sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Poeta Moraes - Olhando através do Concreto

Tento, neste texto, traduzir o trabalho poético do Poeta Moraes, em especial dos seus dois últimos livros. Trabalho difícil a que me propus, mas, lanço apenas alguma luz sobre a complexidade do trabalho do poeta JOSÉ MORAES BARBOSA.

Lendo o livro, a começar do título:

Poemas Rarefeitos

Por quê são rarefeitos?
Os poemas são rarefeitos porque de poucas palavras, curtos, ocupando pouco espaço ou, talvez, porque são como ar das grandes altitudes, precisamos respirar mais para obter o oxigênio? Fico com a segunda opção, precisamos respirar mais os poemas rarefeitos do Moraes para oxigenar a cabeça, para compreendê-los é preciso lê-los mais vezes.
A poesia de Moraes é concreta, vem de um menino urbano que viu e viveu a transformação da cidade e não se conformou com isso. Ele vê a multiplicação e a fragmentação da cidade em milhões de pedaços, pessoas, prédios, veículos, temas diversos e protesta contra a falta de concisão da urbe em:

Del(e)ito


Pelas ruas ombro a ombro
Pelas tuas
Assombro
Escombro

Ou seja, para ele, apesar de todos estarem ombro a ombro continua se assombrando ao perceber que as pessoas não percebem o escombro das ruas, das construções, da vida. E o Delito seria o escombro? Ou quer dizer Del (tecla Del ou Delete do computador) querendo excluir este assombro de sua visão.
Moraes é um migrante às avessas, ainda mais difícil, sempre viveu dentro desta cidade e sempre se moveu e se moldou nela, mas ele migrou da urbe pacata, onde os meninos podiam andar de bicicleta por toda ela, nadar no Rio Vidoca, limpo, cheio de peixes e tracajás, migrou da cidade sem prédios e arranha-céus para a São José atual, industrial, poluída, onde o asfalto é mais importante que o caminhar a pé, inconformou-se, viu a destruição de tudo aquilo que lhe era belo, migrou da beleza da cidade ideal ao lado da natureza até uma cidade cheia de prédios, de concreto, de asfalto, ele protesta em:

Nanomanifesto


(A)(Pre)(texto)
(Pro)Te(x)to
(Pro)Texto

Interpreto que ele protesta, e, ao protestar contra este Texto escrito nesta cidade, contra este Teto feito de concreto, ele também protesta e testa, com sentido de testar até onde somos pró (a favor) deste texto, até onde somos pré (antes deste texto) ou deste protesto, ou somos a favor deste protesto.
Ao chamar então:

Vidoca


Acorde Melancólico de Fezes

Porque, hoje, o Rio Vidoca é este acorde melancólico de fezes? Um rio em que ele nadou quando criança, foi retificado e transformado em esgoto a céu aberto. Então, é o protesto sem usar verbo, uma característica interessante, torna a poesia dura, concreta, feita de pedra. Muitas vezes, ao lê-la, parece que enxergamos uma parede de tijolos à nossa frente, tão difícil é compreender o poeta, mas precisamos interpretar o poema e derrubar esta parede, poemas de tão poucos e, muitas vezes, nenhum verbo para indicar a ação, para nos guiar entre suas palavras. Afinal, o que ele quer dizer em:

Cleptocracia


Fashion week da miséria

Não há verbo algum, não há ação nenhuma, cinco palavras, não há sujeito ou predicado, no entanto, diz muito quando começamos a pensar nas palavras colocadas.
Cleptocracia como fusão de clepto que é o furto, o roubo com cracia, o poder, ou a classe que está no poder, então, cleptocracia seria a classe dominante formada pelos ladrões, seria a sociedade cujo poder é exercido pelos ladrões e assaltantes.
Fashion week é a semana de moda, daquilo que cobre o ser humano, fashion week da miséria é a semana de moda da miséria, ou seja, o que resta na cleptocracia. Se os ladrões mandam e têm o poder, ao povo, aos dominados, resta cobrir-se miséria de semana a semana, aos ladrões, o poder e todas as riquezas. Novamente, a poesia de Moraes vem cheia de dureza e é preciso ver além dela, porque, ao começarmos a divagar, pensamos: quem é o poder? Quem são os ladrões? Quem está na Fashion Week? Quem está na miséria? As questões vão ficando irrespondíveis e somos obrigados a enxergar cada vez mais, considerando que Moraes monta seu quebra cabeça poético com poucas peças. Somos obrigados a lapidar a pedra que Moraes coloca na nossa frente, e coloca uma pedra pichada, cheia de protesto, ao qual nos obrigamos a vencer.
Moraes também critica os novos costumes surgidos com as novas tecnologias

Paixão Digital


Poemar
Poe-mail
Entre-mails
Amar

É uma constatação e uma crítica. O amor existindo na tecnologia cibernética, o amor virtual superando o amor real, seria o fim da aproximação física entre as pessoas? Seria melhor amar por email? Seria uma referência ao amor entre Frank Doel e Helene Hanff da história de “Nunca te Vi, Sempre te Amei” (filme de David Hugh Jones)?
Ou Moraes estaria apenas brincando com as palavras e juntando poema e email ao escrever poe-mail? Um poema de amor que é um email, uma idéia nova talvez.
Não, ele mesmo responde e crê, apesar do mundo, apesar da distância física da tecnologia, na eternidade do amor:



Lúdica para Lucy


Na ambigüidade de sua existência
Permito-me viajante
Até que a morte nos revele

Assim é o amor da ótica de Moraes, um amor da urbe visando o eterno, ciente de que só a morte poderá revelar a verdadeira natureza deste amor.
Observando um pouco mais do uso dos recursos literários, Moraes abusa dos parênteses para dar vários significados à mesma frase:

Ouro de Aluvião


A (pa)lav(r)a o Poeta

Pode-se fazer várias combinações da frase como se fosse um número de combinações matemáticas neste poema aparentemente sem verbos (novamente). Entre as combinações, temos:
A pá lavra o poeta (ou seja, usar uma pá, cavocar, a palavra, para lavrar, ou cultivar o poeta).
Se retirarmos as letras inseridas nos parênteses teremos: A lava o Poeta. Referindo a lava, a massa quente de pedra vulcânica, como se a palavra queimasse o poeta, saísse de dentro dele, queimando e gerando o ouro da língua portuguesa.
Ou simplesmente, a palavra o poeta. Indicando que o poeta é a própria palavra. Ou a palavra é que lavra o poeta. A palavra é que o transforma, por isso, Ouro de Aluvião.
E muitas outras interpretações de um poema.

A poesia de José Moraes é difícil mas é trabalhada, pensada, feita para ser entendida através das palavras, não é auto explicativa, ao contrário, obriga o leitor a interpretar e compreender. Daí que vem a sua originalidade.

Um comentário:

Unknown disse...

O poeta admirou sua lucidez ao descrevê-lo. Muito bom. Saudações, Moraes e Luci