, pelo tema, aos poetas românticos que a buscavam excessivamente. Sua preocupação excessiva com o aspecto negativo da sociedade atual que leva o mundo a auto destruição tem, como substrato, deuses gregos e indianos, aproximando-se do esoterismo e com muitas referências incomuns ao brasileiro médio, por isso, sua poesia torna-se incompreendida pela sociedade.
A forte referência ao sexo também revela um poeta que enxerga mais o sexo do que o amor como forma de redenção humana.
Percebemos um poeta que conhece bem os textos de várias religiões e que acaba por fazer, muitas vezes, uma fusão de várias delas, conectando-as e inter-relacionando-as.
A dificuldade maior do livro de Joca Faria é o por onde iniciar a sua leitura, já que não há uma seqüência de temas a uniformizá-lo. Cada poema trata de um assunto, entre eles: a preocupação com a situação da sociedade, o desejo sexual, a morte, uma profecia, a dicotomia entre o sagrado e o profano. Concluo que não há forma de iniciar o livro porque não há forma de se colocar ordem no caos. A proposta do livro parece ser o próprio caos, a confusão do homem moderno, bombardeado por milhares de informações e sendo solicitado a todo instante a dar uma razão para a sua existência. Para Joca Faria não há razão para a vida humana, havendo milhões de razões para a sua exterminação da face da terra, restando entregar o mundo às baratas.
Deste ponto, talvez falte-lhe avançar na filosofia e trazê-la mais próxima dos tempos atuais, chegando até Dag Tessore e Giles Lipovetzki, filósofos atuais que discutem muito a atual sociedade de consumo que está levando o mundo à destruição.
Percebe-se a aura de um poeta atormentado por questões muito maiores do que ele, questões já citadas (profano-sagrado, desejo, morte, sexo, destruição). Joca Faria não traz a poesia para o dia-a-dia dos mortais normais, coloca-a em outra esfera, diferente da que estamos acostumados, como se fossem códigos ainda por decifrar, símbolos que falariam mais alto do que a vida humana.
Este universo tão particular que ele enxerga através das suas “Retinas” é o que distingue dos demais, mas até mesmo esta discussão que ele propõe, de certa forma, deve ser inserida no debate da cidade como um todo, afinal, é a partir da cidade, das observações das relações humanas que ele elabora sua teoria do caos e da destruição.
Aos poucos, Joca Faria vai-se infiltrando e assumindo a cidade, principalmente ao enxergar uma personagem constante em sua poesia, a mulher, vista algumas vezes como a prostituta que corre o risco na rua em:
A Dama
Na dura esquina da noite
Ela busca seus sonhos
Linda mulher, desejada
Corre risco
Em busca da liberdade...
Esta visão da mulher necessita de mais discussão, pois onde a prostituição, como meio de vida, é a busca da liberdade? Ou a busca da liberdade seria sair da prostituição (pois a prostituição é uma prisão para aquela que a exerce) ou a busca da liberdade é viver na prostituição (pois a sociedade atual seria uma prisão)?
Mas, em geral, a mulher é o mistério que ele tenta decifrar, ao mesmo tempo sagrada e profana, a mulher pela qual ele sofre, que é anjo, a qual ele deseja e que, por isso mesmo, leva-o à morte e à própria destruição.
Além de se inserir na cidade através da mulher, Joca Faria se insere, também, ao reverenciar o Vale do Paraíba, ao protestar contra a destruição da natureza, ao desejar ser o dono do próprio chão. Os melhores poemas de Joca Faria são os que ele abandona a filosofia e parte para a simplicidade, claro, percebemos que a filosofia está presente nos poemas em que ele busca mais a síntese do que a explicação:
Faces
Acaso a sussurrar
em meus sentidos,
No labirinto te encontro
Ausência presente
mistério de sete faces
Neste poema, Joca sintetiza todo o mundo que ele exaustivamente se explica ao longo do livro, há alguém (provavelmente a mulher desejada) a sussurrar nos sentidos, ou seja, não apenas no ouvido, mas em todos os sentidos esta mulher sussurra. Ele a encontra no labirinto, que pode ser entendido como o emaranhado de ações cotidianas, as contradições e dificuldades, onde ela está ausente (pois o poeta a busca) mas presente (porque impregnada em seus sentidos) sendo um mistério para ele como ela consegue isso, como ela é multifacetada (sete faces) em sete, um número esotérico, de cada forma que a mulher desejada se apresenta.
