sexta-feira, 4 de novembro de 2011

AUSÊNCIAS DE MAH LUPORINI

      Em 2011, Mah Luporini lançou o seu segundo livro "Ausências" em que ela nos mostra quarenta poemas pequenos, cada um possuindo de um a quatro versos. Cada poema é uma pequena definição de um momento, de uma ideia, de uma atitude, de uma sensação ou de um sentimento. Então, ela dá um pequeno título e escreve alguns poucos versos relacionados ao título dado. Desta forma, ela vai descrevendo, através de sua poesia intimista, o mundo em que ela se encontra e aí é a sua grande qualidade e, ao mesmo tempo, o grande defeito.

      Às vezes penso que ler um livro de poesia é um pouco o trabalho de um médico legista que acaba de encontrar o objeto com o qual trabalha e que vai tentar descobrir as causas daquele objeto ter chegado ali. Começo a ler e vou decifrando palavras e significados, muitas vezes, passa-me pela cabeça que a poesia não é para ser decifrada, entendida ou explicada. A poesia apenas é, apenas existe, existe mais para o poeta do que para o leitor de poesia, mas as palavras, o grande tema de Mah Luporini, pois o tempo todo dedica-se a duas coisas, a si mesma e à sua relação com as palavras, que vem desde a infância pois não podemos deixar de lado a presença dos pais poetas.
      Dos quarenta poemas, vinte deles encontram-se na primeira pessoa do singular no tempo presente. Então, ela usa palavras como "escrevo, dissolvo, perco-me, encontro-me, sou, procuro, liberto-me, quero, caminho, contemplo, navego, habito, ceifo, estou, brinco, sobrevivo, bebo, toco" que, a meu ver, mostra o quanto a poeta é voltada para si mesma tentando encontrar o seu mundo ou se encontrar no seu mundo. E aproximadamente a metade dos poemas também falam sobre palavras, versos, escrever, poesia, muitas vezes, misturam-se os dois temas básicos: quem sou e porque escrevo.
      Então, esta poesia super intimista, voltada somente a si e às suas vontades e desejos, expõe-se mas não interage com o mundo. Falta-lhe enxergar o mundo à sua volta, interagir, enfrentar, sair do seu casulo e sofrer por tentar em vez de sofrer por ficar presa ao seu mundo.
      De certa forma, este entranhamento em si mesmo é uma marca da modernidade. Viver sem ver a realidade, ou ver a realidade e preferir viver o seu mundo próprio. As duas coisas se completam e são frequentes atualmente, não enxergar além do seu mundo.
      Dentro da poesia de Mah Luporini encontro, entre os seus pequenos poemas, coisas muito boas como:
  
          Ausência
     Bebo o vinho da noite
     Esqueço quem sou
     Perco-me em
     Ausências.

      Gostei desta figura de "beber o vinho da noite", embriagar-se daquele momento silêncioso e se esquecer de tudo, perder-se em ausências, perder-se na falta de tudo, onde tudo e todos são ausentes. Então aí temos os temas muito explorados pela poeta como o silêncio (13 em 40 poemas remetem ao silêncio, à necessidade de não ter som ou de se calar), a si mesma e suas próprias ações (bebo, esqueço, perco, ) e às ausências na vida, das coisas, das pessoas, dos amores que tanto afligem o coração da poeta. Completando tudo em outros poemas como:

       Insônia
     Rendas silenciosas
     Tecem a noite, outono de púrpuras,
     Sob águas cristalinas.

      Completa a ideia das coisas que estão acontecendo enquanto as pessoas estão dormindo, e também um outono, algo aguardando a primavera escondida nas águas cristalinas, talvez algo que irá surgir deste silêncio, desta noite, uma paixão (púrpura)?. E depois, da noite e do silêncio, depois desta espera pela primavera, encontramos:

        Identidade?
     Clara manhã
     Tímido azul...
     Sou alguém que não conheço

     Então, apesar de eu ter visto o excesso de uma poesia intimista, de voltar-se para si mesmo, de acreditar que é necessário à poeta sair do casulo e expor-se para encontrar as oportunidades do mundo, penso, também que o livro tem a qualidade da coerência, da proposta de mostrar este eu poético, de apresentar este eu em silêncio, em horas noturnas, de distanciar este eu do mundo real e buscar a essência desta vida. Infelizmente, o ser humano, além de ser poético é ser social e, enquanto sobra a autora o "eu poético", falta-lhe, por enquanto, o ser social, a sua relação com o mundo real.

Um comentário:

Zenilda Lua disse...

Muito pertinente essa sua fala Fernando Scarpel "o ser humano, além de ser poético é ser social".
Eu gosto dos dois.