sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

A Minhoca ou o Chocolate? Que o galo decida.

     Como eu já afirmei aqui antes, eu sou apenas um leitor interessado em poesia, querendo compreender e registrar de alguma maneira este momento poético porque passa nosso Vale do Paraíba e demorou um pouco para eu entender o livro "Minhoca de Chocolate" do músico e poeta Léo Mandi. Foi uma leitura difícil porque seu estilo causou-me estranheza, a começar do título: "Minhoca de Chocolate". Confesso que as expressões utilizadas pelo autor são incomuns, muitas vezes beirando visões oníricas, lembrando-me de poetas que fizeram uso substâncias químicas para obter resultados novos e diferentes na poesia, acredito que não é este o caso deste autor, mas sua escrita foi incômoda. Não é fácil entender poemas como:

    "Berro Mergulho"

O vê de luz nas mãos
As borboletas laranjas astrais
As pedras
Magnéticas do poder do chão
A dupla de urubus nas rádios das matas
O berro mergulho na água de húmus
Somos seres Sol Vagens


     Aos poucos, fui compreendendo que Léo Mandi não escreve somente e exatamente um poema, porque poesia exige significados diferentes, várias interpretações para a mesma palavra dentro do poema e o uso de
 figuras de linguagem. A linguagem de Léo Mandi é feita como se fosse uma prosa, uma crônica que, apesar de estar elaborada na página em forma de versos, nem sempre deve ser lido como poesia. Muitas vezes é uma crônica poética, uma prosa poética, como, por exemplo:

      "Churrasco de Carrasco"

O isqueiro
substituiu o palito de fósforo
é um empresário fora de forma
na minha mão
Precisa ter a cabeça
rodada para trás
para cuspir o fogo
O calo do meu dedo
roça com força
a cabeça do empresário
o empresário havia
contratado um homem forte
que era uma árvore brutal
e produzia peças raras
Até que o homem contratado
se tornou um palito de fósforo
E, o empresário o queimou
Eu peguei o empresário
emprestado
para comprar alcool
e acender meu carvão

     Para mim, o poema acima é uma prosa, uma crônica, que ficaria melhor se fosse escrita como tal, e ficaria:

      "O isqueiro substituiu o palito de fósforo, é um empresário fora de forma na minha mão. Precisa ter a cabeça rodada para trás para cuspir o fogo. O calo do meu dedo roça com força a cabeça do empresário.
      O empresário havia contratado um homem forte que era uma árvore brutal e produzia peças raras. Até que o homem contratado se tornou um palito de fósforo e o empresário o queimou. Eu peguei o empresário emprestado para comprar alcool e acender meu carvão".

    Aí vemos outra característica que é a de simplesmente relacionar um objeto com uma história, neste caso foi o isqueiro, mas ele fez o mesmo com folha de papel, árvore, porta, dobradiça e outros.

     Podemos ver também muita referência a elementos da natureza e ao sexo em seus poemas, levando-nos a um ambiente mais primitivo, contrapondo-se ao ambiente urbano, conflitando com a metrópole. No geral, não pude entendê-lo como um livro de poesia, é um livro poético, mas não é de poesia em sua totalidade. Isso não quer dizer que não haja poesia, em alguns momentos, temos bons poemas:

"Não arraste"

Não quero seu resto
Atropelando meu rastro
De cometa
Você não é a única coisa
Que me resta.

ou o

Pai
Pai
Pai
Pai
Pai
Sagem

     Em que parece que ele está batendo (Pá, pá, pá) na cabeça do pai para ver se o pai tira a cara de paisagem que faz para o filho, um poema interessante e bom que se aproxima da poesia concreta que o poeta Moraes faz, sem verbos mas com ação visível.
ou ainda:

Poros Pulsa

Sou o pulso
Que perfura
Não o poço
Perfurado

     Este poema acima é a intenção do poeta de perfurar com a palavra e com o fazer artístico as noções pré concebidas que temos de poesia e poema, pois ele escreve mesmo de forma diferente, mas, apesar da estranheza que algumas frases me causaram, como por exemplo, nos poemas