Muitas vezes, as palavras funcionam bem nos poemas e a sua forma de protesto realmente põe o leitor a pensar. Sua preocupação excessiva com a morte remete, pelo tema, aos poetas românticos que a buscavam excessivamente. Sua preocupação excessiva com o aspecto negativo da sociedade atual que leva o mundo a auto destruição tem, como substrato, deuses gregos e indianos, aproximando-se do esoterismo e com muitas referências incomuns ao brasileiro médio, por isso, sua poesia torna-se incompreendida pela sociedade.
A forte referência ao sexo também revela um poeta que enxerga mais o sexo do que o amor como forma de redenção humana.
Percebemos um poeta que conhece bem os textos de várias religiões e que acaba por fazer, muitas vezes, uma fusão de várias delas, conectando-as e inter-relacionando-as.
A dificuldade maior do livro de Joca Faria é o por onde iniciar a sua leitura, já que não há uma seqüência de temas a uniformizá-lo. Cada poema trata de um assunto, entre eles: a preocupação com a situação da sociedade, o desejo sexual, a morte, uma profecia, a dicotomia entre o sagrado e o profano. Concluo que não há forma de iniciar o livro porque não há forma de se colocar ordem no caos. A proposta do livro parece ser o próprio caos, a confusão do homem moderno, bombardeado por milhares de informações e sendo solicitado a todo instante a dar uma razão para a sua existência. Para Joca Faria não há razão para a vida humana, havendo milhões de razões para a sua exterminação da face da terra, restando entregar o mundo às baratas.
Deste ponto, talvez falte-lhe avançar na filosofia e trazê-la mais próxima dos tempos atuais, chegando até Dag Tessore e Giles Lipovetzki, filósofos atuais que discutem muito a atual sociedade de consumo que está levando o mundo à destruição.
Percebe-se a aura de um poeta atormentado por questões muito maiores do que ele, questões já citadas (profano-sagrado, desejo, morte, sexo, destruição). Joca Faria não traz a poesia para o dia-a-dia dos mortais normais, coloca-a em outra esfera, diferente da que estamos acostumados, como se fossem códigos ainda por decifrar, símbolos que falariam mais alto do que a vida humana.
Este universo tão particular que ele enxerga através das suas “Retinas” é o que distingue dos demais, mas até mesmo esta discussão que ele propõe, de certa forma, deve ser inserida no debate da cidade como um todo, afinal, é a partir da cidade, das observações das relações humanas que ele elabora sua teoria do caos e da destruição.
Aos poucos, Joca Faria vai-se infiltrando e assumindo a cidade, principalmente ao enxergar uma personagem constante em sua poesia, a mulher, vista algumas vezes como a prostituta que corre o risco na rua em:
A Dama
Na dura esquina da noite
Ela busca seus sonhos
Linda mulher, desejada
Corre risco
Em busca da liberdade...
Esta visão da mulher necessita de mais discussão, pois onde a prostituição, como meio de vida, é a busca da liberdade? Ou a busca da liberdade seria sair da prostituição (pois a prostituição é uma prisão para aquela que a exerce) ou a busca da liberdade é viver na prostituição (pois a sociedade atual seria uma prisão)?
Mas, em geral, a mulher é o mistério que ele tenta decifrar, ao mesmo tempo sagrada e profana, a mulher pela qual ele sofre, que é anjo, a qual ele deseja e que, por isso mesmo, leva-o à morte e à própria destruição.
Além de se inserir na cidade através da mulher, Joca Faria se insere, também, ao reverenciar o Vale do Paraíba, ao protestar contra a destruição da natureza, ao desejar ser o dono do próprio chão. Os melhores poemas de Joca Faria são os que ele abandona a filosofia e parte para a simplicidade, claro, percebemos que a filosofia está presente nos poemas em que ele busca mais a síntese do que a explicação:
Faces
Acaso a sussurrar
em meus sentidos,
No labirinto te encontro
Ausência presente
mistério de sete faces
Neste poema, Joca sintetiza todo o mundo que ele exaustivamente se explica ao longo do livro, há alguém (provavelmente a mulher desejada) a sussurrar nos sentidos, ou seja, não apenas no ouvido, mas em todos os sentidos esta mulher sussurra. Ele a encontra no labirinto, que pode ser entendido como o emaranhado de ações cotidianas, as contradições e dificuldades, onde ela está ausente (pois o poeta a busca) mas presente (porque impregnada em seus sentidos) sendo um mistério para ele como ela consegue isso, como ela é multifacetada (sete faces) em sete, um número esotérico, de cada forma que a mulher desejada se apresenta.
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