terça-feira, 26 de março de 2013

Águas de Março

      Em seu terceiro livro solo, Reginaldo Poeta Gomes trouxe até nós uma boa seleção de poemas que se mantém bastante fiel ao seu estilo. Acrescenta que fala mais de amor, continua com a inserção da água em muitos poemas e vem alguns toques sociais.
      Na forma, distingue-se um pouco do livro anterior, agora, há mais poemas com muitos versos e poucos poemas curtos e diretos, está mais filosófico, mais pensador e mostrando-se mais, permitindo-se aos outros que o descubram como um homem simples e apaixonado pela vida.
      Mas, apesar da maioria do livro ser assim, bastante lírico e romântico, percebemos que há uma certa angústia em tudo isso e uma percepção de desilusão na vida em:
 
                                     Lírica Manhã

                                         Não vale a pena se iludir
Não existem milagres
A flor que conduz os sonhos
É a flor da tempestade.

      Assim, somo convidados a descobrir este mundo ou o que está por trás dele, quando analisamos com mais calma a ideia de cada poema, vemos que o poeta, para variar, é este fingidor nato.

Lugar Estranho

O menino pulo num buraco
O buraco era muito profundo
De repente chegou noutro lado
Do lado do lado
De um estranho mundo.

Esse mundo era desabitado
Era um mundo diferente
Esse mundo só tinha uma porta
Que dava para dentro de dentro da gente.

      Ou seja, ao longo do livro, ele tenta fazer-nos acreditar que está somente contando coisas belas, mas há uma busca de si mesmo, que menino é esse que pula dentro de si mesmo senão o próprio poeta? E este pulo dentro de si que ele expõe fica mais claro nos poemas dedicados a um pai ausente na sua infância. Há  desilusão e dor ainda que disfarçadas, fingidas e transformadas em beleza. E também há crítica mais séria e interessante em "Escombros", poema dedicado ao Pinheirinho, e também no poema:

Conversa entre postes

Ontem foi terrível
1 estupro;
5 assaltos
E nenhum beijo de amor...

Quanto horror!
Esta claridade ainda vai nos matar!

     Quando começamos a enxergar a violência e a ver a realidade corremos o risco de morrer não pela violência em si, mas pelo horror que a realidade nos traz, mas esta claridade também pode ser transformadora, pois o primeiro passo para mudar é enxergar o problema.
      Outro aspecto interessante neste livro é a presença de poemas do cotidiano, onde se retratam cenas simples e cheias de poesia, temos aí alguns poemas bons em que destaco "Antena Prateada"; "Partilhando Segredos", "Doação" e "O asfalto não entende o lamentar dos chinelos". Também a presença da sua musa inspiradora é marcante, poderia o poeta até fazer um livro somente dos seus poemas de amor, belos poemas como "Fênix", "Desembrulhando Sono"; "O Vento trazendo notícias do mundo lá fora"; "Uma escada longa para suprir a curiosidade dos meus olhos". "CEP 58700-000".
      E, como não podia deixar de ser, a presença da água em todo o percurso do livro, a água como fonte de vida, constante, perene, uma lembrança de sertão que não podia faltar no Réginaldo, sempre referindo-se a nuvens, arco-íris, chuva, pingos, choro.
       Ainda assim, apesar deste livro possuir belos poemas, faltou-lhe mais uma vez a dimensão de obra mais completa, novamente o poeta colocou uma grande quantidade de poemas e temas sem preocupar-se com o conjunto da obra, muitos poemas poderiam ser deslocados para outro momento ou não precisavam talvez estar no livro pois retiraram a coesão como, por exemplo "Um encontro inusitado"; "Dentro" e "Irregular" e "Um olhar em cada canto".  Também poderia concentrar um pouco mais os temas e ousar um pouco mais.
      É isso, com certeza é uma ótima leitura deste poeta que vem construindo uma obra interessante e consistente.
      

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