      "Escrever"
      "Escrever com a pata/ do cão/ com o pelo do rabo/ Escrever sem saber o/ que é tinta/ Escrever sem pensar/ Igual a pele grudada / na pinta"

ou

      "Mijo Santo"
      "A água que cai da torneira/ e enche minha caneca/ Clara de alumínio/ é um mijo santo/ Vou passar o café/ daqui a pouco/ o mijo santo/ vai virar/ mijo preto/ com a minha/ fé",

o que me ficou mais marcado é a falta de preocupação com os versos, pois ele colocou todos os tipos e tamanhos de versos que quis, a falta de unidade do livro que tem uma temática diversa, a preocupação de causar estanheza, parecendo-me que foi mesmo proposital usar esta linguagem ("mijo santo", "mijo preto","a vagina é um barco", "pelo do rabo", "miolo de pau ardendo, torradeiras de bunda de inseto", "berro mergulho"). Tudo isso é um jeito que não estou acostumado a ler.
     No entanto, acredito que a manifestação deste livro é bastante interessante do ponto de vista do diferente. O formato dos versos, a falta de coesão e a temática fazem parte de uma visão da sociedade muito particular do autor, a mim é estranho mas, ao mesmo tempo, é fascinante tentar enxergar o que ele quer dizer, parece um quebra-cabeça, pode ser que ele queira mesmo dizer coisas que eu ainda não absorvi, pode ser que ele não queira dizer coisa com coisa, e que tudo seja proposital, ou não.
     Talvez Léo Mandi devesse ter, além desta preocupação de escrever diferente, também de trabalhar cada poema, retirando os excessos e as repetições de palavras de dentro do mesmo poema, como no exemplo acima, "Churrasco de Carrasco" em que usa a palavra "empresário" repetidas vezes. Isto aconteceu em outros poemas e poderia ser um objeto de mais dedicação do autor evitar esta repetição.
     O fato maior é que este livro incomoda, causa estranheza e nos tira das  palavras fáceis do nosso dia, causou-me desconforto.
      Mas este desconforto, esta estranheza, eu sei que é muito importante dentro do fazer poético da cidade pois esta voz dissonante pode gerar outras formas de música, até que venhamos a compreender melhor as mensagens que o autor externaliza e deseja passar.
      Eu ainda fui encontrar uma ligação dos galos do Léo Mandi com o galo de João Cabral de Melo Neto no poema "Tecendo a manhã" em que diz que "Um galo sozinho não tece a manhã: ele precisará sempre de outros galos", seja o garnizé, o carijó ou o índio, espero que o galo Mandi continue cantando para que os outros teçam a manhã.

3 comentários:

Selmer - Escritor disse...

Não entendi esses dois comentários ..Na minha opinião eles deveriam ocupar outro espaço, já que nada dizem a cerca da crítica do livro Minhoca de chocolate.Mas a comunicação é importante.Vamos divugar esse blog de extrema relevância pra nossa literatura.

SCARPEL disse...

Selmer, eu não estabeleci filtro para os comentários, por isso, dois comentários sem noção ficaram por aqui. Excluí-os após sua observação.

Selmer - Escritor disse...

Boa noite scarpel...Estou comentando tb nesse espaço os livros dos autores citados que eu já li...Gosto bastante das suas críticas..Embora vc diz que não é crítico de literatura, acho muito boas as suas observações e colocações. Que bom que nessa efervescência de escritores atualmente tb temos um crítico de literatura. Sinal que estamos evoluindo. Não tenho nenhum livro lançado, mas ficaria honrado se tivesse pq sei que a sua crítica literária ia ser muito importante pra minha busca por uma literatura de consistência abraço..Eu comentei o livro do Mandi..Mas net sabe como é qdo fui enviar foi pro além...rs..Depois comento de novo..Parabéns pela iniciativa..To sempre plugado por aqui..