segunda-feira, 10 de maio de 2010

OS MICROCONTOS DE WILSON GORJ

A MICRO LITERATURA DE WILSON GORJ


Leitura do livro: Prometo ser breve

Wilson Gorj é um autor novo que já possui um bom trabalho tanto em participações em livros quanto no universo web e lançou no dia 21 de março de 2010, em Aparecida, o seu segundo livro "Prometo ser Breve", onde expõe ao extremo a sua arte de micro contos, em que reduz ao mínimo uma história, redige, na verdade, apenas a idéia da história colocando a contradição do significado de uma expressão. Seus microcontos aproximam-se da poesia e se diferenciam por não ser uma escrita de figuras de linguagem.

Como exemplo de um microconto, temos:

“Ela pintava quadros. Ele, paredes.
Conheceram-se. Pintou um clima.
Na cama, pintaram o sete.”

Neste micro conto, ele se utiliza dos vários significados da palavra pintar para criar a sua história. Pintar quadros e paredes, pintar o clima no sentido de haver afinidade entre duas pessoas, pintar o sete no sentido de fazer brincadeiras, no caso, sexuais. Então, ao brincar com o sentido de uma palavra, Wilson Gorj desenvolve o seu microconto, no caso acima, mesmo que ele não descreva, podemos pensar na mulher artista, cheia de sensibilidade, no homem pintor de paredes, cheio de rudeza, ainda sim, conhecem-se, surge o desejo em ambos, sentem-se atraídos e acabam na cama, talvez até pudéssemos classificar como se fosse poesia concreta transcrita para a prosa, mas não é porque a poesia concreta, além do aspecto visual do uso das palavras, também procura transformar o poema em transfiguração da palavra, que é muito diferente do microconto.

No decorrer da leitura, senti o exagero do autor nesta redução. Em muitos casos ao colocar apenas uma frase opondo dois fatos contrários, por exemplo:

“Experimentou todas as chaves do molho, nenhuma lhe abriu o apetite.”

Apesar de eu gostar desta sacada original, o molho de chaves e o apetite, sendo que molho na comida é o que dá novo sabor ao alimento. E, apesar de ter gostado de inúmeras outras, tudo em geral, repleto de ironia, confesso que, ao terminar o livro, não consegui guardar muita coisa do que li na memória, nem mesmo ficou aquela mastigação de uma idéia central tratada num conto, romance ou poema, nem fiquei a pensar no que o autor propôs como idéia de mundo e comecei a entender que não era esta a idéia do autor. Nada ficou gravado na memória, tudo foi tão efêmero quanto o tamanho dos contos. Então, retornei à leitura para compreender melhor porque eu gostei de algo que não ficou na memória.

Realmente, Gorj não se propõe a explicar ou a teorizar o mundo, ele está implícito no mundo, é tão parte da atualidade que acaba por fazer literatura da sociedade sem explicá-la ou teorizá-la.

A leitura acontece e provoca a sensação imediata, feito um doce gostoso, um perfume agradável, uma bela visão de uma borboleta, uma bolha de sabão que estoura. Sem o contexto que envolve cada uma destas sensações, a memória não grava a lembrança da história mas apenas a sensação. Tudo se esvai feito fumaça, gás, uma nuvem que lembra uma forma e no momento seguinte é outra coisa da qual esquecemos da primeira sem perder o gosto de apreciar as nuvens.

Isto causou-me o incômodo de não ser transformado ou tocado por uma grande história que vem e nos impacta ou nos carrega a outros mundos através de elaborações mentais. A redução da história a sua sinopse, reduz a vida daquela história. Retornando ao que disse no parágrafo anterior, para mim, é tão clara a imersão de Gorj no mundo que ele representa a tradução exata da superestrutura da sociedade de hiperconsumo atual para a literatura.

É a necessidade de consumo rápido da sociedade, então, o microconto é consumo rápido da leitura, em seguida, o próximo microconto tem de causar outra sensação, trazer outra antítese ou metáfora ou contradição, diferente da anterior e, no fim, esta repetição acaba sendo sempre a mesma solicitação da sociedade do hiperconsumo. Sempre a rapidez da sensação que vem e causa um impacto suave e agradável e importante, sem dor, sem tristeza, sem levar a alma aos seus recônditos mais cruéis, e logo devemos ter outra sensação agradável e boa. É a transcrição exata da sociedade do hiperconsumo para a literatura.

É importante dizer que isto não pode ser classificado com bom ou ruim, mas como uma forma diferente de se fazer literatura. Os microcontos, apesar de existirem há um bom tempo, aproximam-se muito da literatura atual neste sentido da rapidez do mundo, internete, twiter, email, mensagem instantânea.

E quando Gorj entra na poesia é que podemos fazer uma comparação e aproximação e distensão com o que outros poetas fazem.

Há poemas muito bons como:

VOCÊ

Um punhal
Espetado no meu peito
Meu dilema
É não saber direito
Se a tiro de mim
Ou se cravo até o fim.

