segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

CRISTINA FAGA - O MERGULHO NAS ESCOLHAS DO MUNDO

        A proposta deste blog é de compreender a poesia dos poetas que atuam no Vale do Paraíba, e, desta forma, compreender a vida das pessoas que aqui vivem. Autorizo-me um aparte na proposta deste blog e anuncio a todos que há uma escritora excelente e ao mesmo tempo desconhecida, e que seja desconhecida apenas por enquanto, desejo que ela seja logo lida e relida por todos que gostam de boas histórias bem contadas, por todos aqueles que adoram a literatura brasileira.
        Cristina Faga não mora no Vale do Paraíba, mas tem uma ligação afetiva com São José dos Campos, até se permitiu relançar o seu livro de estréia no SESC em outubro de 2009, e o destino, este mistério divino, colocou-me felizmente ao seu lado e, não fosse isso, talvez eu nunca soubesse da beleza de suas palavras.
         Suas histórias despertaram em mim no campo da prosa, a mesma paixão que tive ao ler o livro "Alfazema" de Zenilda Lua, no campo da poesia. Estas mulheres fantásticas, com suas letras tão bem trabalhadas, conseguem chegar no âmago da alma, naquele mais íntimo que a ninguém se revela mas, nas entrelinhas, tudo escancara com delicadeza e amor, resultante de um trabalho que se vê repleto de paixão pela vida e pela palavra.
         É uma pena que a extensão de um conto não me permite publicá-los todos aqui.
         Cristina Faga é uma jovem escritora que publicou apenas um livro até o momento, um pequeno livro de contos chamado "Dhamaríades Flora - A menina-árvore e outros contos". É pouco para quem transborda de talento literário como ela. O seu texto é um deleite. É adorável ler suas histórias tão bem construídas, em que os personagens são estruturados em vidas aparentemente comuns, para os quais a autora revela a generosidade e grandiosidade dos pequenos atos, o heroísmo e também, em muitos casos, a miséria de suas mesquinharias cotidianas. Para quem puder, recomendo, após cada conto, que o leitor pare, feche os olhos e imagine a história, deixando fluir o tempo.
         As histórias, o texto, tudo na literatura desta jovem autora é feito com precisão, não há palavras sobrando e nem repetição de idéias, uma concepção de mundo feita com o carinho de quem se dedica a contar bem uma boa história.
          Este pequeno livro é uma grande obra-prima da literatura brasileira atual, dando continuidade a tradição literária dos nossos grandes contistas, iniciada lá atrás com Machado de Assis. Sua temática atualíssima nos traz o prazer da boa leitura, com conceitos bem construídos. Apesar da delicadeza com que ela coloca suas palavras, não esperem historinhas de água com açúcar, mas a realidade da dureza da vida confrontada com a dificuldade do indivíduo em enfrentar a sua própria solidão diante de um mundo repleto de escolhas. Quando falo em delicadeza, preciso esclarecer que significa que ela não se utiliza de palavrões, escatologia, sangue, mortes, e outros recursos para contar suas histórias. Apenas conta a história.
          No primeiro conto: "Dhamaríades Flora, a Menina-árvore", ela traz a tona a dificuldade da idéia nova, representada pela protagonista, de se firmar no mundo, a nova idéia precisa morrer para dar frutos, ou seria o novo mundo que a protagonista propõe que não tem lugar neste nosso mundo velho e mesquinho? A menina árvore não encontra seu espaço em nenhum lugar porque a ela tudo é estranho, visto que ela é a novidade e a diferença e que o mundo em que vivemos, com sua ganância e mesquinharia, não consegue aceitá-la ou lhe dar espaço, destruindo-a. Seriam as novas idéias fadadas à destruição? Sua morte poderia dar frutos? Há ainda algum espaço para nobres intenções? São questões que se colocam neste belo conto.
           Já "Tio Sibério" é um conto belíssimo. Uma alegoria de amor de uma sobrinha por seu tio, na verdade, uma alegoria sobre a dedicação e persistência de uma mulher que ama  para atingir o coração de um homem. A autora coloca a seguinte questão: como é possível à mulher atingir e transformar a alma masculina? E responde: somente com dedicação e amor na busca da perfeição. Esta é a novidade, num mundo que obriga a mulher a se igualar ao homem, a autora mostra que a mulher, ao atingir a alma masculina, compreende a fragilidade desta alma, ao mesmo tempo, dá-lhe a possibilidade de ser feliz, pois, ao se revelar a uma mulher, o homem se transforma e encontra a felicidade.
             De certa foram, continua com esta idéia em "Jacarés e Lagartos no Ar", que é um conto de fadas moderno em que o príncipe encantado não surge num cavalo branco mas numa potente Harley-Davidson. Mas ela inverte o papel, aqui, é a mulher que encontra a salvação e o sentido de sua vida no homem. Apesar disso, a autora não é feminista ou machista, não lhe cabendo estes rótulos, é apenas uma mulher que ama.  No entanto, o mais interessante desta história é o papel decisivo da mãe da protagonista como o motor da mudança na vida da filha. É a mãe que empurra a filha para a vida, mas, ao mesmo tempo, somente a escolha da filha pelo risco de viver é que pode fazer com que a vida realmente aconteça. A mãe é o propulsor mas a escolha da filha é que faz a vida andar. Então, aí, temos vários questionamentos, o papel do pai ausente, o papel da mãe, o desejo da filha, a possibilidade de amores impossíveis desde que se tenha fé, e o principal, a vida só pode acontecer quando a pessoa deseja que ela aconteça.
              Mudando o rumo do livro, no conto "Polos Opostos", ela trata da troca de favores entre dois amigos, ou melhor, de um favor forçado por um que será cobrado em outro momento, algo muito típico, mas, nesta troca em que os dois ganham e, posteriormente, prova que os dois perderam, mistura sentimentos ambíguos existentes entre os protagonistas. Traz a dificuldade de percebermos ações gratuitas ou não das pessoas, até que ponto um favor é algo gratuito? Esta moral ambígua de um dos protagonistas revela-se prejudicial ao outro, levando o outro ao erro.
              "Uma Nau Incomum" é, basicamente, uma história excelente para crianças, curta, simples e de fácil entendimento, mas muito bem escrita do ponto de vista de estrutura do conto e de linguagem.
               Já "A Melhor História" é um conto fantástico, muito bem elaborado, que retoma a idéia da inadaptabilidade de uma menina ao mundo, no caso uma índia, e também da admiração pelo diferente, pelo mistério, pela aventura da menina da cidade em relação à menina da floresta.
               A autora revelou-se bastante amarga no último conto, "Pequenas Coisas", em que mostra uma vida totalmente sem saída, uma vida que se deixou viver pelos outros, de certa forma é, também, um alerta, de que nós não devemos deixar que a vida dos outros se faça nossa, devemos fazer a nossa vida acontecer. O mundo nos influencia e nos carrega mas, se sempre nos levarmos pelo mundo, estamos fadados a uma existência menos que medíocre, uma existência ínfima. Talvez, apesar da tristeza carregada até o extremo neste conto, possamos concluir que é necessário vivermos e trabalhar para a mudança, fugir do conforto material, fugir do conforto psicológico e se arriscar no mundo, pois é melhor uma vida cheia de dificuldades mas desejada, do que uma vida infeliz com algum conforto.
             A escritora consegue falar de diversos assuntos, e isto é que faz o livro ser interessante e gostoso de ler. Ao se prender a um tema, à história de uma personagem, ela mostra as várias facetas da vida, cada um poderá tirar suas conclusões. Importante é ressaltar que ela não se propõe a dar lições de vida ou de moral, apenas conta a história e aprofunda-se na dor de cada personagem sem ser piegas, sem dar lições, expõe a vida e deixa ao leitor tirar suas conclusões.
             Do ponto de vista da estrutura dos contos, as histórias seguem uma linha tradicional, onde os personagens e ambientes são descritos, e, posteriormente, são descritos os fatos que alteram o estado inicial dos personagens para posterior conclusão. A autora evitou dar lições de moral ou fazer juízos de valor, apenas apresenta as histórias deixando ao leitor concluir.
              Da idéia de mundo, a autora nos deixa com um certo sabor amargo, com um pouco de tristeza ao ver que as personagens não conseguem se adaptar, não conseguem enxergar o lado belo da vida, não conseguem ir à luta, tomar decisões. Vivem porque o mundo lhes impõe a decisão e não porque desejam. Um mundo em que os sonhos não se realizam, não vingam, não crescem e nem se transformam. Será este o mundo em que vivemos? De certa forma, a autora está certa. Sabemos como é difícil fazer com que os nossos desejos se realizem e é preciso tempo, inteligência, perseverança para que obtenhamos as realizações.
              As personagens de Cristina Faga são muito frágeis e incapazes de perseverar, mas não são incapazes de resilir e, neste ponto, está a salvação, a resiliência, a aceitação deste mundo assim como ele é para obter a salvação. São personagens que não brigam pelo seu espaço, em geral, deixam que as coisas aconteçam.
              Ainda assim, por isso mesmo, pela beleza do texto, recomendo que leiam, não percam a oportunidade. É um livro raro e de excelente qualidade literária. Vale a pena perscrutar os meandros da existência de cada um dos personagens do livro, de tão bem delineadas que foram suas características.
             Todos os personagens, de certa forma, mergulham de cabeça em busca de algo que lhes falta, é assim com Dhamaríades Flora, que entra na floresta para encontrar o mundo que deseja, Tio Sibério que mergulha na sua própria alma, a moça que se arrisca ao entrar no mundo de um homem diferente dela, o professor que se aprofunda no estudo de livro imaginário, a menina da cidade que conhece o mistério da menina indígena, e a empregada que vive de verdade em seu mundo de sonhos.
              Sendo exceção, a mãe que sai de seu mundo que será inundado para ir para outro lugar, fazendo isso apenas porque ainda tem uma filha em "A Escolha". Alguns encontram a vida neste mergulho, outros encontram a morte, mostrando-nos que sempre haverá um risco nas nossas escolhas.
               É isto, acessem o blog da escritora através do site http://www.valeliteratura.com.br/ e conheçam um pouco mais. eu aguardarei ansioso suas novas histórias.
               Se me perguntarem se tem algum ponto negativo no livro? Eu diria que sim, faltou ousadia na linguagem e na estrutura do conto. É literatura feita da maneira mais tradicional, sem rompimentos com estilos literários anteriores, no entanto, acredito que era esta a proposta da autora e, mesmo para realizar estes rompimentos, precisamos fazer bem feito o estilo literário anterior para, depois, romper com este estilo. Acho que isso ainda vai acontecer. A autora entende muito do tema.