Ou

ATRAÇÃO FATAL

Não fale muito próximo
Sua boca é vertiginosa como os abismos
Mais um palmo
E eu me ...
                a
                 t
                  i
                  r
                  o

Então, nos temas poéticos, o autor trata basicamente de poemas de amor e de poemas sobre a poesia e o fazer poético, em geral, utilizando também ao máximo a idéia do mínimo, acaba por não explorar ou se aprofundar na riqueza das figuras de linguagem que ele mesmo cria e produz, ao utilizar da ironia com prodigalidade, fica devendo um pouco mais de conflito que poderia tornar ainda melhor o seu trabalho.

O trabalho de Wilson Gorj é muito bom, inteligente ao utilizar tantas observações interessantes, “sacadas geniais”. Nesta parte poética, ironia do destino, Gorj escreve poemas maiores do que seus microcontos e há poemas, que são verdadeiros microcontos como:

O VAGABUNDO

Dono de todas as ruas
O vagabundo perambula
À procura da cama sonhada
Enquanto não a encontra
Ele dorme pelos cantos
No chão duro das calçadas

Belo poema, quase todo métrico e cheio de ritmo e com um tema social mais abrangente. E não deixa de ser uma história: o vagabundo procura a sua cama, não encontrando, dorme na calçada. Mesmo na poesia, ele não conseguiu abandonar os seus microcontos, ou seja, faz esta mistura entre poesia e prosa.

É isso, Wilson Gorj nos traz os seus microcontos e, muitas vezes, parece-me que fez uma espécie de propaganda, usou trinta segundos do tempo em que estamos no meio do programa e deu o seu recado. Neste caso, o programa seria a nossa vida e o seu microconto seria o intervalo para o comercial. Deste ponto de vista que enxergo o trabalho de Gorj como parte do mundo.
Continuei com a sensação de leveza. A propaganda até nos leva a fortes emoções mas não contesta o capitalismo e o consumo porque é parte desta sociedade consumista. Faltou isso, fazer com que o micro conto seja uma forma de protesto, de revolução do pensamento. Não deixar que o micro conto seja apenas a revolução do formato do conto, mas é preciso que seja a revolução do pensamento.

6 comentários:

Anônimo disse...

Fernando,

Parabéns pela sua análise. Embora em alguns pontos senti o meu trabalho um pouco scarpelado [rs], apreciei a sua crítica na maioria das observações pertinentes.

Só tenho a agradecê-lo por ter se debruçado em meus textos com tamanha competência e sinceridade.

Agora voltemos à vida real. Plim-plim.

W.G.

Arth Silva disse...

muito interessante a analise, nota-se que o autor da resenha nao é acostmado a linguagem dos microcontos, sendo assim tem uma visao mais superficial da obra, o que nao significa que nao possa apreciar toda a arte contida ali

o mesmo acontece quando um leitor que só le microcontos se aventura lendo o grande Sertao Veredas, no inicio ha certo estranhamento pela diferenca literaria nao convencional aos padroes do leitor, mas logo depois vem o sorriso no rosto, consequencia latente da boa literatura que nao é medida por numero de linhas!

SCARPEL disse...

Arth Silva, você tem razão ao afirmar que não tenho familiaridade com o Microconto. Agora tenho. Debrucei-me e devorei o livro de Gorj, todo o tempo que dispunha, li e reli mais muitas vezes, pensei sobre ele, pensei sobre as palavras, comparei-o com o mundo que conheço e vivo. Discordo de seu comentário apenas na "visão superficial da obra". De resto, fico feliz com a sua leitura, aproveitei para olhar o seu blog e achei bastante interessante. Convido-o a comparecer em São Francisco Xavier entre 28 e 30 de maio próximo no Festival da Mantiqueira, conheçamo-nos, vamos conversar e debater literatura e poesia.

Eduardo Sabino disse...

Oi Fernando, bela leitura. Wilson é um artesão dos microcontos, especialmente desses contos que brincam com a ambiguidade das palavras. Mas concordo com você, não dá para separar a literatura do mundo em que vivemos, e os microcontos refletem a demanda por rapidez do mundo contemporãneo. Não deixa de ser a literatura se reajustando para caber no mundo do consumo. Como autor, o microconto ainda não me atrai. Como leitor, acredito no potencial de escritores como Gorj de conseguirem dizer muito com muito pouco, de alcançarem ampliação de sentido pela micronarrativa.

Geraldo Lima disse...

Olá, Fernando, tudo bem? Excelente resenha sobre os microcontos do Wilson Gorj. Ainda estou conhecendo os textos dele, mas, como autor também de microcontos, gosto do que já li. Após ler o seu Prometo ser breve, poderei falar com mais precisão sobre seus microcontos. Por enquanto gostaria de dizer que o microconto exige do leitor uma coautoria, ou seja, o leitor precisa, durante e depois, completar a história, preencher as lacunas, tornar visível na mente aquilo que foi apenas sugerido. E parabéns pela produção literária do Vale do Paraíba. Só a internet permite essa descentralização, fazendo com que saibamos que nos diferentes pontos do país as coisas estão acontecendo. Podendo, visite o meu blog: www.baque-blogdogeraldolima.blogspot.com. Blogo também n'O BULE, que é coletivo: www.o-bule.blogspot.com Um abração!

Geraldo Lima

cantonholi disse...

Blog muito legal.

me siga em:

www.microcontos180.blogspot.com

www.micropoetricidade.blogspot.com

saudações literárias

@cantonholi