2 comentários:

Nunes Rios disse...

Scarpel tem se mostrado uma referência Joseense em termos de literatura. Longe de maldades e picuínhas , coisas bem normais da fragilidade humana, faz a crítica dos trabalhos de uma forma construtiva e produtiva o mesmo veio dar um toque todo especial a página http://Zenilda lua-alfazema.blogspot.com de Zenilda Lua.Confesso que entendo mais de literatura depois que conhecí este jovem humilde, destemido e corajoso.O mesmo corrige, mostra rotas, diz o que devemos e não devemos fazer. Parabéns pela lumisidade de suas pensamentos.Parabéns Cristina Faga pelo brilhante livro e pela análise do mesmo que agora ganhou umas pedrinhas de jóias a mais depois da crítica deste Literato em que nada perde para os grandes críticos de Literatura deste tão grande País , chamado Brasil. Nunes Rios.

Cristina Faga disse...

Concordo com você, Nunes Rios: Fernando Scarpel tem o talento para ler os textos, compreendê-los e propiciar uma crítica fecunda e produtiva sobre o trabalho dos autores que elege.

Ele consegue mostrar novas facetas diante dos temas dos autores, apontar as fragilidades de uma forma construtiva, como verdadeiro colaborador e amigo.

Fernando, obrigada pela sua "luminosidade" e por ter me incluído na sua lista. Obrigada Nunes Rios pelas palavras de incentivo.

Vamos prestigiar este canal de comunicação único e tão importante para nós escritores!